Diz que – A grande descoberta

Quando vi as reacções na comunicação social à noticia avançada, por exemplo, pelo Público, de que as receitas da Segurança Social, e particular, mas de todo o Estado em geral tinha reduzido e  a despesa tinha aumentado, fiquei surpreendido primeiro e, sinceramente, deu-me vontade de rir, depois. Não que a situação seja para rir, mas as reacções foram.

É engraçado ver alguém a procurar razões para explicar algo tão simples: até aqui a regra 1/3 receita versus 2/3 despesa, tão anunciada pelo Ministro das Finanças não tem estado a ser implementada. E não há como desmentir. Os próprios factos falam por si. Os dados oficiais do Governo dizem que a despesa subiu e, apesar da austeridade imposta, a receita fiscal desceu.

Contra-senso? Não, simples facto, óbvio e objectivo. Se a austeridade veio retirar parte do ordenado a muitos, provocou a perda de emprego a muitos outros e outros tantos foram convencidos a poupar, a gastar menos, uns por necessidade, outros por precaução, é óbvio que a receita fiscal proveniente dos impostos sobre os rendimentos e sobre o consumo (IRS, IRC, IVA) e nos descontos para a Segurança Social, principais fontes de receita do Estado, vão descer. E, por outro lado, perante o aumento do desemprego e pobreza, o Estado gastará mais em subsídios e pensões, especialmente de desemprego.  Acho que qualquer pessoa, seja qual for a sua formação, vê isto.

Então qual seria a solução? Pensemos assim: menos dinheiro, menor poder de compra, menos aquisições, que levam a menos receita para o Estado em IVA, menos lucros (e muitas vezes prejuízo) às empresas, que normalmente leva à subtracção de postos de trabalho, que provoca maiores custos à Segurança Social em subsídios.  O que é que está errado nesta fórmula? Tudo. Então o que é que se tem de mudar?

Antes de mais temos de mudar mentalidades. Com ou sem austeridade, sem mudança de mentalidades não vamos a lado nenhum. Se ganhamos 1000, não podemos almejar gastar 2000 todos os meses. E o acesso ao crédito tem de ser considerado sempre como motivo de força maior e/ou forma de circundar uma indisponibilidade temporária.  Se necessitamos de adquirir algo e não temos liquidez para isso, só devemos considerar o crédito se as prestações não contabilizarem uma grande percentagem do nosso rendimento mensal e tendo sempre em mente que parte do nosso rendimento vai ser exclusivamente para aquilo. Pegando novamente no exemplo, ganhar 1000 e pagar de prestação 800 é manifestamente caminhar para a ruína, bem como pagar de prestação 200 ou 300, mas ganhar 1000 e gastar hoje 1000, no próximo mês 900, etc.
Muito se fala no crédito às empresas. Qualquer empresa, sejam enormes, grandes, médias, pequenas ou micro, recorrem a ele. Isto porque, qualquer que seja a dimensão, fazem investimentos que normalmente ultrapassam sempre a liquidez ou o fundo de maneio – chamemos-lhe assim – de que dispõem. Mas um gestor responsável sabe medir e aplicar o investimento dependendo da dimensão do negócio, do retorno daquele investimento e dos juros que a empresa vai ter de pagar. Por isso é que as grandes empresas, apesar de recorrerem ao crédito, têm (quase) sempre enormes lucros. Porque controlam os créditos que solicitam e, investindo bem, rapidamente recebem retorno. Quem não sabe, imagina projectos faraónicos, enterra as empresas em dívidas que não mais têm solução e aumenta o número de empresas a fechar e trabalhadores no desemprego.
Outra mudança necessária é nos próprios trabalhadores. Já há muitos anos que oiço o provérbio “em tempo de guerra, não se limpam armas”. E é um grande ensinamento. Quando o emprego escassa (se não sempre), quando as oportunidades de emprego são muito poucas, há que as aproveitar, mesmo que não seja na nossa área e/ou com o salário que ambicionamos. Podemos continuar a ambicionar trabalhar em determinada área, almejar ganhar bem mais, mas não podemos perder oportunidades, sejam elas empregos noutras áreas,  com um vencimento mais baixo ou até mesmo a criação do nosso próprio emprego. Não nos podemos dar ao luxo, nos tempos que correm, de não cumprir os nossos compromissos, pagar as nossas contas, tendo opções para o evitar. O ideal é aproveitar as oportunidades, mantendo-se sempre atentos a outras e melhores possibilidades. Se há riscos? Claro que há. Mas há outro ditado que diz que “quem não arrisca, não petisca” e sabemos que muitas fortunas começaram porque os seus donos arriscaram um negócio, uma profissão, um investimento.

Ponderadas as mentalidades, os governantes têm de pensar desta forma: mais dinheiro, mais poder de compra, mais aquisições e mais investimentos, que permitem ao Estado mais receita fiscal, às empresas mais lucros, que lhes permite aumentar o negócio, manter funcionários e, quiçá, aumentar mesmo o número de colaboradores da empresa. Dirão vocês: mas o Estado não tem dinheiro para injectar na economia. Não tendo dinheiro, não pode aumentar o investimento público, mas não deve, com aumento excessivo de impostos, provocar o estrangulamento do investimento privado. Sem investimento, quer público, quer privado, não há economia, não há crescimento.


Crónica de João Cerveira
Diz que…