E nós, Povo, porque esperamos?… – Lúcia Reixa Silva

povoTodos nós já passámos por períodos de vida melhores e piores, mais divertidos ou mais angustiantes, mais tranquilos e calmos ou pelo contrário, mais dinâmicos e agitados…

A vida é exactamente este fluir de sentimentos e de acontecimentos, uns mais agradáveis e outros menos agradáveis, claro está.

O problema reside precisamente quando a vida parece não fluir…bloqueia e pára, fazendo com tudo pareça igual, um dia igual ao outro, sem projecto de vida para o futuro, sem construção deste projecto no presente, e sem que o passado sirva de aprendizagem para o presente e futuro, mas contenha nele tudo o que parece ser mais importante na nossa vida e que já passou.

Muitas vezes o envelhecimento passa por esta fase um pouco depressiva, em que o “ontem” é tão mais rico que o “hoje”, e em que não existe um projecto de vida futuro, nem que mais não seja o futuro de amanhã.

Esta depressividade muitas vezes verifica-se também nos jovens e nos adultos activos, precisamente porque deixa de haver um projecto de vida, deixa de se querer avançar.

Em Portugal é uma realidade que as depressões e as doenças mentais aumentaram sobretudo nos últimos três anos – tirem daí as vossas conclusões, por favor…

Na verdade existem, para mim, problemas graves nas políticas seguidas e na sociedade, que contribuem para este mal, embora juntamente com uma multiplicidade de factores, como é lógico.

Verdade é que o emprego para os mais jovens e para os adultos, longe de ser um emprego para toda a vida, nem sequer é emprego numa grande generalidade de casos, ou é temporário, ou é simplesmente precário, ou inexistente. Esta situação tem por consequência óbvia, dificuldades extremas na vida das pessoas, acompanhadas de uma baixa de natalidade imensa, porque é de facto complicado que as mulheres possam engravidar num país onde não há emprego para grávidas e muitas vezes o que têm, deixa de o ser, e onde os casais têm de enfrentar preços elevados para tudo e baixos ordenados na maioria dos casos. Mesmo quem tem melhores remunerações acaba por temer o “amanhã” e a insegurança de um país em crise leva a que as pessoas vão vivendo um dia de cada vez, não por opção, mas antes porque nada mais lhes é permitido.

Desgraçadamente quem viveu a sua infância e adolescência em alturas do PREC, criou ilusões de um mundo que chegaria e de uma vida melhor, e foi absolutamente logrado nos seus sonhos…Longe de comandarem as suas vidas, os sonhos de toda esta gente, ficam na confrontação diária, ano após ano, de que os sonhos apenas dificultam a sua gestão de expectativas…

A solução fica quase sempre por parar de sonhar…porque senão o mais certo é deprimir…

Para completar o quadro, sucessivos “cortes” nas remunerações, e nas pensões dos mais velhos, levam a que a depressividade se instale com maior intensidade na população portuguesa, e que a insegurança no futuro passe a estar demasiado presente no quotidiano…

Este governo decide retirar direitos conquistados todos os dias, e retira mesmo, e nada se faz…nada se consegue fazer…

A confiança na classe política diminui, infelizmente, porque na verdade uma grande parte dela não é suficientemente séria, nem sequer competente, o que impossibilita a recuperação de uma verdadeira democracia – sim, porque democracia implica a activa participação das pessoas na vida da Polis – a verdadeira política, que é na verdade rara nos tempos que correm…

As pessoas divorciaram-se da política e das suas próprias vidas, infelizmente, porque percebem que não conseguem fazer nada…acomodam-se, e aguardam as eleições previstas, apenas isso, na esperança de que “isto passe”, e “pode ser que o próximo mude qualquer coisinha”…

Parece-me a mim que os sentimentos individuais e projectos de vida supostamente pessoais, estão neste momento perfeitamente imiscuídos com a vida em sociedade e com as políticas de um país, no caso português. Acreditem, quando isto acontece, significa que algo de muito grave está a acontecer…Quando as pessoas não votam, porque deixaram de acreditar, é um mau sinal democrático…e Portugal tem tido estes sinais, sucessivamente, nas várias eleições, com abstenção muito elevada, aliás.

Mas quando as pessoas votam, como no caso das recentes Autárquicas, e dão um sinal claro de que não estão a gostar de quem os governa, nem da forma como os governa, e nada se faz…este sinal ainda é mais doloroso de ser analisado…é que de facto as pessoas deixaram mesmo de importar. Não há dignidade política sequer, portanto não se demitem, não se retratam publicamente, não coisa nenhuma…

Quando se vive num país, onde jovens e adultos não podem ter um projecto de vida porque não conseguem livremente escolher um futuro, já que têm de pensar no “pão” que podem não ter à mesa no dia seguinte, e os mais velhos “tremem” a pensar quanto mais lhes vão tirar ao fim do mês, que já não podem ajudar os mais novos, nem ser ajudados por eles, não sabendo quando, nem como, vão ser penalizados em cada orçamento, ou em cada rectificação orçamental…quando tudo isto acontece, algo de muito errado se passa…

Perderam-se mais do que recursos económicos…perdeu-se a esperança…

E quando se perde a esperança, cria-se a desesperança e instala-se a depressão…

Por quanto mais tempo vamos permitir isto?…Por quanto mais tempo vamos silenciar as nossas dores e deixar que quem não sabe governar, nos governe?…

Se pessoalmente acredito que todos e todas temos de fazer um enorme esforço para, ainda assim, irmos construindo um projecto de vida, dia após dia…recuperar a esperança, “erguer a cabeça” e acreditar que podemos mudar a nossa própria vida, também acredito que temos de nos manifestar democraticamente, cada vez mais…Não nos podemos calar…Não devíamos…

É um país governado por pessoas sem competência com a cumplicidade de quem apenas quer terminar o seu mandato presidencial em “paz e sossego”…Somos todos e todas, pessoas governadas por quem não elegeram, ou por quem até elegeram ao engano, e que constantemente defrauda quem neles confiou, e quem neles nunca confiou e ainda assim se surpreende pelas constantes “anormalidades” perpetuadas “contra as pessoas”.

Desengane-se quem pensa que a crise é económica…a crise em Portugal é a imensa perda de valores fundamentais, dos mais essenciais direitos das pessoas: o direito ao trabalho, à habitação, à liberdade, pior ainda o direito ao ensino de qualidade e à saúde tendencialmente gratuita. Pessoas que aguardam por tratamentos oncológicos até ser tarde demais, porque não têm seguro de saúde ou dinheiro para poder avançar com os exames ou tratamentos…

E no meio disto tudo, aparecem umas medidas absurdamente eleitoralistas, como ampliar os serviços dos Centros de Saúde porque houve aumento de recursos às urgências por um surto de gripe….ou o inglês passar a ser obrigatório provavelmente nos 3º e 4º anos do 1º ciclo em ano de eleições (claro que não se sabe como, nem quantos professores de AEC vão ficar sem emprego, nem o futuro das AEC no meio destas reformas, mas pronto…passa a ser obrigatório), etc, etc.

“Entopem-se” os canais com mil um programas de entretenimento e notícias que mais parecem “a gazeta do bairro”, onde se fala muito de acidentes e mortes, crimes e desgraças, ao mesmo tempo que se dá destaque ao “lado bom da vida” de uns e de outros, sem quase se “tocar” em política e notícias internacionais…não damos quase por nada, estamos a ser governados bem “ao jeito” do conhecido trio “Fátima, Fado e Futebol” do antes do 25 de Abril de 1974…

(Des)educa-se sem dar nas vistas o povo, e assim se obtém o silêncio de quem por cá vai ficando, e o silêncio daqueles que partem para destinos vários na esperança de obterem algo de melhor para as suas vidas…

Entretanto a vida de milhões de pessoas fica suspensa por motivos de saúde ou de falta de outros recursos, a esperança cai, a depressão instala-se…

E nós, Povo, porque esperamos?…

De cabeça erguida e confiantes no amanhã, caminhemos pois para um futuro nosso…deixámos que nos “roubassem” dinheiro, emprego, horas de sono e de sonhos…não deixemos que nos “levem a alma”!

Comecemos por pensar nisto, por “abrir” um pouco a nossa mentalidade, por nos interessarmos um pouco mais pela vida da “Polis”…sejamos mais interventivos mas também mais activos como agentes de mudança…

Comecemos primeiro pela nossa própria vida, mas não percamos de vista o todo…Lutemos pois por não perder a esperança, no sentido da mudança, e lutar democraticamente para que nos seja devolvido tudo o que nos levaram…

E já agora…talvez fosse útil lembrar quem nos (des)governa, que o hino do partido maioritário na coligação que nos governa começa por : “Paz, Pão, Povo e Liberdade. Todos sempre unidos. No caminho da verdade…”…esqueceram-se, pois…isso era no tempo da “jotinha” e quando esta não era, como agora é (e como bem se viu no caso do referendo proposto para a coadoção na passada semana), o “braço armado” do PSD (armado em quê?…pergunto eu…resposta óbvia)…agora…bom, agora já não se lembram…não dá jeito nenhum esta letra: “Pão? Povo? Liberdade?…e…”no caminho da verdade?….”…mas o que é isto?…alguma “coisa de esquerda com toda a certeza”…pois claro!

Até para a semana!

 

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Crónica de Lúcia Reixa Silva
De Alpha a Omega