Dizem que estão a proteger os autores…

Dizem as várias correntes existentes, quer nacionais, quer internacionais, que é necessário defender os direitos de autor. Nesse aspecto concordo. O trabalho criativo, a propriedade intelectual, devem ser protegidos e os seus autores devem receber a  retribuição devida. Faz todo o sentido por várias razões. Desde logo porque todos nós queremos ser recompensados pelo nosso trabalho, mas também porque, quando gostamos de determinado autor, queremos que ele continue a produzir, algo impossivel se não receber.

Mas a pergunta que se impõe é: a que custo? Todos os meios serão válidos?

Sabemos hoje, falando a titulo de exemplo, que a Sociedade Portuguesa de Autores promoveu um abaixo assinado de apoio à nova proposta de lei de protecção aos direitos de autor. Até aqui tudo bem, não fosse o facto de alguns dos nomes que a SPA colocou como subescritores do dito abaixo assinado terem afirmado desconhecer o mesmo. Ou seja, a SPA usou o nome dos seus sócios sem o seu conhecimento e consentimento. Será esta conduta correcta?  Pior que isso, será legal? Combater ilegalidades com ilegalidades, onde está a moralidade nesta história?

Outra questão a ter em conta é que, graças à internet e aos downloads ilegais, muitos autores tiveram uma projecção fabulosa. Algo que, sem isso, seria impossível. E perguntam vocês: mas não disseste ali em cima que os direitos de autor deviam ser protegidos e pagos? Disse pois e continuo a dizer. Mas a questão aqui põe-se desta forma: há autores que, hoje em dia, só vendem – quer exemplares do seu trabalho, quer em espectáculos que fazem pelo país – porque outrora houve alguém que gravou o seu trabalho e o partilhou ilegalmente na internet. Caso contrário seriam hoje apenas mais um autor que, como muitos, independentemente de ser bom no que faz, edita um ou dois trabalhos, mas sem grande projecção, com pouco ou nenhum lucro, e acabam por abandonar a produção artística. Temos dois casos de sucesso no humor, por exemplo, graças à internet. Vejam os casos do Fernando Rocha e da dupla Quim Roscas e Zeca Estancionâncio. Quando eles chegaram à televisão, já os seus cd’s de anedotas/piadas tinham circulado entre muitos computadores em formato mp3 (e estou em crer que chegaram à televisão pela projecção que isso lhes deu). Se acho correcto? Não, pois perderam bastante dinheiro com isso. Mas como diz a minha mãe já há muito tempo “há males que vêem por bem”. Se eles são maus artistas? Nada disso. O facto de o seu trabalho ser partilhado pela internet normalmente até quer dizer que eles são realmente bons naquilo que fazem, seja  na música, dança, humor, entertainment, etc. Tanto que muitos organizadores de eventos acabam por contratá-los para actuações ao vivo, depois deste ou daquele mp3 ter chegado ao seu conhecimento, depois de ter passado, de computador em computador, por dezenas, centenas, às vezes milhares de pessoas antes deles.

O que eu quero com isto dizer é que há que encontrar um meio termo. A legislação deve proteger os direitos dos autores mas não exagerar, como na proposta de lei acima referida, tomando todos por piratas e obrigando-os a pagar uma taxa. Decerto que quem propõem algo desse género não entende que está a prejudicar uma industria (a que fabrica os media de armazenamento de dados, discos rígidos, etc) que não pode ser responsabilizada pelo que os compradores armazenam nos media que fabricam, mas que será duramente penalizada, porque, se a todos os impostos que já pagamos sob o consumo, tivermos de pagar mais uma taxa, vamos começar a filtrar mais o que guardamos em disco e comprimir tudo ao máximo para não comprar mais armazenamento. E com isso descem as vendas dessas empresas. E descendo as vendas das empresas, não há dinheiro para pagar funcionários, muitos são dispensados, aumentamos o desemprego, o perigo de falência de mais empresas, etc etc, todo aquele ciclo vicioso que vocês já conhecem.

Em suma, para não me alongar muito mais, se a pirataria dá prejuízo a muitos autores e à industria que os suporta (enquanto garante a outros muitos espectáculos ao vivo e projecção), não pensar cuidadosamente nas repercussões de determinadas propostas é o chamado “tiro no pé”. Proteger sim. A todo o custo, ignorando quem vai ser atingido, nunca.