Escola Secundária de Rio Tinto. A minha!

Há dias passei pela minha Escola. A Secundária de Rio Tinto. Espreitei. E não vi nada.

Há quinze anos, tinha dezoito. E sonhos que nunca mais acabavam. Há quinze anos saí da Escola. Ou de casa. É igual.

Em Rio Tinto, a Escola era grande. Éramos muitos. Mais que as mães. Havia turmas até ao xis. E caras até ao infinito.

Sou saudade. Da boa. Da que não magoa. Olho para trás todos os dias. Não para ficar lá. Mas porque faz bem.

Espreitei muito. Mas nada!

Descobri que aquela já não era a minha Escola. Nem a dos meus amigos. A nossa Escola vive. Não morreu. Está é num sítio diferente. Muito fácil de lá chegar. É só fechar os olhos. E esperar que cresça um sorriso. É aí que ela está. No sítio onde nos cresce um sorriso.

Lembro-me de tudo. E de todos. Com a cara que tínhamos. Com o coração que tínhamos. Com as mãos que tínhamos. Fininhas. Gordinhas. Assim-assim. Mãos que agarravam a vida. E não a deixavam fugir.

A minha Escola não preparava ninguém para o futuro. O tanas é que preparava! O futuro é sempre muito longe. Falta sempre muito para lá chegar. Às vezes nem chega.
A minha Escola mostrava. Dizia, baixinho, que a vida podia ser assim. Com gente a falar com gente. Com gente a rir. Com gente a chorar. Com gente a amar. Com gente a desamar. A vida estava toda ali. Naqueles cinco continentes que iam do Pavilhão A ao campo de jogos.

Tínhamos um aquário nos olhos. E um avião nas pernas. Sonhávamos com o mundo. Com o Corcovado e com o Pão de Açúcar. Mas o mundo estava ali. E era logo o Evereste. O topo.

Tenho saudades. Das boas. Dos Ricardos Miguéis e das Cátias Alexandras. Da poesia nos bancos. Toninho ama Felismina  para sempre. O sempre era de fim de Janeiro até meados de Fevereiro. Mas isso não importava.
Tenho saudades das finais do campeonato do mundo no pavilhão. O Cigano era o Maradona. Fintava meia China dentro de uma cabine telefónica. E ninguém lhe tirava a bola.
Lembro-me das eleições para a Associação de Estudantes. Com voz de trovão e barba à Guevara, prometíamos mudar o mundo. Éramos comandantes do nosso caminho. Queríamos tomar a Bastilha. Inventar um Maio de 68. Não sabíamos bem como. Mas isso não interessava. O importante era a curta-metragem que se passava nos nossos olhos. A Revolução era aquilo. A vontade de viver. Enquanto levantávamos os braços e gritávamos pela Terra da Fraternidade.
No fim, perdemos. Mas ganhámos.

Tenho saudades dos meus amigos. Dos que tinha. Que eram a Escola. Que eram casa. Na minha História, estão cá todos. Uns ficaram no século quinze. Outros no treze. Outros na data da minha fundação. Mas é gente que caminhou pelas ruas do país que sou. E as deixou mais bonitas.

Temos saudades da Escola porque temos saudades de gente. Aliás, só se tem saudades de gente. Os sítios, sem gente, são pedra. E pó. Só.

Fui feliz na minha Escola. Muito.

Conheci o Professor Carlos. O melhor do mundo. Portista doente e director de turma. Numa quinta-feira, entrou na sala zangado. No dia anterior ninguém tinha ido à aula de Educação Física. A última aula da tarde. Pediu justificações. Havia colegas que diziam que tinham estado com quarenta de febre. Outras com trinta e nove. Outras tinham tido dentista. Outras tinham ficado de cama. O professor, com um ciclone na voz e com a testa encorrilhada, disse que não eram razões suficientes para faltar a uma aula. A seguir falou de responsabilidade.
Mas ainda faltavam os rapazes. Eu, o Carlos e o Luís. Dissemos que tínhamos faltado porque tínhamos ido ver o Porto. Ele, com a testa desencorrilhada e com um Oceano Pacífico na voz, sentou-se ao pé de nós e disse que, a jogar assim, íamos ser campeões.

Era o Professor Carlos. De História. O melhor do mundo. O melhor que passou na minha história. Tinha olhos de adulto. Mas só por fora.

Somos uma seita, hoje. Das boas. Estamos uns nos outros. Não há volta a dar. Basta fechar os olhos. E estamos lá. Todos. Como éramos. Com os sonhos que tínhamos. Com a roupa que vestíamos. A Escola está no mesmo sítio. Mas a nossa não. Só existe em nós. Naquele sítio fácil de chegar. Em que é só fechar os olhos. E esperar que cresça um sorriso. É aí que ela está.

No sítio onde nos cresce um sorriso.

JoãoNogueiraLogoCrónica de João Nogueira
Pés bem assentes na lua

Visite o blog do autor: aqui