“Armando Bernardo Cutileiro” – E assim se aprende a nadar

Nem oito nem oitenta. Não foi propriamente num alguidar de escorrer a loiça, e muito menos num poço que aprendi a nadar, mas quase. Num sítio ainda com menos água do que no tanque de lavar as hortaliças, é que por volta dos dez anos, à aprendizagem das primeiras braçadas juntei o prazer de mergulhar de cabeça, e fi-lo tão bem como àquilo que eu fazia achando que sabia nadar.

Vivíamos os três numa barraca alugada ao Sr. Tanganho, aos dias de hoje uma chamado rendeiro de alguns terrenos e casitas no lugar do Prior Velho, que postas em fila não eram, contudo, em número suficiente para formar uma rua. Além delas e de umas poucas barracas com número reduzido de habitantes, havia um lugar de mercearia, uma pequena praça e uma taberna à qual afluíam mais homens do que supostamente havia moradores no bairro.

Quanto a mim, por ser popular no bairro, passava os dias rodeado de outras crianças, miúdos de quem era tão amigo que julgava poder acompanhá-los enquanto adultos ao longo da vida. Felizmente amigos fiéis de quem nunca ouvi as mães queixarem-se de comigo andarem em má companhia. Éramos unidos e, embora desconhecendo o facto, afortunadamente mais capazes do que certos adultos de apreciar o verdadeiro valor da amizade.

Quem sobremaneira gostava disso era a minha mãe, confiante em que do relacionamento principalmente com os mais velhos, nascesse o propósito de algum ensinamento que viesse a revelar-se de utilidade para a vida. Entre outros, nadar foi o que ainda hoje recordo com mais saudade. No rio Trancão, à época limpo, aproveitávamos a maré vazar para erguer pequenos diques em que aprisionávamos tainhas, que levava para a minha mãe cozinhar. Eram pequenos peixes, mas muito saborosos que ela fritava como se fossem deliciosas pescadinhas de rabo-na-boca, nas quais confiava que pudesse um dia ir no próprio barco pescá-las ao mar.

Como eu, havia mais dois ou três novatos. Inexperientes na arte da pesca, éramos como aprendizes num ofício que consistia na vontade férrea de aprender a sobreviver num ambiente adverso. Como estávamos perto da foz, ali a água era um pouco salgada pelo que evitávamos bebê-la, mas mesmo assim atirávamo-nos às poças que ali ficavam até à preia-mar e esbracejávamos até perdermos o fôlego e termos de ser arrastados numas boias, que mais não eram do que umas pranchas de cortiça atadas a um cordel por um laço, destinadas a resgatarem-nos como se fossemos náufragos à deriva nos escombros de um temível naufrágio.

Por essa altura, já a minha mãe cozinhava bem as tainhas, e aprendera a fazer com elas um petisco ao qual adicionava arroz e algum do marisco que apanhávamos juntamente com elas. Tornara-se especialista nesse prato, e eu aprendi que o tempo de cozedura no tacho, variava consoante ela pusesse caranguejo, amêndoa preta ou camarão, de tamanho menor que o tigre, mas que nós saboreávamos com o mesmo prazer do que, quando descascávamos, sabíamos o banquete que tínhamos pela frente.

No mais, a água era gelada, mas não só pelo que dela retirávamos, não nos faltava coragem para prosseguir as aulas de natação, que acabaram por resultar em que eu me tornasse no melhor aluno da turma, fazendo daquela uma praia fluvial sem condições iguais às de agora, e talvez nesta condição, residisse um entrave a que alguém quisesse recuar no tempo, aos anos em que para frequentá-las tinham as senhoras de ir muito bem tapadas, e os cavalheiros de traje igual à roupa interior.

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