Entrevista Dário Guerreiro – Môce dum Cabréste

O Ideias e Opiniões continua a sua forte aposta nas entrevistas exclusivas trazendo, sempre que possível, profissionais talentosos, das mais variadas áreas, que merecem a nossa atenção e destaque! Desta vez, o nosso entrevistado é Dário Guerreiro, mais conhecido por Môce dum Cabréste, o conhecido humorista algarvio e youtuber.

Sentes o apoio e o carinho particular das gentes do Algarve para contigo e teu trabalho?

Sinto. E felizmente já não é só com as gentes do Algarve, mas um pouco por todo o país.

Como foi viver a subida do Portimonense à Primeira Divisão?

Foi a segunda vez que vivi uma subida. Confesso que esta não teve tanta emoção à mistura porque, tendo em conta o planeamento e decorrer da época, tornou-se de certa forma previsível. Em 2010, o Portimonense subiu com um dos orçamentos mais baixos da Segunda Liga, sem que nada o fizesse prever e apenas aconteceu na última jornada. Mas esta foi a primeira vez que festejei a vitória de um campeonato e foram momentos muito felizes.

Conta-nos como foi actuar pela primeira vez perante o público de Portimão?

No final de contas, foi positivo. Foi em 2012, nunca tinha feito stand up na vida e ingenuamente não recusei o convite que me foi colocado pelo Teatro Municipal de Portimão. Não sabia o que estava a fazer, toquei umas músicas, disse umas larachas, limitei-me a encher chouriços o melhor que sabia. Não tinha qualquer método e hoje não me revejo naquilo que fiz. Mas o público aparentemente gostou, recebeu-me muito bem e creio que foi essa receptividade que fez com que eu tivesse achado que não tinha sido muito mau. Consequentemente comecei a fazer mais vezes a partir daí.

Relativamente ao sotaque, alguma vez sentiste que foste prejudicado a nível profissional por o usares? Já pensaste que ao utilizares o sotaque algarvio nos teus vídeos e nas tuas performances de stand-up marcas uma diferença, em relação aos demais humoristas?

Não senti grande prejuízo até agora por causa do sotaque. Acredito que em algumas coisas possa ter sido castrador ao início (ainda que eu não tenha dado conta), mas o que inicialmente poderia parecer uma desvantagem (bem como a cidade onde vivo), revelou-se uma vantagem e um factor distintivo dos demais. Se não tivesse este sotaque e vivesse em Lisboa, seria certamente um entre muitos e destacar-me seria eventualmente mais difícil.

Tens algum palco a que consigas chamar de casa? Se sim, qual e porquê?

Honestamente ainda não. Não faço stand up há tempo suficiente para sentir essas diferenças.

Estiveste no São Jorge por duas vezes com o teu espetáculo “LenDário”, ambas as vezes com casa cheia! Qual é o sentimento de atuar num palco como o do São Jorge?

Foram três: duas na sala pequena e uma na sala grande. É sempre gratificante subir a palcos com história, mas o facto de ter sido no São Jorge não alterou o que sinto sempre antes de subir a um palco. Também já estive no Sá da Bandeira e em outros palcos míticos e imponentes e, muito mais do que a história de um palco, o que me põe em sentido é sempre a quantidade de pessoas que pagou para me ver e está sentada à minha espera. O que devo é ao público propriamente dito, não aos palcos.

 

 

Atuar na capital, com casa absolutamente cheia, era um dos teus objetivos pessoais? O que sentiste nesses momentos tão especiais?

Não era um objectivo, era uma consequência do trabalho que ia desenvolvendo e aconteceu de forma natural. Para mim o facto de ser na capital é indiferente. É uma cidade como outra qualquer. Não tenho mais respeito pelo público de Lisboa do que pelo de Coimbra, Porto ou Faro. Todas as cidades merecem o meu melhor.

Dário Guerreiro, conta-nos já conseguiste encontrar um final para a canção de introdução do LenDário?

Ainda não. Vai ficar incompleta para sempre pois sempre foi esse o propósito.

Para quando novidades a nível de Stand-Up? Tens alguma novidade que nos queiras/possas contar?

Não há novidades para já. Os próximos meses destinam-se a escrever material novo e alimentar o meu canal de YouTube e só deverá haver espectáculo novo lá para final de 2018.

Quem são as tuas maiores influências na comédia a nível nacional? E internacional?

A história das influências é sempre subjectiva. Há sempre influências conscientes e inconscientes, muitas vezes somos influenciados por amigos ou familiares sem darmos conta disso. O que me influencia é tudo o que está ao meu redor, a natureza humana. Há comediantes de quem gosto, mas não sei até que ponto me deixo influenciar por eles. E são tantos que não vou mencionar nenhum para que isto não se torne uma lista de recomendações.

Sentes-te mais à vontade no Youtube ou em palco? Porquê?

No YouTube é fácil uma pessoa soltar-se. Isto porque nada é em directo. Gravamos previamente, podemos repetir as vezes que quisermos, só partilhamos o que quisermos. O discurso é mais dinâmico, conciso, objectivo. Em palco não há como voltar atrás e apagar o que se disse, o que nos obriga a pensar duas vezes antes de dizer seja o que for, e essa filtragem pode tornar-nos menos genuínos. Por outro lado, tudo o que é dito em palco é previamente pensado e cada actuação é um ensaio…

Dá-te mais gozo fazer vídeos para o canal principal ou para o segundo canal? Porquê?

Ambos os canais me dão gozo, gozos distintos. A gratificação dos vídeos do canal principal é sempre maior, não só porque chega a mais gente mas porque são sempre vídeos mais complexos, que consomem mais do meu tempo e da minha criatividade. Deposito tantos recursos nesses vídeos que assim que eles saem quero perceber imediatamente o que as pessoas acharam. No segundo canal é fazer vídeos pelo simples prazer de os fazer: falar o que me apetece, sem guiões, sem obrigações de tempo, sem edições… E só ouve quem realmente quer ouvir. Também é gratificante porque as pessoas que lá estão é porque gostam mesmo de mim e de me ouvir falar.

Fazes várias paródias de músicas, e inventas as tuas próprias como a “La La Land para São Valentim”, “Caímos de Pé”, ou as que cantaste no “LenDário”. Já pensaste em apostar num projeto só relacionado com música?

Não faço assim tantas paródias quanto isso. Em média tenho feito duas ou três por ano. As músicas dos meus espectáculos não são paródias: são composições minhas que apenas toco em palco. Apesar disto, estou longe de me considerar um músico. Sou um autodidata. Aprendi a tocar guitarra a ver tutoriais no YouTube e sei apenas fazer os acordes básicos. Se já pensei em fazer um projecto ligado à música? Sim, e talvez isso se concretize um dia, se as condições se proporcionarem. Mas ainda não sei o quê, como ou quando.

Dário Guerreiro, chegaste recentemente aos 150 mil subscritores (meta que merece desde já os nossos sinceros parabéns!). Um número tão elevado coloca maior pressão sobre o teu trabalho, dado que sabes que mais pessoas vão ver, comentar e partilhar o que fazes/dizes?

Por muito que uma pessoa tente desviar-se da pressão, sente-a sempre. É claro que quanto maior for o número de subscritores e pessoas que acompanham, mais cuidado inconsciente uma pessoa tem no trato dos vídeos. Mas por outro lado não posso deixar que esses números desvirtuem o trabalho que tenho feito até aqui. Há que melhorar sempre em termos técnicos (qualidade de vídeo, luz, som, produção, etc.), mas quero sempre que os vídeos tenham um aspecto “caseiro”, acessível. O YouTube distingue-se da televisão também por isso.

Tens algum tipo de preparação antes de gravares os vídeos? Há algum texto que decores antecipadamente, é tudo improvisado ou é um misto dos dois?

O processo de criação dos vídeos normalmente começa com a criação do guião. Cada guião é paragrafado de forma a que eu faça as pausas/cortes onde acho melhor. Quando estou a filmar, leio um parágrafo, decoro-o, digo-o para a câmara até achar que ficou bom e vou repetindo até ter gravado todos os parágrafos. Pouco ou nada é improvisado nos meus vídeos.

O que pensas sobre as novas regras do Youtube e a sua monetização aos youtubers? Chegaste a ponderar migrar para outra(s) rede(s) social(ais)? Se sim, quais?

Não nos podemos esquecer que o YouTube é um negócio e todas as medidas que toma têm por objectivo aumentar esse negócio. Se para continuar a atrair investidores é necessário alterar a política de monetização, é natural que o YouTube avance com essa medida, concordemos ou não. Mas apesar de tudo isto nunca poderei migrar para outra rede social de alojamento de vídeos, não só porque não há ainda nenhuma com tantos visualizadores como o YouTube mas porque nunca usei o YouTube como ganha pão e não sou muito afectado pelas alterações na monetização. Para mim o YouTube sempre foi uma plataforma para exibir o meu trabalho, trabalho esse que é fazer humor. Creio que estas novas regras afectarão mais aqueles que dependem exclusivamente do YouTube.

Actualmente não existe um único pré-adolescente/adolescente que não queira ser Youtuber. Este sentimento de que qualquer um pode ser “the next big thing” é positivo porque todos partem em pé de igualdade ou é algo traiçoeiro pois a “facilidade” que supostamente está inerente não corresponde exatamente à realidade? Qual será, na tua opinião, o futuro do Youtube?

Certamente são mais os adolescentes que não querem ser youtubers do que o contrário. Não é segredo nenhum a precariedade que o pequeno mercado português proporciona a quem faz vídeos em Portugal e não consegue penetrar nos mercados brasileiro e angolano, por exemplo. Para se obter rendimentos suficientes do YouTube em Portugal é necessário ter um grande número de visualizações e fazer vídeos todos os dias. Pessoalmente não conseguiria manter a qualidade que tenho nos meus vídeos se fizesse vídeos todos os dias. Não consigo fazer futurologia em relação a algo tão volátil como o YouTube.

Como te sentiste quando te convidaram para fazer o CC Black Friday, ao lado da Mariana Cabral (também conhecida como Bumba na Fofinha)? Para quem ainda não conhece o CC Black Friday, o que é este teu novo desafio?

Quando me convidaram ainda não estava definido quem seria a co-apresentadora do programa. Felizmente foi a Mariana, que é uma moça bem porreira, engraçada, empenhada e com quem é fácil trabalhar porque estamos sempre na mesma frequência. O CC Black Friday é uma versão temporária do mítico programa da SIC Radical, Curto Circuito, que assume o registo de um talk-show clássico (uma secretária, dois apresentadores, dois convidados) que tem muito humor (escrito por mim e pela Mariana), desafios e jogos com os convidados. Chama-se CC Black Friday porque é emitido todas as sextas-feiras (às 16h50).

 

Ter um programa a solo, como um talk-show ao bom estilo norte-americano, por exemplo, é algo que te verias a fazer um dia? Se sim, achas que passaria na televisão ou que se adequaria mais ao Youtube?

Talvez um dia seja exequível fazer algo desse género, mas apenas na net. Para já, a televisão ainda impõe demasiadas limitações (logísticas e criativas) a programas dessa natureza. Os talk-shows em Portugal não dão audiências suficientes para justificar o investimento, por isso teria que ser sempre algo low budget (como o Maluco Beleza ou o Erro Crasso). Não é um objectivo que tenha, prefiro fazer humor e estar em palco, mas descobri, graças ao CC Black Friday, que é algo que conseguiria fazer relativamente bem se quisesse.

Escreveste um livro, intitulado “Tique Tal”. Para quem ainda não conhece essa tua faceta como descreves essa obra?

Quem não conhece também já não vai a tempo de conhecer. O livro esgotou as duas edições que teve e para já não se prevê que volte a estar à venda. Era um livro de poesia humorística, com ilustrações badalhocas também feitas por mim. Um dos projectos do qual me sinto mais orgulhoso de ter feito, confesso.

Podemos esperar mais obras literárias da tua autoria para breve?

Sim, em princípio sim. Só não sei quando nem em que moldes.

Onde te vês daqui a 10 anos? E onde estará o Portimonense nessa altura?

Com 37. Já com casa própria, espero. Com saúde também. No Algarve e nos palcos por esse país fora. Não muito diferente de como estou hoje em dia. Quanto ao Portimonense, espero que continue na Primeira Liga e com uma Taça de Portugal no museu.

No Ideias e Opiniões somos curiosos por natureza e gostamos de descobrir jovens talentos nas suas áreas de influência. Quem é que nos aconselhas a ir ver assim que esta entrevista acabar, tanto a nível de comédia, como no Youtube?

Em termos de comédia não tenho descoberto assim muita malta nova. Admito que tenho andado pouco atento, nesse espectro. Em termos de YouTube sempre vão surgindo algumas novidades (como os canais do João Sousa, Diogo Batáguas e Rúben Branco).

Nota: Imagens retiradas da página oficial de Facebook, Môce dum Cabréste