Em busca da Lula Gigante – Francisco Duarte

Mas mais maravilhosa do que a mitologia dos anciãos

e que a mitologia dos livros é a  mitologia secreta do Oceano.

H. P. Lovecraft

 

Não é segredo nenhum que hoje em dia poucos mistérios realmente nos restam a nós, seres humanos, após termos finalmente dominado a superfície da Terra e ganho através da nossa tecnologia um poder que nos permitiria, se quiséssemos, acabar com quase toda a vida complexa que habita a sua superfície. Talvez por isso mesmo alguns dos poucos mistérios que nos restam desvendar existam nas profundezas dos oceanos.

É usualmente dito que conhecemos melhor a superfície da Lua do que as profundezas dos oceanos. Já mapeámos com bastante detalhe a superfície da Lua, e inclusive já lá foram 24 homens. Pelo contrário não existe nenhum bom mapa do fundo dos oceanos, e muito poucos foram já aos locais mais profundos.

O motivo pelo qual isto acontece é relativamente fácil de entender, apesar de não fácil de conseguir. No fundo resume-se a tecnologia e materiais.


Embora o vácuo do espaço seja um ambiente hostil à vida humana e constantemente bombardeado por radiações vindas de todas as fontes imagináveis (é a magnetosfera terrestre que impede que as formas de vida na sua superfície sejam cozinhadas por radiações), o facto é que é possível e já recorrente construir máquinas capazes de lá chegar e até de voltar, apesar de o regresso requerer um forte escudo térmico. Manter seres humanos vivos é um pouco mais complexo, mas o isolamento e bom planeamento da missão conseguem tornear a questão, como já sucedeu.

Já descer às profundezas é algo muito mais matreiro. O único problema real, sobretudo quando comparado com a complexidade de se ir ao espaço, é também aquele com o qual ainda nos debatemos para ultrapassar: a pressão.

A água é um ambiente incrivelmente denso para se viajar. Contrariamente ao que muitas pessoas possam pensar, os submarinos militares raramente ultrapassam os cem metros de profundidade, e mesmo que assim o façam, nunca irão abaixo dos 300 metros (apesar de se falarem de profundidades de cerca de mil metros para algumas classes russas, facto que nunca foi provado). Isto porque ir muito fundo implica sofrer tamanha pressão que o casco simplesmente implode. É por isso que os submersíveis capazes de descer a grandes profundidades são pequenos, compactos e extremamente robustos. São também excepcionalmente raros e dispendiosos de construir e operar.


E tudo isto nos faz lembrar do quão extraordinárias são as criaturas capazes de viver tão fundo, como aquela que uma equipa de biólogos marinhos conseguiu filmar recentemente ao largo do Japão.

O maior dos invertebrados

As lulas do género Architeuthis, comummente chamadas de Gigantes são animais realmente extraordinários. São cefalópodes, como os polvos e as lulas normais, sendo, portanto, também moluscos, o que faz delas parentes dos berbigões e dos caracóis. Em termos de tamanho são nada menos que imponentes. O corpo pode chegar aos cinco metros, o tamanho de uma carrinha de caixa aberta, e com os tentáculos estendidos o comprimento pode facilmente ultrapassar os 12 metros. Há casos que falam de animais com mais de 20 metros, mas esses nunca foram devidamente comprovados.

Até há pouco tempo estes animais eram material de lenda, chamados de Krakens ou de qualquer outro nome que os marinheiros de outrora tenham criado ao verem os poucos exemplares que se aproximassem da superfície. O que a ciência conhecia deles vinha sobretudo de cadáveres que davam à costa ou eram apanhados por navios de pesca.

Isto porque estamos a falar de criaturas das profundezas, animais que se escondem na escuridão eterna dos abismos subaquáticos, muito provavelmente entre os 300 e os 1000 metros de profundidade. Como todas as lulas são caçadores, que buscam animais mais pequenos, e mesmo outras lulas. Os métodos de caça são igualmente misteriosos, mas possuem os maiores olhos do reino animal, com 25cm de largura.

Mas existem animais que predam estas lulas: os cachalotes. Estas são as baleias que mais profundo mergulham e não é incomum estarem cobertas das cicatrizes deixadas pelos seus combates contra estas enormes lulas. São ambos animais da escuridão profunda, incrivelmente robustos, os seus hábitos colocando à prova a nossa capacidade de os estudar. Mas isso não nos impede de tentar.

Obtendo imagens

Conseguir filmar uma lula gigante no seu habitat natural tem sido durante muito tempo o Santo Graal da biologia marinha. É incrivelmente difícil encontrá-las ali em baixo, sobretudo quando as faróis dos submersíveis não conseguem iluminar mais que alguns metros, e tendo em conta que os animais são, por natureza, esquivos.

Apenas no virar do século foram conseguidas imagens destes animais vivos. As primeiras de sempre foram finalmente divulgadas num documentário do Discovery Channel em 2001. Mas eram apenas larvas. Para se conseguir filmar um animal adulto foi preciso esperar até 2002, mas este exemplar era ainda jovem e pequeno, e estava já a morrer.

Ao longo da década foram sendo obtidas mais algumas imagens e curtos vídeos, sobretudo por equipas japonesas. Estas pareciam indicar um predador activo e agressivo, algo que está de acordo com o comportamento geral das outras lulas, mas parece estranho num animal das profundezas.

Mais recentemente, em 2012, uma equipa dos canais televisivos NHK e Discovery Channel conseguiu, finalmente, filmar o animal no seu habitat de modo conclusivo. Essas imagens serão reveladas em documentários a estrear durante este mês. Se correspondem ao que tanto se tem procurado então representarão uma grande vitória do Homem sobre o mais inóspito dos ambientes.

Oh, e a título de curiosidade… Há uma lula ainda maior e mais misteriosa do que a ArchiteuthisA Lula Colossal!

 

Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso