Do medo, com amor.

Está-me no sangue.

Olhar para cima. Mirar as estrelas, questionar-me sobre o céu. Os seus mistérios. Limites cujo sonho me prende à terra onde os meus antepassados, lutando incessantemente, falharam permanentemente, reajustando os seus objetivos. Uma luta de gerações intentando alcançar aquilo que mais desejavam, mas apenas em parte conseguiram.

Foi assim que batalharam. Foi assim que continuaram a intentar, na perspetiva de um simples humano, perdido na imensidão do Mundo, do Espaço, do Universo. Dos Universos. Eles, sentindo-se perdidos, na borda da imensidão inexplicável do que eram capazes de perceber ser muito maior que eles, apelaram contra a blasfémia que era o Mundo não se importar com a existência deles, visitando-os com uma pontual doença, um honrado predador, um oportuno parasita.

Posso apenas imaginar a sensação que é sentir-me completa e totalmente sozinho. Não saber de onde vim. Para onde vou. Qual a minha finalidade… Deus… Realmente preciso de ajuda. Que raciocínio oportuno!

Se não posso explicar algo, que tal simplesmente aplicar a minha lógica à finalidade daquilo que não posso explicar, preenchendo o espaço desconhecido com a minha simples crença? Deus, por fim, terá sido a resposta. Subitamente, o Mundo parecia um pouco mais preenchido. O Universo um pouco menos vazio. O Multiverso, uma impossibilidade. E começou a Era da crença. A sublevação da fortuna, da explicação crente, sobre a possibilidade de explicação causa-efeito natural, sobreposta pela grande, maior influência de uma entidade sobre-humana. E no entanto… Esta entidade variava. Tanto na sua pluralidade numérica, como na sua pluralidade de princípio. Aparentemente, a consistência não seria um pré-requisito para a existência desta entidade, dada a multiplicidade de entidades. Hórus, Bahl Hamun, Zéus, Krishna,  Zorastra, Javé, Allah, (que curiosamente, é exatamente a mesma entidade que o anterior) e muitos muitos outros, não necessariamente por esta ordem, todos eles tem (ou tiveram, conforme a moda), uma importância cabal na forma de pensar dos meus antepassados. Guerras pela grandeza de cada um deles foram travadas. E perdidas. Pelos milhões de seres que não chegaram a ser meus antecessores, e outros que o foram.

Até que chegou o momento em que a razão chegou e, subitamente, se decidiu que queimar pessoas pelo que estas acreditavam não garantia um lugar num plano místico repleto de felicidade, algodão doce e, presumivelmente, orgias com pessoas que não sabem o que é um orgasmo (a acreditar no Estado Islâmico…). Passámos de uma batalha literal, para derramar vísceras em debates televisivos, acusações fúteis e brados aos céus, pela crença de que uns vão para o Inferno, e outros, para cinco palmos de terra, se tiverem sorte.

Uma parte deixou de ter medo, há milhares de anos atrás, para passar a temer que os outros lhes roubem a eternidade, por não acreditarem, enquanto que os que não acreditam não se importam, ou acham irritante a crença, formulando ataques às crenças de quem prega o Amor, levando a uma simples conclusão: tudo isto veio do medo, com amor.

Mas retomando a minha, a nossa pequena aventura pelas aventuras de quem deixou de acreditar, o Mundo continuou sendo tão perdido na imensidão do Universo, do Multiverso, da translação à volta do Sol (outro dos deuses) que, a certa altura, fomos capazes de nos situar, e passar a responder a algumas das perguntas para as quais as nossas mentes eram demasiado obtusas.

Para quê acreditar quando tenho respostas que eliminam a primeira fase do problema lógico?

E no entanto, nunca abandonámos o medo. Nem eu nunca o abandonei. Continuo sozinho. Continuamos sozinhos, como se estivéssemos no meio de betão armado, tão cinzento como a mente de quem acreditou que o medo se foi embora.