Era uma vez no cinema: Creed

              Quando se fazem listas das personagens mais famosas e emblemáticas da história do cinema, há um nome que está sempre presente, o de Rocky Balboa. Com uma legião de fãs enorme, o mítico pugilista já vai com participações em setes filmes, num legado que começou em 1976, quando estreou “Rocky” pelas mãos de John G. Avildsen. O sucesso de “Rocky” foi global e embora a forte concorrência de “Taxi Driver” de Martin Scorcese, o filme acabou por vencer três óscares, arrebatando duas das principais categorias, o Óscar de Melhor Filme e Melhor Realizador. O sucesso do filme levou a uma previsível sequela que apesar de ser uma boa continuação, não está ao nível do original. Seguiram-se mais três filmes e é caso para se dizer que cada um pior que o outro, valendo apenas pela mística do Rocky de Stallone. Dezasseis anos após o quinto filme, quando se pensava que nunca mais veríamos Rocky nos grandes ecrãs, surgiu “Rocky Balboa” com Sylvester Stallone como protagonista, realizador e argumentista da obra. Ao contrário do que se previa, “Rocky Balboa” foi um sucesso tanto no público como na crítica, muito devido ao seu efeito nostálgico e ao facto de trazer de volta o espírito dos dois primeiros filmes. Mais importante de tudo, “Rocky Balboa” mostrou que Rocky ainda tinha muito para dar no cinema. Felizmente, Ryan Coogler também entendeu isso!

               Ryan Coogler, realizador de apenas vinte e nove anos, já tinha feito um trabalho muito interessante no seu filme de estreia, “Fruitvale Station”, e em “Creed” mostrou que é de facto um nome a ter em conta no futuro. O jovem realizador tem um enorme mérito em “Creed”, pois percebeu exactamente aquilo que os fãs queriam, entregando um filme cheio de alma e com a essência que imortalizou Rocky Balboa.

           “Creed” apresenta-nos Adonis Johnson, filho ilegítimo do já falecido Apollo Creed, que ambiciona ter uma carreira promissora no pugilismo. Adoptado pela viúva de Apollo, Mary Anne Creed, que tenta a todo o custo demover Adonis da ideia de se tornar um pugilista, algo que “obriga” o jovem a mudar-se para Philadelphia.  É aqui que entra Rocky, já aposentado da sua vida como pugilista, o veterano leva uma vida pacata, vivendo sobretudo de um restaurante que possui. Mal chega à cidade, Adonis procura Rocky de forma a convencê-lo a treiná-lo e é a partir daqui que toda a história se desenrola.

            Efectivamente, a história de “Creed” não é nova, é a típica história de ascensão e superação já tantas vezes contada no cinema. Contudo, Ryan Coogler consegue distanciar “Creed” de outras obras dentro do mesmo género, pois oferece-nos um filme coeso, cheio de alma e carregado com uma forte corrente nostálgica. Este efeito é algo sempre bem presente nos filmes em torno de Rocky, tendo uma vertente mais forte nos dois últimos filmes, algo natural devido à evolução da personagem e ao seu natural envelhecimento. Resta dizer, que tanto em “Rocky Balboa” como em “Creed”, a nostalgia funciona de forma perfeita. A química entre os dois protagonistas é outro dos factores chave do sucesso de “Creed”. Sylvester Stallone e Michael B. Jordan demonstram uma sintonia incrível em tela, ajudando a que seja criado um ambiente ainda mais fidedigno da relação familiar e de entreajuda entre os dois. Como em qualquer bom filme que envolve desportos de combate, “Creed” consegue obter momentos realmente interessantes e cativantes durante as lutas, de onde advêm um grande mérito da câmara de Ryan Coogler. Os temas centrais, o envelhecimento e o legado, são trabalhados com sabedoria e astúcia, sendo curioso verificar que não é só Adonis que busca pela sua própria identidade em “Creed”, existe também um jovem realizador e actor, Ryan Coogler e Michael B. Jordan, que estão à procura de construir o seu próprio legado no mundo do cinema. Para além disso ver Rocky enfrentar os problemas relacionados com o seu envelhecimento, os verdadeiros oponentes no ringue que é a vida, é das coisas mais belas que vi este ano. Se há algo que podemos apontar a “Creed” é a sua previsibilidade, uma vez que a trama nunca foge do desenrolar normal e usual neste tipo de filmes, ainda que numa obra que nos toca tanto no coração como “Creed”, isso seja praticamente irrelevante.

               “Creed” conta ainda com um duo de protagonistas muito inspirados. Michael B. Jordan, que já havia participado este ano no fracassado reboot de “Fantastic Four”, consegue surpreender ao criar um Adonis interessante. Eu referi o termo surpreendente porque num filme onde Rocky está presente é muito complicado criar um protagonista cativante e apelativo. Adonis consegue fugir da sombra de Balboa e criar a sua própria imagem, algo que se deve a um extraordinário trabalho do jovem actor e de toda a produção. Depois temos Sylvester Stallone. Um actor que embora não seja muito talentoso, me dá imenso prazer de ver nos grandes ecrãs. Stallone interpreta o “seu” Rocky com uma paixão, com tanto coração, que é impossível conter as emoções a cada discurso ou lição de vida do “Garanhão Italiano”. O veterano actor já venceu o Globo de Ouro de Melhor Actor Secundário e é um dos mais cotados para levar a estatueta dourada dessa categoria (que vai ser uma das mais renhidas) no próximo dia 28 de Fevereiro. Admito que as performances de Christian Bale em “The Big Short” e de Tom Hardy em “The Revenant”, sejam do ponto de vista da qualidade de interpretação superiores à de Stallone, todavia creio que uma hipotética vitória do actor de sessenta e nove anos nos Óscares 2016 seria um justíssimo prémio de carreira para alguém que já deu tanto ao cinema.

               Tão marcante e apaixonante, “Creed” emociona até o coração mais duro. Acredito que para quem não é fã da personagem, o filme não tenha o mesmo significado, mas eu confesso que foi a obra que mais me apelou às emoções no último ano. Para mim, é a surpresa mais agradável deste ano cinematográfico. Passados mais de trinta anos do primeiro filme, Rocky continua a emocionar e a arrastar com ele multidões, o que demonstra o poder que a personagem ainda tem na 7ª arte. A boa notícia é que “Creed 2” chegará aos cinemas em 2017, já a má notícia é que ainda faltam cerca dois anos para voltar a ver Sylvester Stallone na pele de Rocky Balboa.