Entrevista Exclusiva à La Otra!

O Ideias e Opiniões continua a sua forte aposta em entrevistas e, desta vez voltamos a rumar a Espanha! Porquê? Porque depois de termos entrevistado a bela e talentosa Tori Sparks tivemos agora o prazer de entrevistar (em exclusivo!) a cantora espanhola La Otra! Tudo isto poucos dias antes dela iniciar a sua digressão em Portugal!

Esta entrevista apenas foi possível graças à disponibilidade, à simpatia e ao profissionalismo da Music in My Soul, e da própria La Otra, portanto a eles o nosso Muito Obrigado!

  1. Comecemos pelo princípio: qual era a sua relação com a música durante a infância/adolescência? Que referências musicais tinha nessa altura?

Tive a sorte de poder estudar teoria musical e piano quado era pequena, pelo que acho que isso fez com que se tornasse mais fácil de entender a música como um meio de expressão. Acerca dos meus gostos musicais e influências, são bastante diversos e têm vindo a mudar ao longo do tempo. Durante a adolescência ouvi muito punk e rock “estatal”, depois apaixonei-me pela música jamaicana e comecei a escutar jazz e soul também.

  1. Em que momento é que percebeu que queria mesmo seguir uma carreira no mundo da música? Porque adoptou, e o que significa, o nome “La Otra”?

Decidi dedicar-me profissionalmente à música apenas recentemente, certamente há menos do que aquele que toco. De início levava a música como uma forma de activismo e crescimento pessoal, algo que fazia durante o meu tempo livre.

Quando lançei “Pa’fuera y pa’dentro” em 2015 percebi que, sem me ter proposto a isso, tinha diante de mim a oportunidade de tentar algo mais a sério. Ao mesmo tempo percebi que para a minha própria evolução artística e musical necessitaria de outros meios profissionais (produção, tempo de estúdio e maior acompanhamento instrumental).

O nome “La Otra” ocorreu-me ao lembrar-me de uma passagem da obra “Segundo Sexo”, um clássico da teoria feminista na qual, entre outras coisas, a autora refere que a identidade da mulher se constrói como “o outro” sobre referência do “único” que é o homem. Embora esta obra já não seja a minha principal referência sobre feminismo, interessa-me muito o conceito de alteridade e acho que é muito útil para pensar de forma crítica a partilha do poder e a maneira desigual e hierárquica em que está organizada a sociedade em que vivemos. Chamar-me “La Otra” é uma maneira de repensar o meu lugar no mundo e de empoderar-me.

  1. La Otra qual foi o maior obstáculo que encontrou na fase inicial da sua carreira?

Creio que o meu maior obstáculo foram os meus próprios dilemas acerca de como fazer as coisas de uma forma coerente e sustentável. Não existe um manual que nos ensine como viver da arte sem nos perdermos na tentativa, pelo que estou a inventar o meu caminho.

  1. Recorda-se do seu primeiro concerto? Onde foi e como correu?

O meu primeiro concerto foi dado num centro social onde trabalhava. Funcionávamos como uma assembleia, organizando actividades políticas e culturais. E um dia fizemos uma festa de aniversário e foi aí que toquei. Estava nervosíssima e a resposta do público foi incrível! Foi um dia maravilhoso!

Esta é a capa de “Amanecer Luchando”, o primeiro disco da cantora La Otra!
Esta é a capa de “Amanecer Luchando”, o primeiro disco da cantora La Otra!
  1. Quanto tempo separou o início da sua aposta na música do lançamento do álbum de estreia da La Otra?

A partir desse primeiro concerto foram-me convidando para dar outros e fui tocando mais e mais. Foi então que as pessoas me começaram a pedir para editar um CD e nesse mesmo ano (2011) gravei o “Amanecer Luchando” no estúdio de um amigo. Todo o processo em si só foi possível graças à ajuda de vários amigos.

  1. Do que falam as doze canções de “Amanecer Luchando” (2011)?

O “Amanecer Luchando” fala das minhas origens no activismo, da alegria e entusiasmo do encontro com um ambiente relacionado. Mas fala também das mudanças com que sonho para fazer coisas impossíveis e que, por vezes, na verdade, são possíveis, mas também da tristeza e revolta com este mundo tão injusto.

  1. Um disco tão forte e consistente quanto este apenas estaria verdadeiramente completo com um trabalho gráfico igualmente poderoso? Quem foi o(a) autor(a) deste magnífico trabalho?

O meu amigo Pichón ajudou-me de forma descomprometida com o design. Trabalhámos juntos na ideia e ele fez o resto, tal como disse, de forma descomprometida.

  1. O seu álbum de estreia foi lançado em Novembro de 2011, contudo o tão aguardado segundo disco de originais da La Otra apenas surgiu em Maio de 2015. Este período de quase quatro anos foi importante para promover o seu trabalho ou precisava mesmo era de uma pausa antes de se aventurar na criação, gravação e lançamento de mais um álbum?

Realmente o meu primeiro álbum não teve promoção nenhuma. Coloquei-o na internet e as pessoas escutaram-no. Na altura estava a estudar filosofia, também trabalhava às vezes enquanto instrutora ou dando aulas particulares, e estava envolvida noutros assuntos. Levei quatro anos até gravar novamente simplesmente porque não tive tempo para o fazer mais cedo. Não foi algo a que desse prioridade.

La Otra
La Otra aquando o lançamento do seu mais recente disco: “Pa Fuera Y Pa Dentro”!
  1. Do que nos fala neste “Pa’ Fuera Y Pa’ Dentro” (2015)?

Em “Pa’ Fuera Y Pa’ Dentro” existe uma intuição que atravessa todas as músicas, que já pairava antes, mas que neste álbum é bastante central: a luta, ou a mudança para um mundo melhor, não é apenas externa no sentido em que não atravessa só a esfera da política tradicional, é algo que passa também pelo plano pessoal. O pensamento de que para se mudar o mundo uma pessoa tem que se mudar a si mesma, ouvir e desconstruir o desejo para podermos ter liberdade de escolha. Não sei muito bem como se faz, mas as minhas canções falam desta busca.

  1. Ao longo das catorze faixas que compõem este disco foram cerca de dez os músicos que a acompanharam. Como é que se transpõe um disco com estas características para o palco e para a estrada?

Quando gravei o disco não me podia permitir pagar a mais músicos para que trabalhassem no conjunto do álbum, pelo que pedi a muitas pessoas que participassem em alguma canção específica, gravando de forma descomprometida.

Depois dei um concerto com a banda em Madrid, mas continuei a tocar sozinha porque de momento não tenho meios para ter uma banda comigo em cima do palco. O que tenho feito nos últimos meses é tocar em formato trio, com um guitarrista e uma percussionista, e espero continuar assim ou ter hipótese de começar a ir com banda, se tudo correr bem.

Em 2015 seguiu-se "Pa Fuera Y Pa Dentro", o seu segundo disco de originais!
Em 2015 seguiu-se “Pa Fuera Y Pa Dentro”, o seu segundo disco de originais!
  1. Mais uma vez é impossível não abordar o trabalho gráfico do álbum! Quem foi o(a) autor(a) e que mensagem está por detrás deste misterioso coração que vemos na capa?

O design da capa é uma mescla do trabalho de três pessoas diferentes. Uma amiga minha fez o esboço original. De seguida outra pessoa fez o desenho final. E uma outra fez o desenho gráfico. Eu participei dando a ideia de um coração mecânico. Para mim isso representa a contradição entre as emoções que sentimos e a forma mecânica com que por vezes funcionamos, reproduzindo o que aprendemos, embora nem sempre seja o que queremos.

  1. Este segundo disco apenas se tornou realidade graças ao massivo apoio dos seus fãs à campanha de Crowdfunding que lançou. Porque apostou neste método? Considera voltar a apostar nesta plataforma no futuro?

Escolhi fazer crowdfunding porque me pareceu a forma mais autónoma e acessível de financiar o meu projecto. Gosto particularmente que se trate de um intercâmbio sem intermediários nem interesses alheios aos do próprio artista na hora de orientar o trabalho artístico.

Creio que é uma óptima ferramenta para criar com toda a liberdade possível, ainda que seja também bastante complicado fazer um bom crowdfunding: há que saber comunicar e fazer muito trabalho de divulgação. E sim, vou usá-lo novamente! Planeio fazê-lo no final deste ano para poder gravar o meu próximo disco em 2017!

  1. As suas músicas e letras têm uma mensagem muito forte e marcada. Num mundo recheado de músicas vagas, sem qualquer conteúdo e irritantemente semelhantes e repetitivas, em algum momento teve medo que o público não compreendesse verdadeiramente o que a move e os ideais que defende?

Creio que o que faço enquanto música e aquilo que digo nas letras não é algo à margem da realidade social, sinto que é produto de um movimento colectivo do qual sou um reflexo, ou uma voz. Nesse sentido, e também porque não esperava nem procurava o caminho que se abriu na música, não é uma preocupação que tenha tido presente.

Agora sim, preocupa-me um pouco a recepção que terá o meu próximo trabalho porque vai ser bastante mais pessoal que os anteriores, mas acredito poder conseguir transmitir aquilo que o meu corpo realmente me pede.

  1. Tem um novo projecto, muito recente, de seu nome Pólipo! La Otra, conte-nos tudo sobre esta sua nova aposta!

Pólipo é um projecto poético e musical colectivo para o qual contribuí com um poema. A iniciativa partiu de outro amigo cantautor, Liberando El Corazón (Kike), e ocorreu-lhe a ideia por causa de um pólipo que teve na garganta e que o deixou mais de um ano sem poder cantar.

Vivíamos em comunidade com mais pessoas e descobrimos que compartilhar a criatividade é criar reconhecimento mútuo. Aliás, há uns dias atrás fizemos uma apresentação do álbum e os nossos textos e poemas foram musicados pelo Kike.

Todos os lucros que resultarem deste projecto serão integralmente destinados à luta pelo encerramento dos CIEs (os Centros de Detenção de Imigrantes) e para ajudar os refugiados.

  1. A conturbada actualidade política e social em Espanha serve-lhe de inspiração ou tenta afastar-se das principais polémicas nacionais quando cria novas músicas e/ou letras?

Quando escrevo falo das realidades que se cruzam no meu caminho ou que me afectam. Nesse sentido, é claro que me influencia a realidade social e política do país em que vivo.

  1. Pegando nas duas questões anteriores…como é que se explica o que facto de tempos tão marcados por profundas mudanças políticas terem tão pouca “música de intervenção”?

Não sei muito ao certo o porquê, ainda que diria que não é que não existam canções de intervenção. Sinto que as há, mas não no circuito mainstream. Terá a ver, provavelmente, com os factores que fazem com que um produto cultural seja massivo e considerado boa mercadoria.

La Otra...em palco!
La Otra…em palco!
  1. Nunca, em toda a história da música, os artistas tiveram tantas ferramentas e plataformas para evoluir e crescer e um público tão vasto para quem falar e mostrar o seu trabalho. No entanto, apesar de toda esta aparente liberdade, nunca o mercado e o consumismo mandaram tanto na música como actualmente. La Otra, como se explica isto?

Penso que seja uma das contradições do sistema em que vivemos. O conceito de liberdade entendido a partir do neoliberalismo não é o que entendo por liberdade!

É verdade que no caso da música a internet permite uma certa democratização dos meios de difusão, mas a cultura dominante está cada vez mais homogénea, absorve as vozes transgressoras e utiliza-as para vender. Neutraliza o seu potencial transformador para que nos faça desejar o que ao mercado interessa que desejemos e consumamos. Acho que existe uma linha ténue entre usar o sistema ou deixar que o sistema te use, porém, na prática não me parece muito simples definir essa linha.

  1. A vida de músico é feita de contrastes: da solidão que envolve a criação e a escrita de músicas/letras em casa, ou no estúdio, à apoteose e loucura que pode ser estar em palco em frente a centenas de pessoas, por exemplo. É-lhe fácil gerir os pensamentos, as emoções e as expectativas ou todos estes altos e baixos (e variações de adrenalina) tornam a sua profissão numa autêntica aventura?

Sem dúvida, esta profissão é uma aventura! É uma aprendizagem constante e é uma das razões pelas quais quis fazer da música a minha actividade central. É um trabalho que por um lado me cura e me permite expressar, e que por outro me leva a enfrentar e a explorar alguns dos meus próprios limites. É um presente da vida!

  1. Imagine que encontra uma lâmpada mágica e que essa lâmpada lhe permite pedir um desejo muito particular e que lhe garante que nunca ninguém saberá que a usou. Com um estalar de dedos o génio da música pode fazer com que três músicas (de qualquer cantor/músico do mundo, de qualquer era e de qualquer língua) passem a ser uma criação sua (com todo o prestígio, reconhecimento, lucros e fama que isso traria, claro). Que músicas escolhia e porquê?

Custar-me-ia escolher só três canções! Mas se tivesse mesmo que escolher seriam: “Volver a los 17” de Violeta Parra, porque expressa uma incrível sabedoria vital; “Fille du Vent” de Keny Arkana, porque é uma música da qual nunca me canso e que é escrita a partir de uma paz interior combativa que me fascina; e “Atrevete” de Calle 13, porque é um tema que dá gosto ouvir e dançar.

  1. No Ideias e Opiniões somos curiosos por natureza e amamos boa música por isso tenho de perguntar: na opinião da La Otra que jovens bandas, espanholas ou internacionais, é obrigatório que o Ideias e Opiniões oiça assim que terminar esta entrevista?

Novamente custa-me bastante escolher! Mas entre os projectos que mais gosto contam-se Lady Tsunami, Zoo, Road Ramos e Eva Sierra.

  1. Que músicas, álbuns ou artistas mais têm rodado ultimamente no MP3/Computador/Carro da La Otra?

Keny Arkana, Ana Tijoux, o mais recente álbum de Natalia Lafourcade, Doctor Deseo, Lhasa de Sela, el Kanka, Jack Johnson, Paula Fuga, Lila Downs… só para dizer alguns!

  1. Estamos sensivelmente a meio de 2016 por isso esta é a altura ideal para um balanço musical do ano! Na opinião da La Otra qual é, até agora, o Melhor Álbum Espanhol e o Melhor Álbum Internacional do ano?

Não tenho escutado praticamente nenhum álbum de 2016, confesso. Apenas posso dizer que os álbuns que mais gostei nos últimos anos foram o “Hasta la Raíz” de Natalia Lafourcade e o “Tempestes Venen del Sud” de Zoo.

É assim, em trio, que La Otra se vai apresentar nos palcos portugueses!
É assim, em trio, que La Otra se vai apresentar nos palcos portugueses!
  1. Conhece alguns artistas/bandas portugueses? Se sim, quais? Dada a proximidade linguística e cultural de Espanha e Portugal a La Otra considera a hipótese de colaborar com músicos e/ou cantores portugueses no futuro?

Na verdade não conheço artistas de Portugal, mas caso conhecesse gente de que gostasse, claro que estaria interessada em fazer colaborações!

  1. Vai actuar pela primeira vez em Portugal. Quais as expectativas para os concertos em Coimbra, Braga, Sinta e Lisboa?

Na verdade não é a primeira vez que toco em Portugal. Há alguns anos atrás toquei em Lisboa e no Porto, em espaços auto-geridos. Desta vez espero conseguir disfrutar do encontro com as pessoas e do formato trio em palco, continuando a divulgar o meu trabalho onde quer que vá.

  1. Onde nos podemos manter actualizados sobre a sua carreira?

Tudo o que faço pode ser acompanhado através do meu canal de YouTube (laotralaquelucha), da minha página de facebook (https://www.facebook.com/laotralaquelucha/) e do meu Twitter (https://twitter.com/laotraquelucha).

Esta é a agenda da La Otra em Portugal!

23.06 | The Murphys Irish Pub, Coimbra

24.06 | Convento do Carmo, Braga

25.06 | Brave Soul, Sintra

26.06 | Crew Hassan, Lisboa

Agradecimentos: Music in My Soul e La Otra.