Left to right: Steve Carell plays Mark Baum and Ryan Gosling plays Jared Vennett in The Big Short from Paramount Pictures and Regency Enterprises

Era uma vez no cinema: The Big Short

          A crise financeira com que o mundo se deparou em 2008 é um dos acontecimentos mais marcantes do século XXI, por isso, naturalmente, o número de filmes sobre o tema vão aumentando ao longo dos anos. Como exemplo disso encontramos o mais sério e óptimo “Margin Call” e o excelente e descontraído “The Wolf of Wall Street”, embora este último não aborde a crise económica de 2008, mas aponta as armas igualmente para os excessos derivados do capitalismo. Nota-se que há em “The Big Short” uma grande influência do último filme de Martin Scorcese, mas na minha opinião, o filme de Adam McKay é mais uma mistura muito bem conseguida das duas obras que referi anteriormente.

             Depois de uma carreira dedicada somente aos filmes de comédia, o realizador Adam McKay estreia-se com este novo projecto num tipo de cinema mais sério, ainda que a vertente cómica esteja bem presente em “The Big Short”. Neste caso, alguma semelhança com um dos actores que protagoniza a obra, Steve Carell, que nos últimos anos decidiu dar um novo rumo à sua carreira, afastando-se um pouco das comédias típicas de “Hollywood” que outrora estrelava.

            Baseado em factos verídicos, a trama acompanha três histórias, em simultâneo, de pessoas que lucraram ao anteciparem o colapso imobiliário que desencadeou a grave crise financeira de 2008. Nos dias de hoje, citando a personagem de Ryan Gosling, todos sabem e ao mesmo tempo não sabem o que deu origem ao colapso da economia. Muito resumidamente, foram concedidos múltiplos empréstimos imobiliários a pessoas que não tinham estrutura financeira para os receber, algo que levou a uma taxa de incumprimento gigantesca e à consequente falência de alguns dos maiores bancos norte-americanos. A previsão desta falha no mercado imobiliário leva-nos até às três histórias que compõem o enredo: 1) A de Michael Bury (Christian Bale), o investidor que descobriu a “bolha” no mercado imobiliário; 2) A de Mark Baum (Steve Carell) e o seu grupo que investem contra o mercado imobiliário após o conselho do banqueiro Jared Vennett (Ryan Gosling); 3) E por fim, a de dois jovens (Finn Wittrock e John Magaro) que com o auxílio de um reformado do sector financeiro (Brad Pitt) também investem “contra a economia americana”.

           Um dos grandes obstáculos que este tipo de filmes enfrenta é o desconhecimento de boa parte do público dos termos financeiros usados. Em “The Big Short”, há o cuidado de simplificar ao máximo a linguagem técnica utilizada, usando por vezes algumas celebridades para explicar o significado de qualquer termo específico, como é o caso da sensual Margot Robbie a esclarecer do que se trata os subprimes numa banheira de espuma acompanhada por um copo de champanhe. A forma como Adam Mckay consegue impor um teor extremamente descontraído e cómico ao retratar um situação de contornos trágicos e sublime, conseguindo proporcionar ao público algumas das melhores cenas de comédia do ano. Existe ainda o cuidado para que os protagonistas não sejam vistos como uma espécie de heróis de Wall Street, pelo contrário, são apenas pessoas que ao anteciparem uma oportunidade de negócio,  decidiram lucrar com ela. Mais que tudo, as personagens são movidas por ambições pessoais, sem apresentarem grandes preocupações quanto aos efeitos negativos que uma crise no mercado mobiliário traria para as pessoas, salvo a personagem de Ben Rickert (Brad Pitt), que a certa altura do filme perante o entusiasmo excessivo dos dois jovens na iminência de lucrarem milhões com o colapso da economia, relembra a estes todas as repercussões que esse desfecho trará para os cidadãos. O facto de o filme estar praticamente separado por três histórias distintas, fez com que por vezes sentisse uma falta de conexão na estrutura da narrativa, que de facto está recheada de óptimos momentos, mas que parecem em alguns casos fazerem parte de filmes distintos. Se é verdade que existem personagens absolutamente deliciosas, também é verdade que há outras completamente desinteressantes, como as interpretadas por Finn Wittrock e John Magaro. A história que acompanha os dois jovens investidores nunca consegue alcançar o patamar de qualidade das outras duas, tornando esta parte sempre mais enfadonha para o público. A questão mais moralista e dramática que ocorre perto do final do filme, não deixa de ser um tanto ou nada deslocada daquilo que foi o restante filme, todavia, nada que manchasse o saldo final.

             Como qualquer grande filme, este tem como pilares um leque de actores do mais alto nível. Steve Carell, um dos melhores actores de comédia da actualidade, brinda-nos como mais uma óptima performance, que só confirma o seu bom momento após a nomeação aos Óscares do ano passado. Ryan Gosling, que fez uma pequena pausa na sua carreira, volta ao activo em grande nível ao interpretar o excêntrico Jared Vennett. Brad Pitt, embora a sua personagem não seja muito relevante, acrescenta o seu toque de classe à obra. No entanto, o grande destaque vai para a actuação de Christian Bale. Existe um lote de grandes actores no activo, mas há cinco ou seis actores que estão um degrau acima dos outros. Christian Bale é um deles! Excelente interpretação do actor norte-americano que já lhe garantiu uma nomeação ao Óscar de Melhor Actor Secundário.

              Embora ache “The Martian” um bom filme, parece-me que o Globo de Ouro de Melhor Filme de Comédia/Musical assentaria melhor neste novo projecto de Adam McKay, que é sem sombra de dúvida um dos melhores filmes deste ano. As suas cinco nomeações aos Óscares, entre elas, algumas das categorias mais importantes, como é o caso de Melhor Filme e Melhor Realizador, são um prémio justíssimo para este “The Big Short”.