A minha mãe nunca disse que me amava. Será essa merda a que chamam amor demonstrado apenas por actos? Ou as palavras vão directas ao coração por serem indispensáveis? Quando somos crianças não percebemos que não somos prioridade, entre barbies e chupetas, birras e nenucos, vamos aligeirando os dias, até que crescemos e damos de frente com a realidade, a realidade dura de termos um buraco enorme no coração que foi cravejado sem que o pedíssemos. Não foi por as outras crianças terem um quarto só para elas e eu dormir numa sala, num sofá manhoso com mais três familiares, não foi por as outras crianças terem uma casa-de-banho com banheira e eu nem ter sequer uma retrete, não foi por as outras crianças terem sapatilhas de marca e eu nem ter uma maquina de lavar roupa, foi apenas por nunca ter sabido o que era essa merda a que chamam amor.
A primeira infância deveria ser sagrada, não digo para colocarem as crianças numa redoma de forma a que elas não sintam mágoa, frustração, tristeza, a verdade é que tudo isso faz parte de educar, mas nunca deveria faltar sopa e amor, porque tudo o resto se resolve, sopa e amor em generosas quantidades, sempre. Mesmo quando as nossas crianças crescem e ganham asas, as mães terão sempre um colinho para dar. Mas eu não tive esse colinho…incrível não é? Como não se pode amar um filho? Como pode uma mãe e um pai guiarem os seus dias sem que as suas crias façam parte dele? Eu não pedi para nascer, se fui concebida num sofá duma pensão, fruto de uma relação que já estava condenada desde o primeiro beijo, não é problema meu. Não é obrigação nossa amar e cuidar? Esqueçam os paradigmas da sociedade, a pobreza, a riqueza, a vida dos outros e a falsa modéstia, estou cansada dessas tretas foda-se! Amor porra, não houve tempo para amarem uma criança? Quinze anos, 365 dias, 24 horas, mas não houve tempo, porquê? Porque eu nunca fui prioridade. Eu pedia tão pouco…lá ia a miúda pobre e cheia de piolhos, sempre sozinha, sem saber o que era essa merda a que chamam amor. Só ouvi as desculpas de que a vida desviou-se por outros caminhos e em todos os caminhos eu não estava incluída. Ide para o raio que vos parta.
Os danos causados pela falta de amor é, provavelmente, o principal motivo de pacientes em consultas de psicologia e psiquiatria, é provavelmente a causa mais frequente para a medicação prolongada e excessiva. Não queiram apagar as vossas memórias e as vossas angústias em meros comprimidos porque não vai resultar, não afundem as vossas mágoas no álcool ou nas drogas, porque no dia a seguir a realidade ainda estará lá. Nunca consultei um psicólogo, nunca desabafei com um médico sequer, não gosto de perder o meu tempo, não gosto que os outros percam tempo comigo, há problemas bem mais graves que a minha falta de afecto. Eu sou a psicóloga de mim mesma, a melhor conselheira que podia ter, afinal, ninguém me conhece tão bem como eu própria, só eu sei o que me passa pela cabeça e as más memorias que teimo em guardar, se eu não me suportar a mim mesma (tem dias em que sou o inferno), se eu não gostar da minha própria companhia, então não vou ser boa companhia para ninguém.
Só agora, com trinta anos, é que começo a ter maturidade suficiente para me desligar do que me corroí, para aceitar que eu fui uma criança que não teve acesso a essa merda a que chamam amor, mas que a culpa não foi minha, eu estava lá, eu estive lá, o tempo não volta para trás, mas a vida anda para a frente.
Há uma pequena frase que repito vezes sem conta na minha cabeça, e que tenho todo o prazer em transmiti-la aos meus filhos: Nunca se contentem com pouco amor, porque isso não existe. O amor é tão grandioso, tão descomedido, ou se tem ou não se tem, que se sente ou não se sente, não existe pouco amor ou amar mais ou menos, ou ama-se ou não se ama. Nunca se contentem com pouco amor, porque nós merecemos todo o amor que existe, em nós e nos outros, essa merda a que chamam amor.
Gostei! 🙂