Espiral recessiva – Nuno Araújo

Portugal é um país onde quase tudo está à venda, mas pouco ou nada se compra. Também já ninguém “compra” as previsões de Vítor Gaspar, que falhou mais uma vez nos resultados apresentados à situação actual do país, face às anteriores previsões que até ditavam um crescimento para este ano. Face a essa destruição óbvia daquilo que restava ainda da economia nacional, mais medidas de austeridade se seguirão, e a isto se dá o nome de espiral recessiva. Como tal, este ministro tem de ser demitido, já. E, já agora, o PS não pode deixar esta derrocada autêntica passar em claro sem apresentar no parlamento uma moção de censura ao governo. De preferência, em concertação com a restante esquerda, pois se há convites para coligações nas eleições autárquicas, também deve ser exercida essa estratégia na câmara parlamentar.

A Sétima avaliação da Troika foi aquela em que coincidiu os membros da equipa da Troika terem ficado mais tempo em Portugal a inspeccionar as contas públicas. A troika culpabiliza o governo pelo mau desempenho económico, e não deixaria de ter toda a razão, não fosse a Troika ter “receitado” austeridade para os males da economia lusitana. É assim que se cria e recria uma espiral recessiva, pois é o resultado óbvio da aplicação de receitas erradas, sucessivamente.

Vítor Gaspar tem de ser demitido. É um dos elos mais fracos do governo, pois nenhuma das suas previsões saiu bem. Todas as previsões quanto ao défice, crescimento da economia e desemprego tiveram resultados muito díspares do anunciado. Em política, os políticos têm de assumir as suas responsabilidades, e Passos Coelho e Gaspar devem assumi-las. Gaspar é o rosto de uma política de falhanços sucessivos, e para além de dever pedir desculpa aos portugueses, tem de forçosamente abandonar o seu cargo quanto antes.

Se por ventura o défice de 6,6 % anunciado para 2012 se mantiver, significará uma redução face a 2011 de apenas 1 ponto percentual no défice do erário público, ano em que se deu início ao programa de assistência internacional em Portugal. Milhares de milhões de euros cortados em pensões, salários, subsídios, e outros tantos arrecadados em impostos directos e indirectos à população portuguesa, nada disto serviu para Portugal, pois o país está agora quase irremediavelmente afastado dos padrões europeus de crescimento e qualidade de vida.

Mais: a dívida pública portuguesa ascende já a 125% do PIB, o que significa que a redução dessa percentagem até aos 60% constantes no PEC, tendo em conta a presença na zona euro, fazem com que o ajustamento português venha a demorar longos e penosos anos.

Papa Francisco

“Habemus Papam”. Jorge Bergoglio, bispo emérito de Buenos Aires, na Argentina, é o novo Papa, mas que já tem 76 anos de idade.

Assim que foi anunciado o nome do novo Papa, a multidão na Praça de S. Pedro não esboçou gestos em massa pela aprovação ao nome escutado, nem gritou de alegria. Em parte, isto pode ser explicado pelo facto de o anúncio do nome do novo papa ter sido efectuado em latim, e como pouca gente no mundo inteiro fala e percebe latim, o natural seria aguardar pelo anúncio numa língua vernácula, como em italiano (já agora, será que a Igreja voltou aos tempos idos e remotos do século XVI, quando as missas só se faziam celebrar em latim?).

Na verdade, a multidão não ficou em êxtase, por dois motivos: o primeiro, é que grande parte dos presentes na praça de S. Pedro acreditavam na eleição de um cardeal brasileiro, Odílio Scherer, ou de um cardeal italiano, Angelo Scola. O segundo tem a ver com o seguinte: quem é Jorge Bergoglio? Será aquele cardeal que compactuou com a já ida ditadura militar argentina?

Jorge Bergoglio é, doravante, o Papa Francisco. E com os seus 76 anos, prepara-se para efectuar um pontificado de média duração, na melhor das hipóteses. Esse pontificado será gerido por um dos homens tido como dos nomes menos sonantes do “colégio eleitoral” da Santa Sé, não possuindo de influência nos “corredores internos” dos edifícios do Vaticano. Mais: o novo Papa tem uma vida toda ela ligada aos Jesuítas, portanto uma classe à parte dentro da Igreja Católica Apostólica Romana, sobretudo vinculada a missões de alfabetização em zonas hostis.

Como irá este novo Papa lidar, por exemplo, com o facto de o Vaticano ter adquirido um conjunto de apartamentos num palácio histórico, pela módica quantia de 20 milhões de euros, onde está instalada a maior sauna gay da Europa?

Certo é que a eleição de um Papa proveniente da América Latina, zona geográfica com a maior comunidade católica do mundo, se justifica por si só. Não seria natural perpetuar eleições sucessivas de papas europeus. Para além disso, a América Latina não adere com entusiasmo a liberalismos de costumes, que na Europa tão bem têm prosperado, e não nega também a existência de algum conservadorismo de importantes camadas populacionais quanto à forma de ver os sacramentos, como o casamento, em que a homofobia é tolerada, por oposição à Europa, onde exemplo, a homossexualidade não é socialmente bem vista. Mais: o novo Papa é tido como forte opositor ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Mas, pergunto eu, sendo o Brasil o maior país da América do Sul, e sendo uma potência económica (e parafraseando o Papa Francisco), porquê “ir buscar um Papa ao fim do mundo”? Será que a hegemonia dos governos de esquerda na América do Sul está próxima do seu fim? Passou-se isso mesmo com a eleição de João Paulo II, da Polónia, um país da “cortina de ferro” da União Soviética, que influenciou as quedas do “muro de Berlim”, do comunismo na ex-URSS e do Pacto de Varsóvia, e com isso deu-se o fim do totalitarismo de esquerda na “ponte” entre Europa e Ásia.

A ver vamos.

Chipre: crónica de um resgate anunciado

O Chipre já recebeu sinal verde em como irá receber 10 mil milhões de euros de ajuda do FMI e UE. Ora, os depósitos bancários foram taxados em 10 por cento por parte do estado cipriota, o que fez despoletar uma onda de pânico na ilha do mediterrâneo. Milhares de cipriotas saíram de casa a correr, por forma a levantar o maior montante em dinheiro disponível nas caixas ATM, em virtude desse imposto novo e cruel sobre todo e qualquer depósito bancário. Será esse imposto uma imposição do FMI e UE, face à atitude dos cipriotas, em ter suportado uma crise financeira durante mais de seis meses, recorrendo a empréstimos sucessivos à Rússia? É que a “fama” do Chipre é tal que, depois deste país ter sido “contagiado” pela crise grega, centenas de cidadãos russos acorreram para comprar ao “desbarato” pérolas cipriotas, e estas situações deram a Chipre a alcunha de “protectorado russo”. Verdade ou não, é que este empréstimo ao Chipre tarda, e os efeitos nos mercados internacionais poderão vir a ser terríveis, tanto mais quanto se souber, com o tempo, de todas as clausulas do acordo entre as autoridades cipriotas e o FMI e UE.

Na minha opinião, este imposto novo e audaz sobre os depósitos bancários cipriotas é cruel, como já disse. É também uma “artimanha” financeira que poderá garantir ao estado cipriota liquidez imediata para assegurar o pagamento de obrigações junto de credores vários, incluindo assalariados e reformados dessa ilhota europeia. No entanto, deixo um aviso: Portugal, que terá mais medidas de austeridade, poderá vir a ter esse tipo de imposto aplicado em toda e qualquer conta bancária. É só um aviso, todavia.

Orçamento da UE chumbado pelo Parlamento Europeu

O Orçamento da União Europeia (UE) foi chumbado pelo Parlamento Europeu (PE). Era uma notícia que já se esperava. Pela primeira vez, chega ao hemiciclo europeu uma proposta de orçamento em que há um corte no valor total disponibilizado pela Comissão Europeia, sendo que até é um orçamento que pode gerar défice, sobretudo se correrem mal as dotações financeiras para alguns países, ao abrigo de determinados acordos e programas de subvenção comunitária. O presidente do PE, Martin Schultz, já havia alertado os líderes europeus para esta situação.

Agora, começam as negociações, diz-se. No entanto, essas negociações são já tidas há mais de um ano. O Reino Unido queria um orçamento com menos verbas disponíveis, alegando que seria necessário haver contenção quase para justificar a austeridade a que as pessoas em geral estão a ser sujeitas na UE. Porém, esse argumento é falacioso, pois é nas alturas de crise que as instituições de poder, como a Comissão Europeia, devem agir mais em prol do cidadão europeu. Não é por a Comissão Europeia não ter sido directamente eleita e daí não ser tão legitimada como deveria ser, que terá menos responsabilidade na gestão da crise europeia; não é por haver crise na UE que se vai desviar a atenção do tema da Federação Europeia, e passar a agir apenas tendo em conta o comércio entre os estados membros da UE; isso é fazer o que o Reino Unido quer, ou pelo menos, é fazer aquilo que um determinado sector eurocéptico britânico, dos “Tories”, pretende. O papel da UE, de Hollande e mesmo de Merkel, deve ser de harmonizar processos e políticas europeias, pois só assim se pode construir um espaço europeu de segurança comum, um mercado único dinâmico e uma sociedade europeia sem disparidades chocantes, como hoje todos podemos notar que existe.

Perante o cenário de crise económica, financeira, social e política em que nós europeus estamos mergulhados, só um orçamento europeu que contemple mais dotações orçamentais para projectos de real impacto na vida económica dos países europeus é que interessa, só um orçamento europeu que consiga suportar a inovação e a investigação é que deve ser aprovado; só um orçamento comunitário que possa ser apelidado de tal, orçamento comunitário, ou seja, da comunidade europeia dos cidadãos residentes no espaço da UE é que deve ser aprovado. Nós cidadãos europeus, cá esperamos um “pequeno milagre” directamente de Estrasburgo.

 

Crónica de Nuno Araújo
Da Ocidental Praia Lusitana