Eras capaz de matar o teu filho?

“As mulheres são, mais de duas vezes e meia, mais propensas do que os homens a sofrer de depressão, a maioria dos casos ocorre durante o período reprodutivo, entre os 16 e os 42 anos.” 

Susana, 37 anos, atirou-se ao rio na ultima Sexta-feira, de manhã, com o filho de seis anos ao colo. Ela foi salva por um pescador, a criança não. A mãe está internada numa ala psiquiátrica, no Hospital de Braga, provavelmente será constituída arguida por homicídio qualificado, numa pena que pode ir até aos 25 anos de prisão. Susana tem mais um filho, de 19 meses.

Leitores, já alguma vez sofreram de depressão? Já alguma vez acordaram com a sensação de que nada vale a pena? Já alguma vez passou pela vossa cabeça que seria bem melhor não viverem mais neste mundo? Já alguma vez olharam para os vossos filhos e pensaram: se eu for tu vais comigo, porque ninguém neste mundo consegue cuidar de ti como eu consigo. Não? Nunca tiveram estes pensamentos? Nunca tiveram sentimentos depressivos? Então o leitor não é uma pessoa, é um robô.

Este caso já é o terceiro em Portugal, este ano, não vale a pena estar a esmiuçar estes casos, nem a levantar questões éticas, morais e religiosas, nem a presumir motivações passionais, como ciume e vingança por o marido ter uma amante, poupem-me por favor, os homens é que matam as mulheres e os filhos por esses motivos, as mulheres não, a mulher mata por amor, por protecção e por distúrbios depressivos, são parâmetros completamente diferentes.

O que importa saber agora é o que antecedeu a esta tragédia e como ela podia ter sido facilmente evitada, e é exactamente esta parte que me choca. A mãe já tinha tentado o suicídio há uma semana atrás, a amiga que trabalhava com ela soube mas nada fez, inclusive, a mãe enviou-lhe uma mensagem de despedida e ela não tomou nenhuma atitude. Os populares que evitaram o suicido da primeira vez nada fizeram após o sucedido, cidadania onde andas? A sogra sabia que a nora tinha, quatro dias antes, começado a tomar a medicação para a depressão, mas que desistiu logo, ora aqui está um sintoma de rejeição que não deve ser descurado. E o marido, não percebeu que Susana não estava bem? Que precisava de ajuda? Que as crianças estavam em perigo? Onde está o núcleo familiar que ajuda, apoia, compreende e protege quando uma mãe não está bem? Afinal ela não escondeu a depressão, ela foi ao medico, ia começar a medicação, a amiga sabia, a família também, os populares idem aspas. Sabem qual é o problema leitores, sabem qual é o problema que tanta raiva e magoa me causa? Somos mulheres, e é suposto as mulheres serem super heroínas dum conto de fadas chamado vida real, muitas vezes horrível e difícil. É suposto sermos super-mulheres mas não somos, nem nunca seremos e depois as merdas acontecem. Mesmo que a mulher assuma que não está bem, que o que ela tem é grave e deve ser tratado urgentemente, os serviços de saúde e administrativos demoram imenso tempo, marcar consulta, depois o medica falta, tem de ser enviado um relatório para a psicóloga, consulta para psicologia só tem vaga daqui a dois a meses, consulta no hospital só daqui a seis meses, a medica de família prescreve um medicamente leve só para ajudar a dormir e a descansar, que não faz efeito nenhum porque a culpa é gigante, os dias vão passando, a apatia é cada vez maior, a sensação de que ninguém precisa de nós maior ainda, o medo de que nos tirem os filhos sobrepõem-se à vontade de admitirmos a doença, os dias vão passando mais lentos que o normal, passar a linha da loucura é mais fácil do que julgamos, regressar à normalidade é um caminho tenebroso.

Lembro-me de, não poucas vezes, me ajoelhar na cama dos meus filhos enquanto eles dormiam, e chorar compulsivamente, tão nervosa que me faltava o ar, as lágrimas corriam pelo meu rosto sem cessar, uma culpa enorme, aparentemente não me faltava nada, tinha emprego, um casamento, uma casa, comida, roupa para vestir, zero problemas de saúde, mas faltava-me tudo…as pessoas são diferentes, não reagem da mesma forma aos acontecimentos da vida, há pessoas mais fortes, existem pessoas menos fortes, mas todas nós temos a capacidade de superação. Por vezes, basta olharmos nos olhos daquela mãe e vemos que alguma coisa estranha se passa, uma conversa sincera, umas palavras doces, uns carinhos, dar umas risadas, sair, curtir um filme, um concerto, não ignorar uma lágrima nem a tristeza no olhar e nas palavras, sentirmos-nos amadas e fundamentais na vida de quem está à nossa volta é a cura, mas melhor que a cura é a prevenção, porque as pessoas foram feitas para as pessoas e não para as coisas.

“Nunca despreze as pessoas deprimidas. A depressão é o último estágio da dor humana.”

Augusto Cury