Eu ajudei a Cultura deste país, e tu?

É certo e sabido que a cultura, em Portugal, está pela hora da morte. Cada vez mais — lamentavelmente! — apostar na cultura parece uma miragem. Uma visão dos infernos, aos olhos daqueles que nos governam. “Ah, mas não há verbas para apostar nesse sector!”, dizem os pseudo-entendidos na matéria. Mas existem verbas para apostar em tantas outras coisas que têm um poucochinho menos de importância para o país, do que a cultura. Analisando mais profundamente esta questão, chego à conclusão de que, de facto, existem verbas para apostar em coisas que não interessam rigorosamente a ninguém, e que muito menos favorecem a evolução do país. Mas sim, nessas coisas é que convém apostar, pois são essas mesmas coisas que importam ou interessam, a quem realmente nos governa: a Europa. E nós temos de fazer tudo por tudo, para ficarmos sempre bem vistos perante a Europa… Porque a Europa é que é… A Europa é que sabe… A Europa… é fixe…

Bom, mas como cidadão revoltado pela escassez de aposta na cultura, por parte dos nossos governantes, decidi, digamos, tentar contribuir para a manutenção da cultura em Portugal. Juntei-me a todos os que tentam combater o degradamento deste sector em particular, colocando uns valentes euros à disposição da cultura. Não, não tomei a liberdade de efectuar uma doação à Casa do Artista, se bem que devesse. Mas não sou rico, pá. Fiz algo mais simples, mas que me fez sentir bem, revigorado, renascido, e muito provavelmente, simplesmente parvo — o que não é novidade nenhuma, visto que eu faço parte da enorme legião portuguesa de parvalhões que existe neste país…

Eu decidi ir ver um espectáculo ao vivo. Isso, mesmo! Eu, numa tentativa desenfreada de ajudar a cultura, decidi ir ver um espectáculo de humor! Ora, nem mais! Peguei em mim (Sinta-se pois, o caro leitor, completamente à vontade para imaginar a minha pessoa, numa figura triste tentando estupidamente pegar em si própria. Força, aventure-se; é bizarramente absurdo, mas são segundos de liberdade criativa que eu disponho gratuitamente ao caro leitor. Aproveite… pois serão apenas alguns segundos até se aperceber de quão estúpida é a imagem que tem neste preciso momento a passar-lhe à frente dos olhos…) e na minha cara-metade, e fui assistir a um espectáculo de humor. Tudo apontava que iria ser um serão bastante agradável, pois tratava-se de um espectáculo que nos iria anestesiar os maxilares de tanto rir. O que me leva a pensar que fui ligeiramente um pouco egoísta, pois a intenção primordial foi alegrar-me a mim e à minha cara-metade, e só depois contribuir para a resistência da cultura em Portugal. Bem, eu faço parte da enorme legião portuguesa de parvalhões que existe neste país — como já fiz questão de referir, anteriormente —, o que me dá uma certa “liberdade” para ser um  pouco egoísta. “Ah, mas que grande parvalhão…!” — sintam-se no direito de usar esta frase, pois eu mereço, e acredito veementemente, de que sou, obviamente, um grande parvalhão.

Bom, mas nem tudo são rosas quando vamos assistir a um espectáculo. E mais ainda, quando o vamos fazer padecendo de uma enorme constipação — que foi o meu caso. Porque várias situações bastante incómodas podem surgir, arruinando o que prometia ser uma valente noite de risada pura e dura.

Sentei-me calmamente no meu lugar, com a minha namorada ao meu lado esquerdo e um senhor, com já uma certa idade e que parecia um boneco de cera — pois levou o espectáculo todo sem revelar sequer uma expressão de agrado, ou felicidade pelo o que estava a ver —, do meu lado direito. Como é usual existir ar-condicionado nas salas de espectáculo, pensei que deveria tentar proteger-me do mesmo, optando por não retirar o casaco. Das duas uma, ou o ar-condicionado nunca foi ligado, ou estava realmente com falta de manutenção nas tubagens do mesmo, porque ar frio?, esse nem visto! (O que é estúpido afirmar isto, porque o ar frio não se vê, sente-se…)

Mas, a dada altura, comecei lentamente a suar, derivado do calor que o casaco me provocava. E, estranhamente, o calor em excesso provoca-me espirros. E foi uma guerra, os conseguir travar! Eram uns atrás dos outros, quase sem tempo para respirar. Fiz-me valente, e tentei ao máximo conter aquela vaga de espirros! De cada vez que continha um espirro (Ou, para o leitor entender melhor: espirrava para dentro, para não provocar som.), tinha a ligeira sensação de que um órgão qualquer, no meu interior, acabara de falecer. E pode o leitor interrogar-se o porquê de eu tentar impedir que o som dos meus espirros entoassem pela sala: porque se tratava de um espectáculo de humor e, normalmente, o comediante que está em cima do palco usa as pessoas como cobaia, sempre que surge essa oportunidade. Eu não queria ser a sua cobaia. Eu não queria ser alvo de chacota.

A dada altura, o senhor que se encontrava do meu lado, começou a inclinar-se para o seu lado direito, claramente com medo que eu lhe pegasse a constipação. Estava a dar em doido com tamanha quantidade de espirros que vinham e vinham sem parar. Para agravar ainda um pouco mais a situação, eis que surgiu o chamado “pingo” no nariz. E eu sem um lenço, ou nada que se parecesse com tal, para tentar travar aquela verdadeira avalanche de ranho que escorria desenfreadamente pela minha narina direita abaixo. Mais um contratempo, com que eu tinha de lidar. Não ia armar-me em porco, e limpar o nariz na manga do casaco, porque se o comediante visse… lá iria ser alvo de chacota. Então, aproveitei aquelas alturas do espectáculo em que todos se desatam a rir ou a bater palmas, para assoar-me, ou melhor — para voltar a sugar o ranho de volta para dentro da narina. Assim não seria apanhado pelo comediante, e não seria alvo de chacota.

E foi assim durante as duas horas do espectáculo. Devido à luta que travei com a espiral de espirros e a avalanche de ranho que me atacaram durante o espectáculo, acabei por não prestar atenção nenhuma ao espectáculo em si. Lembro-me apenas de pensar “Isto nunca mais acaba?!” ou “Esta porcaria nunca mais termina, pelo amor da santa?! Ainda desfaleço aqui, porra!”, durante largos períodos, o que não me permitiu escutar as palavras que entoavam vindas do palco. No final do espectáculo, a minha cara-metade confessava-me: “Eh pá, isto foi tão giro! Nem sinto o maxilar, de tanto rir! E tu também estás cá com uma cara de agastado, pá! Fartaste-te de rir, não foi? Espectáculo!” E eu, limitava-me a concordar com ela, sem saber se o espectáculo tinha sido bom ou não, visto que tinha passado as últimas duas horas a tentar evitar espirrar alto, e que o ranho me caísse pela narina abaixo. Uma verdadeira odisseia… de humor? Não… de terror!

Mas não me importei…

PORQUE, AFINAL DE CONTAS, EU CONTRIBUÍ PARA QUE A CULTURA DESTE PAÍS NÃO MORRA, PORRA!

Fiz o meu dever como cidadão…

Até para a semana, malta catita…


RicardoEspadaLogoCrónica de Ricardo Espada
Graças a Dois
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