Eu, Filipa e eu própria

Curso acabado arranjei logo emprego e, em menos de um ano, tinha o convite para trabalhar numa das melhores clínicas privadas em Portugal.

Chamo-me Filipa, moro em Lisboa e sou virgem, mas só de signo. Não acredito no zodíaco, não conheço o significado dos astros, nem me interessa saber como estavam posicionados à hora a que nascemos, muito menos saber de que características são dotadas as pessoas nascidas num determinado mês, mas sempre digo que acho engraçado como dizem que é compatível um nativo de Peixes com uma mulher nascida no período de Aquário, em cujas águas ninguém nada com a sensação de liberdade como se estivesse no mar.

Apenas com 1m55 de altura, costumo afirmar que tenho, contudo, perante a vida, o potencial dum poste da NBA que, sem precisar de saltar, ganharia todos os ressaltos perante todas as equipas dos jogos disputados em Portugal. Compenso a minha baixa estatura, com um forte sentido de responsabilidade, um espírito voluntarioso e abnegado. Não admirava, por isso, que, juntando ao espírito de entreajuda, nas modalidades coletivas que jogávamos na escola, de entre as raparigas eu fosse a mais requisitada, sobretudo pelos rapazes com medo de que, perante mim, uma derrota representasse uma perda da supremacia de género, um género de perda que era uma ameaça à sua masculinidade.

Ter jeito para andar com eles aos pontapés à bola, valeu-me a ditosa alcunha de Maria-rapaz. Sempre melhor do que uma Maria-vai-com-as-outras, sobre quem só sobressairia se entre elas nenhuma houvesse que fosse mais bonita ou mais jeitosa ou mais merecedora dum sobrenome que soasse ao apelido de alguém. E a respeito de beleza, talvez por causa de ser afoita e dada a novas experiências, nunca tive o menor constrangimento em arranjar namorado, que de resto nunca me faltaram, nem mesmo agora, plena época de pandemia, em que somos forçados a andar na rua de máscara, praticamente inviabilizando a possibilidade de nos podermos enamorar logo à primeira vista. Desde sempre namoradeira, dei o meu primeiro beijo a sério aos seis e sem nunca preferir os rapazes bonitos, gabo-me de, privilegiar o carácter das pessoas. Prefiro a simplicidade e, acima da beleza física, valorizo, através do que diz, quem me faz sinceramente acreditar na beleza das palavras.

Vem isto a propósito de eu gostar de livros. Leio tudo de todos os géneros mas principalmente policiais e, recentemente, na internet as crónicas de um autodidacta chamado Abílio, a quem já me passou pela cabeça pedir amizade nas redes sociais, esperançada em que, na qualidade de amiga, mais facilmente seria inspirá-lo para escrever qualquer coisa a meu respeito.

Hoje passo por ser uma mulher realizada, uma romântica a tempo de já ter percebido que, desta vida, o melhor que se leva é a vontade de voltar se for a tempo de viver de novo um grande amor. Sob a confluência dos astros, uma mulher em todos os aspetos resolvida, e serena, como uma embarcação num mar revolto ciente de que passada a tempestade há-de achar numa baía abrigada, um lugar seguro para aportar.

FIM