Episódio de urgência ou episódio de Walking Dead?

É certo e sabido que, dentro do meu enorme círculo de amigos (Que, obviamente, são para mais que dois, mas sem nunca ultrapassar o limite de três! O que me leva agora, lamentavelmente, a constatar que não pode ser considerado como um “circulo de amigos”, mas sim, uma pequena “meia-lua” de amigos…), eu sou uma pequena flor de estufa. Ou melhor: sou uma rara peça de porcelana. Basta colocarem-me um carimbo da Valadares, eu colocar-me de cócoras, e estou pronto para servir de lavatório ou mesmo uma sanita. Passo a vida com mazelas físicas – sem contar com as psicológicas, que acho serem bastante evidentes ao ler-se um texto escrito por mim.

Na semana passada, voltei a ficar lesionado. Desta vez, uma lesão muscular ao nível do gémeo da perna direita, que me deixou privado dessa mesma perna. Calma, a perna não foi amputada, mas fiquei coxo. Ou manco, é como preferirem. E se há coisa mais triste nesta vida, é o facto de se ficar manco. Porque, fazemos os possíveis e os impossíveis para parecermos pessoas normais, mas é inevitável que as palavras “deixa que eu chuto, deixa que eu chuto”, nos invada o consciente, deixando-nos ainda mais mancos. Ou coxos, é como preferirem.

Lá tive de deslocar-me até ao hospital para que a minha situação fosse, de alguma forma, remediada ou atenuada, visto que estava com imensas dores ao nível do músculo da perna, mesmo quando não colocava a perna no chão – o que é estúpido: se me doía o músculo da perna, porque raio colocava eu a perna no chão, aumentando assim, consideravelmente e estupidamente, o meu sofrimento? Vai-se lá saber: quando estamos aleijados, temos a profunda tendência para tornarmo-nos ainda mais aleijados, infligindo-nos ainda mais dor, de uma forma totalmente absurda. Mas, eu sou assim quando me encontro lesionado: uma besta sadomasoquista e manca!

Cheguei ao hospital por volta das 23 horas e 45 minutos. Obviamente, seguindo o modelo de Triagem de Manchester, lá fui chamado para expor o meu caso clinico à enfermeira de serviço. Normalmente, o truque passa por fazermo-nos ainda mais doentes do que estamos, para que a enfermeira tenha piedade do nosso sofrimento e nos coloque uma pulseira laranja ou vermelha, correspondendo assim, a um grau de urgência maior e, por conseguinte, um tempo de espera de atendimento mais reduzido. Acho que só me faltou chorar que nem um bebé com fortes cólicas, perante a enfermeira da Triagem. Resultado: o raça da enfermeira, colocou-me uma pulseira verde, demonstrando-se uma pessoa fria e completamente imune a choros de bebés com cólicas. Eu é que não gostava de ser seu filho… Resignado, lá regressei à sala de espera, aguardando que o meu nome entoasse pelo altifalante. As horas foram-se passando, e cada vez mais aquele cenário dantesco das urgências do hospital se iam parecendo com um episódio da célebre série de zombies, Walking Dead. Não, meu amigos, eu não estava a sonhar. Não, meus amigos, eu não estava a delirar com dores. Todos os funcionários do hospital pareciam autênticos zombies, quando efectuavam as suas tarefas hospitalares. Até um dos auxiliares do hospital transportava uma arrastadeira escatologicamente armadilhada por um doente acamado, de uma forma lenta, como que sentisse algum prazer em inalar o odor que emanava daquela arrastadeira. E foi aqui que comecei a ficar com algum receio de ouvir o meu nome a entoar no altifalante: era sinal de que teria de entrar naquela zona especifica do hospital, onde todos me pareciam autênticos zombies famintos.

E lá chegou o momento em que ouvi o meu nome e comecei a suar consideravelmente, não das dores, mas do receio de ir ao encontro do médico, e ser mordido por um dos funcionários do hospital, que se arrastavam pelos corredores do hospital assustadoramente. Passei incólume pela multidão faminta e, quando estava praticamente à porta do gabinete do médico, ocorre-me que o médico também poderia ser um zombie faminto e que, à mínima distracção minha, ele aproveitasse para me dar uma ou duas dentaditas. Respirei fundo, enchi-me de coragem e lá entrei. O doutor parecia, indubitavelmente, um perfeito zombie. Articulava vagarosamente, gesticulava demoradamente, e eu estático e em posição de defesa esperando um ataque violento. O doutor manda-me fazer um raio-x à perna, para ver o que se passava – certamente, para saber que zona da minha perna tinha mais chichinha da boa, para mais tarde atacar ferozmente essa parte. Dez minutos mais tarde, já com o raio-x efectuado, regressei ao gabinete do doutor, mas ele não se encontrava lá – ninguém sabia dele! Certamente, terá encontrado uma outra vítima com melhor qualidade de carne do que eu, e decidiu saciar-se fazendo um pequeno banquete.

Impaciente e cheio de dores, esperei por ser chamado por outro médico que, passado uma hora, lá se lembrou que eu existia e que não passava realmente de uma visão, ou vulto. Receitou-me uns medicamentos e desejou-me as melhoras, ao mesmo tempo que sorria para mim de uma forma bastante sinistra e dúbia. A partir daí, lembro-me apenas de acordar em casa, por volta das 11 horas da manhã. Não me lembro de mais nada, nem como fui parar à minha cama. A primeira reacção foi procurar por marcas de dentadas no meu corpo. E encontrei! Ui, se encontrei! Mas não eram marcas de dentadas, mas sim, de picadas de melgas. E se há coisa que eu odeio são picadas de melgas! Se é para ser picado ou mordido, que seja logo uma coisa em grande – uma picada de escorpião ou uma dentada de um crocodilo. Agora melgas? Pfff… Isso é para meninos…

A partir desse dia, nunca mais consegui dormir descansado, guardando sempre uma faca de cozinha debaixo da almofada. Nunca se sabe quando começará a minha transformação…

Até para a semana, malta catita… e livrem-se de idas a hospitais públicos durante a madrugada…