Esperem por mim no inferno!

Tenho algumas memorias de infância relativamente ao dia dos fieis. Levar uma criança de seis anos para um cemitério, todos os Sábados de manhã, não me parece um bom passeio, até porque se bem me lembro, eu não tinha e ainda bem, a mínima noção do que era a morte, andava por cima das campas a brincar com a minha irmã às escondidas e outras brincadeiras menos próprias, num local onde se espera silencio total e sofrimento ímpar. Mas se o cemitério apesar de grande estava sempre às moscas, porque é que no dia 1 de Novembro, enchia-se de viúvas, mães e filhos, avós e primos, todos bem vestidos, carregados de flores e velas, um mar de gente pelo cemitério adentro como se houvesse alguma promoção do pingo doce à espera na ultima parede? É aqui que começa a minha historia…

Eu andei na catequese e fiz a primeira comunhão, como já referi numa crónica que escrevi há algum tempo atrás. Andar na catequese não contribuiu em nada para o meu crescimento intelectual e social, não aprendi nada, porque o que ouvia eram autenticas cassetes rebobinadas sobre o amor e sermos bons uns para os outros, se não Jesus ralha, se não não vamos para o céu…não podíamos ser gays, nem dar uma keka antes do casamento, nem dizer asneiras (claro que não diziam isto desta forma tão eloquente mas a mensagem sempre foi esta), no fundo não podíamos ser nós próprios, mas podíamos chegar a casa e dar uma sova na mulher e maltratar os filhos que dentro de quatro paredes ninguém via nem ouvia. Depois havia a confissão…uma merda que também nunca entendi, mas porque raio vou confessar os meus pecados a um gajo que é tal e qual como eu? De pele e osso como eu, com defeitos e qualidades como eu, não era um Santo nem era Deus, quem era ele para ouvir os meus pecados e julgar que com quatro pais-nossos e uma avé-Maria já apagava todos os nossos erros? Confessei-me uma vez na vida, antes da primeira comunhão, detestei e não pretendo repetir.

Os leitores mais católicos devem estar a ferver em suas cadeiras enquanto lêem esta crónica e devem estar a pensar: esta gaja vai arder no inferno! Diaba sem cornos vermelhos, porca ateia, go to hell! Mas sabem que mais? Provavelmente tenho muito mais fé do que muitas madames, as madames que ao Domingo vestem o casaco de pele de cu de andorinha e metem os rabos gordos na missa enquanto cobiçam a merda alheia. Eu não sou de missas ( padre jeitosos há poucos e com as batinas não se consegue apreciar as linhas masculinas), nem de excursões ao cemitério, nem de pais nossos e terços nas mãos, ajoelhada na cama só para sexo do bom, mas tenho a minha fé… fé num Deus que eu nunca vi mas acredito veemente que existe, fé numa humanidade feita de pessoas boas, fé numa avó que está sempre comigo apesar de ter partido quando eu tinha apenas dois anos e meio, e sobretudo fé em mim própria e nas pessoas que eu amo, isto é a minha fé…sem Alá e as virgens, sem testemunhas de Jeová a anunciar o final do mundo, sem padres pedófilos nem qualquer religião que promova o extremismo. O fanatismo não existe só na religião muçulmana, quando eles colocam bombas num miúdo de 8 anos e fazem-no explodir me pleno mercado em nome do Alá, fanatismo tambem sucede nas pequenas coisas, como uma religião determinar que só podes ter relações sexuais numa única posição. E no meio de toda esta loucura, esquecemos-nos que vivemos todo num só mundo!

Acredito em almas penadas, em reencarnação, num mundo paralelo ao nosso, num céu e num inferno, pelo menos eu quero acreditar. Pensar que não existe nada para além da morte, e nós somos tão estúpidos que desperdiçamos tanto das nossas vidas, imaginar que fechas os olhos e acabou, é doloroso, matutar que depois desta vida não voltarei a ser a mãe do Rui e do Salvador é sufoco que eu não quero sentir. Mas a certeza que eu tenho é que existe um cemitério, um local onde jazem os restos mortais dos nossos entes queridos, que um dia partiram desta para melhor (achamos nós) e que ali são velados por seus familiares. Um local que uma vez por ano vira romaria e feira de velas. Passa de um local de culto para um culto de vaidade e presunção…eu tenho o meu defunto num jazigo cheio de retratos, flores e velas e tu tens o teu falecido numa vala de terra! Sim, e o que estás à espera que o morto faça? Que se levante da campa e dance a musica da Cabritinha? 

Acho que não haverá lugar para mim no céu, de qualquer forma não irei para o inferno, este já está lotado e tem, inclusive, demónios em lista de espera