E por que não? – Mara Tomé

Apesar de nos colocar algum receio e medo, apesar de as piolhas poderem vir a ter uma crise devido a isso, apesar de, muitas vezes, implicar custos e decisões difíceis, se calhar até nem é tão mau assim mudar, de vez em quando.

Por regra, uma criança com autismo não gosta de imprevistos nem de surpresas nem de mudanças, por muito subtis que sejam. Felizmente, as minhas piolhas, apesar de sofrerem destas mesmas características, aprovam as mudanças em casa ou no visual. Nunca tentámos nada mais radical – ainda -, como mudar de país…

Continuando. Ora, quando andamos mais em baixo e precisamos dos nossos momentos de egoísmo (perante uma das últimas crises de uma das piolhas, após contacto com o pediatra da unidade de autismo, uma das coisas que ele perguntou foi se tínhamos os nossos momentos de egoísmo, de total ausência das piolhas), aproveitamos para mudar a decoração em casa. Desde que comprámos o t2 que ele já passou por mais alterações e restylings e liftings e peelings e coisas que tal do que uma qualquer celebridade plastificada. E, se se pensa que ele está muito kitch e cheio de tralha sem jeito nenhum, desenganemo-nos desde já: o destralhe tem sido um ponto a seguir, ainda as piolhas apresentavam os primeiros sinais de autismo e por aí nos temos regido.

Ao nosso gosto, fruto do nosso trabalho e imaginação, o nosso corredor ganhou uma divisão extra, tem agora umas paredes bem mais acolhedoras (e menos riscadas, diga-se de passagem), o móvel da entrada voltou a ter gavetas e um ou outro bibelot (velas e fotos), as estantes estão repletas de livros dos nossos tempos de faculdade, de histórias infantis, de livros de receitas, etc, de molduras com fotografias e de peças de madeira maciça que adoro. Com o passar do tempo e no rescaldo das crises das piolhas, no digerir de relatórios e de consultas, fomos aliviando emoções através da casa e, assim, além do corredor, a sala também ganhou novos detalhes que fazem toda a diferença: algumas paredes pintadas com texturas, cores quentes, mais livros e menos portas no armário da televisão (é no que dá colocarem uma chave de fendas nas minhas mãos…). Os quartos foram sendo alterados conforme a disposição: o nosso ganhou uma parede texturada, novos tapetes e cortinas (que devem ser alteradas em breve porque já começam a “fazer-me espécie”) e o das piolhas já experimentou todas as disposições de móveis possíveis e imaginárias até termos, definitivamente, decidido por esta última que lhes fez ganhar mais espaço do que pensáramos.

É apenas um t2, adoraria ter uma área de lavandaria onde pudesse colocar estendais e roupas sem me preocupar com espaços, mas é o nosso t2, decorado à nossa maneira, com os recursos encontrados por nós, com a aprovação das piolhas e ao gosto delas. A reação delas é o mais importante para nós e sempre que as prendamos com uma diferença em casa, mínima ou enorme, sabemos que teremos um “uau, está tão giro!” da parte delas. E é através desses pequenos passos, caseiros até mais não, que poderemos, um dia, dar um passo maior e abraçar uma mudança maior.

Não vivenciamos o mundo da mesma forma que os demais; para nós, os pequenos detalhes são valorizados e nada nos é dado como garantido.

Crónica de Mara Tomé
T2 para 4