Erasmus – O Sonho Europeu – Viriato Queiroga

Caro leitor,

Venho, neste artigo, quebrar uma regra que impus a mim mesmo quando aceitei o desafio de escrever para o honorável “Mais Opinião”: decidi que não iria escrever acerca de temáticas com um cunho pessoal eminentemente dependente da minha emocionalidade. Todavia, dado o significado que este tema tem para mim e para a cidadania europeia, bem como as datas que passaram, não poderia deixar de o fazer.

Como adivinha, e bem, também eu faço parte desse contingente (cada vez maior) de estudantes que puderam experienciar o fenómeno que é o Programa de intercâmbio Erasmus. Fez, no passado dia 23, um ano. Um ano que larguei a minha família, amigos, relacionamentos, universidade, colegas e trabalho, para perseguir um sonho, perseguindo-o rumo às tormentas, como que moderno Navegador em busca de um qualquer caminho, ainda desconhecido, para a minha Índia. Havia um sonho inerente ao fascínio por aquilo que é novo e extraordinário: as cidades e o seu rebuliço, os campos e a sua calmia, as novas pessoas e as suas respetivas diferenças e, curiosamente, espantosas similaridades. Há que ter em conta a espetacularidade das implicações que uma viagem, nominalmente, uma emigração de curto prazo, com uma quase completa desproteção ao ambiente que é o Mundo que rodeia todos nós, tem sobre a personalidade do indivíduo.

No meu caso particular, a Alemanha, a Universidade de Mannheim, foi o destino escolhido. Novas pessoas, extraordinárias amizades, disciplinas de estudo únicas, complexos conhecimentos que foram enraizados no meu cérebro praticamente desde que pousei em Frankfurt, até hoje. E, provavelmente, todo o meu futuro.

Sim, este é mais um cliché que eu, enquanto autor, tenho que propalar: não existem suficientes palavras para exprimir tal experiência (ou, pelo menos, não tenho suficiente arte para tal). Porém, os clichés existem por alguma razão: estes são transversais ao universo humano literário precisamente porque resultam.

Abordemos agora esta experiência de acordo com a seguinte perspetiva: a importância social e cultural do programa Erasmus. A implementação do programa, em 1987, implicou um enorme passo rumo à cidadania europeia, a educação, comprovadamente, altera o modo de vida dos indivíduos, porém, mais do que educação no sentido do reminescentemente tradicional relacionamento professor-aluno, necessitamos de atentar num tipo de educação mais interessante para a União Europeia. A educação para o respeito e a tolerância da diferença.

Os estudantes Erasmus, e aqueles que com eles contatam, constituem uma interessante variação no que à comum população estudantil diz respeito: habituados a lidar com os problemas burocráticos típicos da vida diária de quem habita sozinho uma casa e simultaneamente vive em comunidade, enfrentando, ainda, questões das mais diversas naturezas emocionais (esse tão típico e português conceito de saudade…), a gestão dos seus horários, a adaptação a costumes locais, a visita cultural e histórica, e muito mais, tornam estes estudantes uma excelente preleção intelectual e cultural para aquilo que será tido como sendo a cidadania europeia.

Como se constrói a cidadania? Por muito dúbia e complexa que a questão seja, esta tem um ponto-chave: a educação tem um forte impacto, e não falamos das simples aulas, mas de todo o mundo constituinte do fator “Erasmus/Intercâmbio”. A União Europeia, nascida de um forte desejo anti-guerra, da vontade da coexistência entre povos, funciona como um organismo com um sistema imunitário ativo, tentando prevenir a sua própria destruição, cria uma nova geração de cidadãos que valorizam o conceito de “ser europeu” tanto como as suas identidades nacionais (por vezes mais), um pouco à imagem de Sócrates: Não sou Grego nem Ateniense, mas um cidadão do Mundo. Assim, o União Europeia intentou perpetuar-se na existência macrossocial. Estas pessoas que, há 20 anos atrás, viajaram em busca de um rumo no ensino e nas suas carreiras, ganharam muito mais do que esperavam, uma nova vivência, uma forma de ver o Mundo muito mais lata do que aquilo que algum dia havia sido alcançado. O sonho de Alexandre, o Grande, a união social dos povos, livre da violência conquistadora, mais de 2000 anos depois, havia começado.

Este foi, talvez (e na humilde e constrangida opinião deste autor), o começo de toda uma nova forma de pensar, ver e, essencialmente, viver, a Europa e o Mundo.

Do que depende o poder? Da crença de onde reside o Poder. Se essa crença for necessariamente delineada em conformidade com valores de tolerância e aceitação da diferença, então, o poder residirá nas pessoas capazes de encarar os seus pares de uma forma aberta e tolerante. Em última análise, a construção do tecido social da União Europeia é cada vez mais possível, muito devido às experiências de intercâmbio escolares (que mais tarde também deram origem a outros programas, com efeito em toda a vida cidadã). Assim ficará a análise social de hoje, aguardando ansiosamente o desenrolar da política europeia e das suas prioridades.

Enquanto isto, uma lágrima escorrega por entre a metafórica face de Alexandre Magno.

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