Era uma vez no cinema: Sully

  Quem conhece minimamente o trajecto cinematográfico de Clint Eastwood sabe que este adora retratar acontecimentos/personalidades heroicas ligadas à história do povo norte-americano. Desde o mais antigo “Bird” aos mais recentes “J.Edgar” e “American Sniper”, Eastwood enaltece feitos relacionados com americanos sempre que pode. “Sully” é o mais recente tributo do realizador à sua querida nação.

       Todos nós estamos recordados do dia 19 de Janeiro de 2009, em que todos os noticiários destacavam o acidente (ou aterragem forçada como gosta de referir o capitão Sullenberger) de um Airbus A320 em pleno Rio Hudson. As zero vítimas mortais fizeram deste acontecimento aquilo a que muitos apelidam um verdadeiro milagre, do qual os grandes responsáveis dão pelo nome de Chesley “Sully” Sullenberger e Jeff Skiles.

       Baseado na autobiografia “Highest Duty” da autoria de Chesley Sullenberger e do jornalista Jeffrey Zaslow, Eastwood cria uma obra que é sobretudo limitada pela sua história. Não há dúvidas quanto à espetacularidade e simbolismo do que se passou naquela tarde gelada em Nova Iorque, mas haveria material suficiente para se construir o enredo de um filme? Na minha opinião, não. Uma das provas disso é a curta duração (apenas 93 minutos e bem “esticados”) quando comparado com a grande maioria das obras realizadas por Eastwood. O veterano realizador está numa fase da carreira em que não tem nada a provar  e por isso, pode dar-se ao luxo de filmar unicamente o que quer, sem preocupações sobre as reações do público/crítica e dos próprios resultados financeiros do filme. Creio que Clint olhou para o que se sucedeu no Rio Hudson e pensou “Wow! Isto é incrível! Vou fazer um filme disto independentemente de tudo o resto!”. Este é um luxo que muito poucos conseguem alcançar numa carreira ligada ao cinema. Tudo isto demonstra o cunho muito pessoal de Eastwood neste filme.

       Embora existam as limitações narrativas que especifiquei anteriormente, também há muitos pontos positivos ligados a “Sully”. A primeira coisa a realçar é a qualidade habitual da realização de Clint Eastwood. A experiência e mestria do realizador são bem patentes na forma como ele conduz “Sully”. Com uma direção bastante ágil, o realizador fixa um ritmo interessante numa trama em que isso não era fácil. Digo isto devido às restrições de enredo e ao facto de se tratar de um evento bastante recente, em que os pormenores continuam bem presentes na memória de quem assiste. Torna-se bem mais fácil prender o público quando se relata um acontecimento mais antigo, onde grande parte das envolvências são desconhecidas ou simplesmente esquecidas pelo público.

       O realizador também gere muito bem o velho tema do homem vs máquina. Quando as investigações sobre o ocorrido começam, os dois protagonistas são confrontados devido à opção que tomaram. A questão era se haveria ou não tempo para aterrar o Airbus A320 em segurança num aeroporto? Segundo simulações computacionais, durante os cerca de três minutos de intervalo entre o embate com um bando de gansos e a queda no Rio Hudson, era possível aterrar o avião num local adequado. Não é preciso ser muito perspicaz para entender que o factor humano é impossível de ser qualificado em qualquer tipo de simulação feita num computador, por isso é incompreensível julgar dois homens que em poucos segundos se viram forçados a tomar decisões numa situação extrema tendo como base uma experiência computacional. Para quem acompanha o trajecto pessoal e profissional de Clint Eastwood, entende o gosto que lhe dá trazer para o grande ecrã um história em que o homem prevalece sobre a automatização e mecanização crescentes na nossa sociedade.

       O ponto alto de “Sully” é definitivamente a fantástica interpretação de Tom Hanks. Incrível como o actor adopta tiques, expressões e movimentações do capitão Sullenberger. Vamos ver como será a época de prémios para o actor, que até agora regista uma das melhores actuações do ano. Era injusto não mencionar também o belíssimo trabalho de Aaron Eckhart como Jeff Skiles.

       “Sully” é um filme bem dirigido, com qualidade e um alto nível no campo da representação, mas é impedido de voar mais alto devido ao pouco que havia por explorar neste fantástico relato de sobrevivência. Depois de tantos projectos relacionados com os atentados de 11 de Setembro de 2001, era necessário um que relate, como é dito no filme, uma história ligada a aviões com um final feliz em Nova Iorque. Clint Eastwood fez isso (da melhor forma possível)!

6.5/10