E quando tudo muda

Tudo enfrenta a navalha da mudança. O amor daqui não mata. Deste lugar amplo. Que sabe que estiveste aqui. Outros tempos, entregue ao ouro cintilante de todas as coisas. As histórias contadas ao anoitecer, na eminência do amanhecer.

Tudo muda. As memórias conservadas, ideias ou imagens, morrem lentamente na minha boca branca de cal. A chaminé encerra o fumo da tua presença contínua, tornada lenta, breve como o desaparecer do cinzento invernoso.

Amortalho o teu nome. Deixo que a tua personalidade se cole à minha pele, ossos de Adão. Encontro-me sentado na boqueira dos dias finitos, apenas com o sorriso das tuas promessas enfadonhas, trabalho árduo. No barulho das frases acabadas de Eça de Queiroz. No desassossego quieto de Fernando Pessoa. Ironia do destino. Uma janela aberta ao horizonte da tua vida. Uma brecha, simples, escancarada e finalizada. De frente para o teu despertar. Dos nós agonizantes, por fazer. Ou por fazermos.

Permito-me ao que sou. Estou aqui, como sempre. Penso em ti. De braços abertos, armaduras sem luz, um alfabeto insistido, por ti e para ti.

Estou aqui. Mas já não sinto a tua falta. Estou aqui, no entanto, com a certeza do teu regresso supérfluo, fingido, vulgar. Estou aqui, feito convidado de honra para aplaudires de pé o início de uma nova vida; da minha vida. A extinção tua. Das cinzas que és.

Recomeço. Enceto, sem angustias infundadas, sem entenderes os passos que demos. O caminho dorme no futuro, entrega-se à liberdade absoluta. Não descanso, é inútil, enquanto as águas correm rio abaixo, de nenhuma felicidade quero só a metade.