Emancipação adiada – Maria João Costa

Depois dos vinte anos a reclamar porque já não há os iogurtes com pepitas de chocolate no frigorífico; depois de vinte a anos a reclamar porque o vestido às riscas está por passar a ferro, e o jantar é sempre mesma coisa; é chegado o momento da emancipação, da independência, do “Vou viver sozinho”. E não é suposto voltar.

Não é suposto, mas agora não há volta a dar. Voltamos todos. Fazemos mal as contas, percebemos que o vestido às riscas podia demorar, mas acabava por aparecer no guarda-fatos; reclamávamos do jantar, mas não o tínhamos que fazer, e o frigorifico nunca ficava sem iogurtes (com ou sem pepitas de chocolate).

Mas durante aquela semana em que uma pessoa viveu as coisas boas da emancipação, ganhou hábitos de quem não tem a mãe como “senhoria”, hábitos difíceis de deixar quando se volta ao lar que nos viu nascer.

“A roupa está na cadeira há mais de 24 horas!”; “A manteiga não pode ficar fora do frigorífico”; “Tens ali um aspirador para limpar as migalhas”; “Isto são horas de chegar a casa a uma quarta-feira?!”; “Antes de saíres, estende a roupa que está na máquina!”. Não pagamos renda com o salário, porque não o temos, mas pagamos com o corpo, literalmente. Há coisas que, tão cedo, não vão mudar!


Crónica de Maria João Costa
Oh não, já é segunda feira outra vez!