Este Hospital é um Bordel

Acordei a meio da noite e como odeio quando isto acontece! Odeio saber que a minha capacidade (ou falta dela!) de armazenar líquido na bexiga se consegue sobrepor ao meu notório e notável amor pelo Vale dos Lençóis! Às escuras e apalpadelas, por entre placagens com as paredes e encontrões nas portas, lá consegui chegar ao meu destino. Oh, como percebo Fernando Pessoa e a sua nostalgia da infância perdida! Era tão mais fácil, cómodo e, sobretudo, tão menos frio se eu ainda pudesse usufruir de uma simples fralda!

E, de repente, fui obrigada a acordar de vez! “Nãããããããããããão! Outra infeção urinária?! A sério !? Pode ser que seja só impressão minha, amanhã de manhã logo vejo. Vou dormir, que isto passa. Sim, o meu mal é sono!” E que grande asneira esta … O despertador toca, 10h da manhã, é dia de trabalho. Ao colocar o meu piloto automático em modo”ON”: tomar o pequeno almoço, tomar banho, vestir-me e pôr-me na alheta; nunca mais me lembrei do episódio noturno mas, rapidamente, fui relembrada. “Bolas! Afinal o mal não era sono, é mesmo excesso de leucócitos na minha urina.” Tamanha é a frequência desta patologia na minha vida que já sei detetá-la logo no princípio, já sei que o médico das urgências me vai dar um copinho e dois murros nos rins e também já sei que os 8 dias seguintes serão à base de ácido clavulânico e amoxicilina e, claro, serão dias com menos 20 euros no bolso que voarão logo na entrada no Hospital.

Ingenuamente pensei que, se fosse logo para as Urgências, talvez me conseguisse despachar sem me atrasar para o trabalho: quatro horas para me chamarem, esmurrarem, fazer pontaria a um copo e receitarem-me um antibiótico parecia-me mais que suficiente! E este foi mais um pensamento erróneo. Cheguei à receção hospitalar e disse alegremente “Estou com uma infeção urinária, já diagnostico perfeitamente este enfermo! Queria-lhe pedir um favor: consegue despachar-me? Tenho de estar em Lisboa daqui a pouco tempo para ir trabalhar.” A simpática senhora pediu os 18 euros e tal da taxa moderadora (não, não vai acontecer; não vou tecer quaisquer tipo de comentários maliciosos ou irónicos sobre o preçário hospitalar – temos de perceber que o nosso país está em crise e que é necessária toda uma angariação de fundos estatal! E como diz a juventude: LOL.)

Rapidamente ecoa na sala de espera *TIM TIM TIM*: Inês Alexandra à Triagem! Yeah! Tinha sido mesmo eficiente e simpática a rececionista. Muito contente dirigi-me à primeira sala à direita! Sentei-me e repeti o auto-diagnóstico e a súplica desesperante para não me atrasar muito. A enfermeira teclou umas coisas rápidas na minha ficha de diagnóstico, colou-me uma pulseira amarela no pulso, ora é senso comum que a pulseira amarela se traduz em ‘urgente’ que, supostamente, se traduz em ‘atendimento rápido!’

Uma hora depois, ainda não estava atrasada, ainda tinha esperança de ser a próxima, afinal de contas só tinha 6 pessoas à frente e nem sequer estavam a chegar ambulâncias com doentes emergentes! *TIM TIM TIM*: Acompanhante de bla bla bla.

Três horas depois, muitos cigarros derretidos, muita indignação demonstrada mas ainda estava a tempo de ir trabalhar! *TIM TIM TIM*: Bla bla bla chamado à triagem. Algum tempo passado … um telefonema ao meu chefe, um almoço de sopa na cantina, um dia de trabalho perdido e menos uma folga para compensar este dia … *TIM TIM TIM*: Acompanhante de bla bla bla!; *TIM TIM TIM*: Bla bla bla chamado à triagem. … Muitas idas à casa-de-banho, muitos vírus, germes, tosses, espirros, bactérias e nojos afins partilhados na sala de espera … *TIM TIM TIM*: Acompanhante de bla bla bla!; *TIM TIM TIM*: Bla bla bla chamado à Triagem!; *TIM TIM TIM*: Acompanhante de bla bla bla!; *TIM TIM TIM*: Bla bla bla chamado à Triagem!; *TIM TIM TIM*: Acompanhante de bla bla bla!

“Bom … mas eu estou num Hospital ou num bordel onde só chamam acompanhantes?!” Este pensamento rapidamente foi libertado pelas minhas cordas vocais e as 50 pessoas que se encontravam em meu redor, quase todas com rotuladas de verde pela triagem, começaram a rir. Outra má ideia … Quase tão rápida como a verbalização do meu pensamento, foi a transformação das gargalhadas alheias em tosses sufocantes e expetorações asfixiantes que faziam pendant com a cor da pulseira ! Estão doentes! Não riam! Isso não vai correr bem!

E seis horas depois de ter dado entrada, lá estava eu a relaxar os esfíncteres e a uretra para fazer pontaria a um copinho cujo diâmetro é sempre minúsculo! E enquanto tudo isto se processava e o meu músculo da parede vesical se contraía, forçando a urina para fora da bexiga, o receptáculo continuava praticamente vazia, a minha pontaria estava a cem porcento alinhada com todo o santo centímetro da retrete, menos com o recipiente da análise! O drama feminino: fazer xixi num nano-mini-micro copo!

“Quando tempo demora a análise à urina?”

“Mais ou menos duas horas?!”

Desisti, desisti de me queixar, de bufar, de reclamar. Ok, vou jantar outra sopa fantástica, saborosa e maravilhosa. Sabem … percebi que tinha tido tempo de ir à triagem do Hospital, ir a Lisboa trabalhar, voltar para o Hospital e aguardar que o médico me chamasse para … Adivinhem ? Me dar a receita de ácido clavulânico e amoxicilina. Abençoado sistema de saúde pública nacional!