(ESPECIAL NATAL) Ensinem-me a gostar do Natal

Caro leitor, escrevo-lhe a ouvir “A Minha Casinha” dos Xutos e Pontapés. Escrevo-lhe algures do interior do país. A primeira imagem que se retira é que certamente a pessoa que lhe escreve gosta de Xutos. Sim, gosto, mas nunca foi uma banda predilecta, embora sejam algumas as vezes que tive o privilégio de os ver ao vivo.

Escrevo-lhe a ouvir “a minha casinha” porque foi uma das músicas que mais tenho na memória  de ouvir o meu pai tocar no órgão, na minha infância. Não, o meu pai não é, nem foi artista, nem cantor, nem compositor. Em tempos teve uma banda de garagem que tocava, na altura, em terras do interior e ele era a pessoa que estava no teclado. Nunca teve aulas de piano e o que sabia tocar fazia-no de ouvido, apenas pela intuição.

Eu lembro-me de ser criança e ficar maravilhada, quando ouvia o acompanhamento para a “minha casinha” e ele começava a tocar os acordes iniciais, para “experimentar” se ainda soava bem! E não é que soava mesmo? Sempre soou.

Passaram-se uns anos e o Roland E10 foi para mim e o Roland E20 foi para o meu irmão. O meu pai deu-nos os seus dois teclados. Mas sempre teve aquele vício: sempre que entrava em casa, dirigia-se para o teclado, ligava-o e tocava. Ainda me chegou a ensinar algumas músicas sem acordes e eu tocava vezes sem conta, porque não me queria esquecer e tinha aquele gosto de querer aprender a tocar um instrumento.

Sem grande magia, acabei de lhe contar e recordar momentos da minha infância, mas daqueles que ficam, daqueles que o tempo não apaga e a memória não destrói.

Segue-se na playlist a “Lady Laura” do Roberto Carlos. Também foi uma música que ouvi tanto o meu tocar.

Eu era criança e eu gostava destas pequenas coisas. Quando se desvaloriza o que uma criança pode apreciar, é precisamente quando a memória está a guardar para mais tarde termos a capacidade de recordar como eu estou a ter neste momento.

Lembro-me dos natais serem uma animação. Havia algo de tão especial em acreditar que o pai natal existia. Mas o que eu gostava mesmo era de ter a casa cheia, de ver uma grande parte da família mais chegada toda ali. Era giro esperar até à meia noite, ou nem sequer ter paciência para isso, porque os presentes estavam mesmo ali. Era giro ver os adultos a trazerem prendas grandes e nós ansiávamos que fosse a nossa. Mas era mais giro estarmos todos ali! Era mais giro, e esta imagem nunca passa de uma criança, gostar de estar com aquelas pessoas!

Por vezes, e sem a minha mãe ver, lá ia tirar um ferrero rocher (já tinha comido muitos, ela não podia ver!).

Para mim, o Natal também sempre foi aquela época de ir aos supermercados e poder comprar chocolates porque havia muitos. Melhor ainda, era saber que seriam apenas para mim porque o meu irmão não gostava. Hoje em dia já é tão banal: como chocolates, sem qualquer magia, seja qual for a época do ano e talvez no Natal, mesmo assim, seja a altura onde como menos.

Perdeu-se muita magia, mas gostava sinceramente que um alguém me ensinasse a gostar do natal. Não façam do Natal a época de dar prendas. Aliás, temos todos os dias do ano para presentear os nossos. Ao invés, façam-se presentes na vida dos vossos. Não desvalorizem uma noite de consoada ou um dia 25 sem presentes materiais, apenas com a presença de familiares. Talvez não tenhamos essa consciência, como eles pensavam que eu não tinha quando era criança, mas a presença é o maior presente que nós podemos dar a alguém. Um simples “estou aqui”, não verbalizado. Sorte de quem é o pode ter!

 

 

Termino esta crónica a ouvir “As Baleias” do Roberto Carlos. Ele também toca brilhantemente esta.