Eu sou Belenenses, tu és Belenenses, ele é Belenenses, nós somos de Belém.

Não sei precisar datas. Mesmo que o soubesse, não seria justo. Sei que o sou desde que nasci, sei que ele me pertence desde que passei a ter consciência e sei que o apoiei mal soube andar. Não tenho a presunção de achar que o conheço como ninguém nem a tacanhez de me achar maior que ele. O maior do mundo. Pelo menos para mim sempre o foi.  Sempre foi o meu universo preso num relvado, num pavilhão, numa bancada, numa camisola e, sobretudo, num símbolo, o seu.

Ser Belenenses, ou se quiserem, ser do Belenenses, é muito mais que estender a sua grandeza a uma classificação, a uma jogada, a um presidente. Ser seu, tê-lo como seu, é vibrar com cada minuto passado no campo, com cada bandeira a esvoaçar na bancada, com cada golo marcado, ou é simplesmente sorrir de punho cerrado para a pessoa ao lado dizendo, “Já está!”. Ser Belenenses é ilustrar um emblema que outrora foi consagrado e popular, mas que nunca cairá no esquecimento, que nunca será abandonado, porque quem é Belenenses, sente-o mais que tudo e nunca o abandonará. É ter nas Salésias um imaginário que se consagrou no Restelo, é ter na Fúria Azul a voz que falta a muitos, o coração que cede a vários e o apoio que todos precisam. É ter na vista do estádio o deleite de um dia, é ter o sangue mais azul que vermelho em dias de jogo e é ter o sonho acalentado por cada “pastel” presente. Tudo isto é ter Belenenses, é ser Belenenses.

Não se explica. Não se resume. Só se sente. É preciso sentir o hino, sentir a emoção de uma manutenção nos últimos minutos, sentir um jogo europeu, sentir quando um jogador beija o nosso emblema, sentir uma conquista. Nunca presenciei nenhuma, nunca desisti nem desisto de presenciar, sei que um dia será o meu dia, o nosso dia, o dia em que todos os Belenenses voltarão a sorrir, acredito em dias azuis. Enquanto esse dia não chega, vou vagueando nas histórias que ouvi, nos milhares de minutos que “perdi” a ver o Belenenses, a ler o Belenenses, a lembrar o Belenenses e sobretudo, a sentir o Belenenses.

Sempre quis ser o José António e a sua liderança e como ele levantar a Taça de Portugal, sempre desejei ser uma das “Torres de Belém” e imperial como  qualquer um deles, sempre sonhei ser um Matateu, a oitava maravilha do mundo, ou ter a elegância do Vicente, a destreza do Di Pace, ser mítico como o Pepe, ágil como o José Pereira, acarinhado como o Marco Aurélio ou beijar o nosso emblema como o Fredy. A cruz que andava solta nas velas e que foi um tema das conquistas de além mar, é o que nos faz a todos acreditar, não numa ilusão futura, mas numa certeza presente. Não podemos deixar que o clube seja apenas uma boa memória, ou um deserto do que foi. Não. Ser Belenenses é acreditar, é querer desejar o impensável e procurar atingir o impossível.

Ontem fui, mais uma vez, Belenenses. Sofri como sofreu quem padece comigo desta doença, deste problema crónico que nos acompanhará até ao fim da vida. Quem é do “Belém” sofre, nunca tem nada ganho à partida, nunca tem um momento de paz, o sobressalto resiste até ser humanamente inimaginável duvidar que findou. Sofri desde que o hino tocou até saber que acabou, até ouvir o apito que indica o fim. Nessa altura, com as lágrimas nos olhos, com os braços a tremer e com o coração a mil, aí sim, soube que acabou e que para o ano continuaremos cá, a mostrar a nossa magia e o porquê de não sermos apenas grandes, mas sermos, isso sim, únicos. Nasci assim e morrerei igual.

AntónioBarradasLogoCrónica de António Barradas
A Bola Nem Sempre é Redonda