**Estreia**Alguém quer trabalhar? – Rafael Coelho

Antes de mais, os meus agradecimentos e congratulações aos mentores deste projeto informativo, cuja minha participação aqui se inicia e a qual desejo que agrade aos leitores deste espaço.

Para iniciar, iremos abordar brevemente algumas das síndromes relativas ao emprego/desemprego e a forma como muitos portugueses encaram a sua vida profissional.

Como se sabe, desde a década de 60 do século passado (principalmente), que se iniciou uma corrida à fuga rural e à emigração. As poucas perspetivas em termos de futuro que eram oferecidas pelo interior e a constante mecanização da agricultura, conduziram à cada vez maior precariedade de vida das pessoas. A guerra colonial foi também um dos estigmas dessa era, assim como a relação de quase escravidão que se vivia nessa época, em termos de relações laborais. Muitos oriundos do interior vieram para o litoral intoxicar as cidades em crescimento, enquanto as aldeias e vilas do interior ficavam reduzidas a metade da população – algumas delas até quase desertas. Dou como exemplo a minha aldeia, do interior do Baixo Alentejo, que chegou a ter mais de sete mil habitantes e que, na atualidade não chega aos três mil.

Não se pode dizer que nada foi feito para contrariar esta tendência: foram construídas melhores escolas, universidades ou instituto politécnicos (não há capital de distrito que não as possua), construídos ou melhorados hospitais ou centros de saúde. O trabalho das autarquias nos anos 70 e 80 foi estupendo, no sentido em que foram criados polos de atração cultural, construídos cinemas, parques desportivos e outras infraestruturas com qualidade suficiente e, em alguns casos até superior ao necessário, incluindo a rede nacional viária que hoje temos, digna do país mais rico do mundo, que não somos obviamente, a não ser em termos culturais e históricos, na minha opinião. Em diversos locais foram reservadas áreas industriais que, em certos casos nunca conheceram qualquer indústria. Casos no interior como Évora, Portalegre, Castelo Branco e até os lanifícios da Covilhã, foram lugares do interior onde se tentou que os investidores fossem atraídos e aí investissem em indústria que nos viesse a tornar não uma nação sempre dependente do exterior, mas principalmente autossuficiente e até exportadora. Muito se tentou também no centro e norte, ao nível das indústrias do calçado, têxteis, alimentares, etc. Vide hoje em dia a zona industrial da Pedrulha em Coimbra, onde um cemitério de indústrias encerradas e degradadas proliferam ainda e sobre as quais não se tomam quaisquer medidas, pelo menos, no que toca à melhoria da paisagem de quem por ali passa, nomeadamente no IC2 de carro ou até de comboio de e para o sul e pode ser presenteado com tal degradante espetáculo.

Todos os que por lá passam diariamente, já se habituaram à paisagem e por isso não dão grande relevância aos restos de paredes das antigas Triunfo, Cerveja Topázio ou Cerâmica Estaco, por exemplo. Estes antros de porcaria e de anti tudo o que é estética, arquitetura e ordenamento territorial não são únicos na cidade dos doutores e engenheiros. Falo de Coimbra, como poderia falar da Covilhã, que também conheço pessoalmente e onde também existem inúmeros maus exemplos de antigos edifícios fabris completamente abandonados à sua sorte, ainda mais numa encosta serrana na qual tudo deveria ser aprazível e atraível. Proliferam por todo esse país outros cemitérios parecidos sem soluções à vista.

Questiono-me por isso da razão pela qual no nosso país nada (ou quase nada) funciona.

Será o povo? Serão os patrões e empresários? Serão os políticos? Será a geografia? Será do clima? Será a mentalidade? Será tudo isto e mais alguma coisa? Será a passividade?

Bem, vou contar-vos uma história muito recente:

“Certo indivíduo era gerente e trabalhador assalariado numa empresa nacional, que decidiu encerrar a loja onde este trabalhava. O seu destino foi o desemprego, juntamente com mais outras 9 pessoas. Durante quase 1 ano, procurou emprego em muitas empresas da sua área de interesse e de estudos e candidatou-se a centenas de anúncios aos quais raramente recebeu qualquer resposta, nem sequer a agradecer a sua candidatura ou a dizer que não interessava aquele perfil. Questionava-se onde estaria o seu erro, para não ser chamado sequer a uma entrevista. Seria devido aos seus 40 anos? E a sua experiência profissional em áreas tão diversas de 21 anos nada contava? E o facto de estar a terminar a sua licenciatura (sem equivalências!!!) tirada já com meia-idade, de nada valia, em conjunto com a sua vasta experiência? E o facto de exibir um currículo sem mácula e uma exímia e personalizada carta de apresentação? Também não? Então afinal, o que pretendem todas estas empresas que oferecem trabalho, que publicitam ofertas de emprego? Servem apenas para alimentar as estatísticas? E as empresas de recrutamento, nas quais a maioria dos entrevistadores e recrutadores são recém-licenciados sem experiência? Que sabem eles a mais do que outros, para terem o poder de selecionar pessoas? Ou essas empresas apenas servem e existem para “caçar” subsídios e projetos dos centros de emprego e (mais uma vez) alimentar estatísticas? Apesar de sempre tentar encontrar o seu emprego, este indivíduo nunca deixou de ponderar a hipótese de criar o seu próprio trabalho. Tanto pesquisou e procurou, até que conseguiu encontrar algo à medida das suas possibilidades. Sozinho, elaborou o seu próprio projeto de Criação de Emprego. Após várias tentativas e apresentações do projeto ao Centro de Emprego, que não ajudava e só complicava, o mesmo foi aprovado. Por isso, passado um ano de estar desempregado, este indivíduo conseguiu criar o seu emprego, que continua a desenvolver. A tal ponto que já sente a necessidade de contratar alguém para trabalhar consigo, no intuito de tentar um maior e mais rápido crescimento da sua empresa. Lançou-se então na aventura de contratar alguém. Publicou diversos anúncios em sites grátis e começou a receber respostas. Apesar do seu anúncio ser apelativo, sugestivo e oferecer um rendimento aliciante para um comercial, recebeu no decurso aproximadamente de um mês, 22 candidaturas, das quais excluiu apenas 2. A pessoa que mais interesse demonstrou não reside na zona, por isso convidou 19 para entrevista. Apenas 4 pessoas confirmaram a sua presença. No entanto, somente 3 apareceram. Dessas 3, uma delas não quis o trabalho e as outras duas não estavam dentro das perspetivas do empregador. De salientar ainda que, de todas as pessoas que se candidataram, poucas foram as que apresentaram um currículo bem elaborado, sem erros ortográficos e sem incongruências, além de uma carta de apresentação digna desse nome.”

Quando as pessoas dizem que não há trabalho ou emprego, será isso verdadeiramente verdade? Será que não existem soluções? Será que indo à luta não compensará? Preferimos viver à sombra do subsídio em vez de ir à luta e tentar sobreviver? E aqueles que tentam, por que é que muitas vezes não conseguem?

Antigamente, quem queria aprender uma profissão, propunha-se ir trabalhar com um mestre, mesmo sem ganhar, apenas para aprender. Era um investimento na sua formação e no seu futuro. Hoje em dia, qualquer aprendiz quer começar por saber quanto vai ganhar, antes de saber o que faz falta aprender. Nos dias de hoje as escolas e centros de formação substituíram-se aos mestres, existem tantas ofertas de formação que as pessoas só não sabem fazer um currículo e uma carta de apresentação, se não quiserem. A informação é tanta, mas a cultura é tão pouca. A facilidade é tanta, que deixou de aprender a procurar, a lutar, a questionar.

Estamos permanentemente à espera que tudo venha ter às nossas mãos, sem qualquer esforço ou trabalho?

Resta a pergunta: somos assim tão maus a trabalhar, que fazemos encerrar tantas fábricas, empresas? Quando falo em “trabalhar”, isto é também para os gestores e/ou proprietários. Será que apenas procuram a sua riqueza própria, sem consciência perante os seus empregados e respetivas famílias? Não é o que consta lá fora, onde os portugueses não considerados como bons trabalhadores e, quando são empreendedores, costumam ter igualmente sucesso… Sendo assim, vamos fazer o quê? Alterar mentalidades? Penso que sim!

Crónica de Rafael Coelho
A voz ao Centro