Eu não sou Charlie, e vocês também não deviam ser.

Muita tinta tem corrido sobre o ataque animalesco ao jornal francês Charlie Hebdo, pela primeira vez vou expressar a minha opinião com a vantagem de por vir atrasada poder analisar o que muito tem sido dito e defendido nas redes sociais sobre este assunto, desde Gustavo Santos ao Papa. O que me levou a ter desistido de não escrever sobre este assunto foram algumas barbaridades, na minha opinião obviamente, que li, ouvi e principalmente assisti nestes últimos dias, e por ai vou começar.

 Tenho visto as redes sociais inundadas de imagens e mensagens de homenagem ao jornal atacado, defendendo que não faziam mais do que utilizar a liberdade de expressão a que têm direito ao escrever num país democrático como a França. Ora bem, existem conceitos que nunca deviam ser separados para que não se extingam a si mesmos, a titulo de exemplo, se eu usar a minha liberdade de expressão para estar continuamente a atacar a liberdade de pensamento de um conjunto de pessoas, estou a ultrapassar o meu direito à minha liberdade de expressão, visto que não estou a respeitar as liberdades dos outros sejam elas a mesma (de expressão) ou outras (religiosa etc.) tal como a liberdade de expressão a liberdade de pensamento, associação e religiosa devem ter a mesma importância e consideração pois não têm lógica umas sem as outras, a liberdade de pensamento sem o poder expressar, ou liberdade religiosa sem depois nos podermos associar a outras pessoas com os mesmos valores, não fazem sentido.

Como tal todos os que se chocaram com a violenta tentativa de acabar com a liberdade de expressão do jornal, deveriam ter-se preocupado com as repetidas e cansadas violações da liberdade religiosa dos muçulmanos, foi essa a maior violação de liberdades em todo este caso, foi a violação sistemática da liberdade religiosa de um conjunto de pessoas. Quando o livro sagrado de uma religião afirma que o profeta não deve ser representado, sendo esta uma das ‘regras’ mais respeitadas no que toca a Maomé e Islão, e constantemente e de forma jocosa o mesmo jornal o faz, não podemos defender a liberdade de expressão, simplesmente não a custo da liberdade religiosa ou do desrespeito por um determinado grupo de indivíduos. Por isso não, não sou Charlie, nunca fui, o jornal ao contrário do que parece por certos comentários no Facebook não apareceu um dia antes do ataque, e eu sempre o vi como um pasquim e não um jornal, jornalismo de ataque religioso e pessoal, de humilhações em forma de cartoons e imagens insultuosas, não é o tipo de jornalismo que me cativa.

Tal como disse o Papa em relação ao tema “Não se pode provocar nem insultar a fé das outras pessoas”, exatamente o que acho, mas não só, não se ficou por aí como também eu não fico, “Não se pode matar em nome de Deus. Matar em nome de Deus é uma aberração.” Entro aqui na segunda parte desta crónica, os crimes foram aberrantes e foram escusados, serão sempre uma manifestação sangrenta sem resultados, vai continuar a existir desrespeito pelo Islão e estas iniciativas só pioram a reputação da religião que dizem representar, o Islão não é nem o que o Charlie Hebdo fazia passar nem é o que os dois homicidas mostraram e representaram naqueles dias, são interpretações, não podemos dizer que todos os muçulmanos são fundamentalistas sistematicamente num jornal, nem os fundamentalistas podem atacar quem os acusa só porque não concordam e estão a violar as suas liberdades. Todos têm direito à opinião, por isso só temos de respeitar a de quem escreve e a de quem pratica, no caso da religião, como neste caso não aconteceu porque ambas as barreiras da liberdade de expressão (pelos fundamentalistas) e liberdade religiosa (pelo Charlie Hebdo) foram postas em causa.

 Gustavo Santos tocou num ponto parecido mas diferente, afirmou que não concordava com o jornal e com o abuso do Islão e seus ‘seguidores’ pelo pior motivo que podia ter escolhido, o motivo foi ‘Além disso, sempre que desrespeitamos alguém desta forma, estamos a trazer uma potencial ameaça para a nossa vida!’. Medo? Nunca. A pior justificação para não se dar uma opinião seja ela respeitadora da liberdade dos outros ou não é o medo, é o maior inimigo da liberdade. O respeito por uma religião que não é a nossa não deve vir pelo medo de sofrer consequências mas sim pela noção e respeito da liberdade dos outros.

Cabe me ainda afirmar que em nada sublinho os ataques como em nada sublinho o que jornal, que para mim continua a ser um pasquim, escreve ou publica. Agora continuem a ser Charlie, continuem a ser xenófobos e a dar ‘motivos’ para ódios idiotas de fundamentalistas que não nos trazem nada de bom, Charlie Hebdo não é liberdade, é violação da liberdade dos outros, partilhar esta mensagem só perpetua e incentiva a que este tipo de jornalismo e abuso da liberdade de expressão continue a existir e a criar monstros que por já não serem nem certos nem saudáveis, são manipulados a virarem se contra estes marcos da cultura ocidental com objetivo de marcar posição contra o ataque à sua religião. Religião essa que não defende nada do que é acusada, devido tanto aos insultos (ataques e sátiras) que sofre e às defesas (ataques de fundamentalistas) que lhe têm sido feitas. Eu não sou Charlie.