Exclusivo – Entrevista a The Weatherman

O Ideias e Opiniões continua a apostar fortemente nas entrevistas a músicos, cantores(as) e bandas que através do seu talento já provaram merecer o nosso destaque e atenção. Aqui, mais do que a nacionalidade, interessa a qualidade, o talento e a música! E depois das entrevistas à norte-americana Tori Sparks e ao projecto brasileiro Lemoskine finalmente surge uma aposta nacional! Ele é do norte, o seu projecto dá pelo nome de The Weatherman e o mote para esta conversa foi o lançamento do seu mais recente álbum (“Eyeglasses For The Masses”)! Um especial agradecimento ao Alexandre Monteiro e à Raquel Laíns e à Let’s Start a Fire que tornaram tudo possível!

  1. Qual era a tua relação com a música durante a infância e a adolescência? Que referências musicais tinhas nessa altura? O pequeno Alexandre Monteiro, que vagueava pelo norte do país nos anos 80, já queria ser músico ou na altura os sonhos eram outros?Bem, eu lembro-me de ser mesmo muito novo, talvez uns 4 anos, e ter um leitor/ gravador de K7 daqueles portáteis na minha cama, e todas as noites ouvia música antes de adormecer. O prazer que isso me dava era indescritível…A minha cama às vezes era o caos, porque estava frequentemente inundada de cassetes! Lembro-me que ouvia coisas como Rita Lee, Brian Adams, a banda sonora do Roque Santeiro… eu acho que secretamente já queria ser músico, pois recordo-me que sonhava conseguir tocar aquelas músicas para impressionar as miúdas.
  2. Qual a história por detrás do nome “The Weatherman”?Não há uma grande história, apenas me cruzei com esse nome, e achei que encaixava bem no projecto. Identifiquei-me com ele e descobri que me sentia bem nessa pele.
  3. Pesquisando um pouco sobre “The Weatherman” encontramos não só um filme, de 2005, mas também uma banda com um nome muito semelhante (“The Weathermen”, banda belga que editou o seu primeiro disco em 1985). Para quando um remake do referido filme (contigo como protagonista, claro), e um dueto com The Weatherman belgas? Ou mais rapidamente te distancias do que te aproximas destas semelhanças?

    Quanto ao filme, nunca o vi, apesar de me terem perguntado isso 573758 vezes. Talvez não o tenha visto exactamente por isso, deve ser algum mecanismo de defesa que eu tenho, ahah. Quanto à banda, também nunca ouvi…
The Weatherman
The Weatherman
  1. Aposto que já brincaram inúmeras vezes com o teu nome artístico e/ou te fizeram perguntas sobre o estado do tempo. Isso irrita-te ou o facto de trazer uma dimensão mais bem-humorada ao teu alter-ego acaba por te divertir?

    Sim, muitas vezes. Não me irrita. Compreendo que o façam, é uma coisa natural, é um pensamento instintivo. E agora que já extinguiram os apresentadores de meteorologia nas televisões, é mais que nunca legítimo que dirijam essa pergunta a mim, ahah.
  2. O teu primeiro disco (“Cruisin’ Alaska”, de 2006) tem canções que não parecem pertencer ao mesmo mundo (como “I Sustain” e “The Meaning of Soul”, por exemplo). Essas diferenças são, no fundo, o espelho da tua personalidade e das tuas vivências naquela fase da vida?

    Acho que se pode dizer que são acima de tudo um espelho da minha personalidade artística. Sempre explorei e desenvolvi a minha veia versátil enquanto compositor. Eu estava, sem dúvida, a fervilhar criativamente na altura em que fiz esse disco e tinha um sentimento de ingenuidade em relação ao mundo, o que o torna especial e raro.
  3. Nesse disco assumiste a árdua tarefa de tocar todos os instrumentos, porque o fizeste? Levar esse disco para a estrada foi uma aventura ou revelou-se mais fácil do que parece à primeira vista?

    Porque eu tinha acabado de terminar com a banda que tinha na altura, e sentia necessidade de fazer algo novo. A sensação de o experimentar e a liberdade que senti foram algo muito libertador. Levar esse disco para a estrada foi muito difícil, porque toda a gente da banda tinha que “encarnar” a minha pessoa, e isso é praticamente impossível.
  4. Três anos mais tarde chegou o segundo disco de originais do The Weatherman, “Jamboree Park at the Milky Way”. De onde surgiu este título? De que trata esse disco?Eu procurava um título que sugerisse uma espécie de celebração cósmica, algo realmente extravagante. As canções do disco falam de coisas como raparigas vindas do espaço em naves espaciais, de piratas, etc. Imaginei um grande encontro de todos esses elementos e personagens algures no espaço e isso está bem expresso na capa.
  5. Esse álbum teve a particularidade de ter sido gravado na Academia de Música de Espinho e de ter contado com a preciosa ajuda de alguns dos seus músicos e instrumentos (e até de um coro, por Deus!). O facto do teu primeiro disco ter sido quase que um trabalho de um homem só pesou nessa decisão ou o objectivo era precisamente mudar de ares e experimentar algo novo e diferente?

    O objectivo era mudar de ares, claramente. Quis experimentar um modo operandis Eu sabia que não iria resultar tentar fazer um disco igual ao anterior.
  1. Se o teu segundo disco tivesse sido lançado no Portugal dos anos 60/70 achas que seria bem aceite ou apesar de teres ido beber parte das influências a essas décadas apenas no presente fazia sentido lançar um álbum assim?

    É um exercício um pouco estranho de se fazer esse…no fundo é um disco que poderia ter sido feito em qualquer época pós anos 60, mas que também faz sentido no presente.
  2. Jamboree Park at the Milky Way” tem duas particularidades muito interessantes: uma colaboração com Miguel Araújo na faixa “Starship Girls” (ainda ele “apenas” era conhecido por integrar a banda Os Azeitonas) e uma música integralmente cantada em francês. Como surgiu esta colaboração e porque decidiste encerrar o disco com aquela música?

    O Miguel apareceu um dia em minha casa, pela mão do André Tentugal. Eu precisava ali de um solo naquela música, e o nome do Miguel surgiu logo à baila. De facto ele é um excelente músico, e o solo encaixou de forma perfeita, não só nessa música como também na “Follow You Everywhere”.

    Quanto à musica cantada em francês, que encerra o disco, surgiu depois de eu ter lido que o famoso urinol do Marco Duchamp tinha sido partido à martelada por um visitante chinês no museu Pompidou, em Paris. Achei uma história fascinante, no sentido em que o que originou esse acontecimento foi talvez o valor que o mundo atribuiu ao urinol.

    De uma forma metafórica, todos nós no fundo partimos o urinol do Duchamp, e é isso que transmito na música. Comparo isso com o assassinato do John Lennon. No fundo, foi o mundo que o matou, ao dar-lhe tanta fama e consequentemente fãs exageradamente obsessivos.

    1. E num abrir e fechar de olhos chegamos a 2013 e ao terceiro álbum do The Weatherman: “Weatherman”. Por normal o álbum homónimo é o primeiro, mas no teu caso ele apenas surge ao terceiro trabalho a solo. Podemos dizer que depois do psicadelismo e de todas as experiências que marcaram os teus dois primeiros álbuns foi aqui, no vasto oceano pop, que encontraste a tua verdadeira identidade musical?

      Não, não foi de todo isso que procurei. Esse disco é homónimo pela simples razão de que eu estava cansado de títulos rebuscados nos discos anteriores. É um disco um pouco mais “leve” musicalmente, despido de conceitos, daí não ter um título.
    2. O videoclip do primeiro single, “Proper Goodbye”, tem uma história suis generis. Conta-nos tudo sobre o processo de criação do videoclip e sobre a infeliz coincidência que marcou a sua estreia.

      Esse vídeo foi uma escolha muito feliz, e sempre que o revejo, sinto uma nostalgia de um tempo especial. De facto o processo que envolveu a sua produção foi de muita dedicação, e resultou bem, pois o vídeo contrasta com a carga melancólica da letra da música.

      O meu sonho de criança era ser astronauta, e de certa forma concretizei-o através deste vídeo. Eu lembro-me de estar muito ansioso nos dias que antecederam o lançamento do vídeo e, coincidência das coincidências, Neil Armstrong morre no dia do lançamento. Hoje em dia encaro esse vídeo como uma homenagem.

      1. Este disco fica também ele marcado pela segunda colaboração da tua carreira (com Emmy Curl, na faixa “It Took Me So Long”). Como foi colaborar com a Emmy Curl?

        Colaborar com a Emmy foi uma coisa natural. Eu já tinha essa ideia há algum tempo, porque tinha a impressão que as nossas vozes iam resultar bem juntas. Até que um dia estávamos a gravar os nossos discos com o mesmo produtor, e então convidei-a.
      The Weatherman
      The Weatherman
      1. Entre o álbum “Weatherman” e o “Eyeglasses For The Masses”, que foi agora editado, passaram três anos. Este período foi importante para promover o teu trabalho ou precisavas mesmo era de uma pausa antes de te aventurares na criação, gravação, lançamento e promoção de mais um álbum?

        Muita gente não faz ideia do trabalho que envolve a feitura de um disco, e 3 anos acaba por ser um prazo perfeitamente “normal”. Na verdade nunca fiz uma pausa, continuei sempre a compor.
      2. O que aproxima, e o que separa, o The Weatherman de hoje do The Weatherman que em 2005 estava prestes a lançar o seu primeiro disco?

        O que separa é nem mais nem menos do que a linha entre a ingenuidade e a maturidade, uma e outra na dose certa. O que aproxima é que foram feitos pela mesma pessoa, e isso nota-se.
      1. Este álbum foi gravado em Caminha, misturado no Porto e masterizado em Los Angeles. Que importância teve esta multiplicidade de locais, e o talento e experiência do Brian Lucey, no som final do disco?

        O que faz os sítios são sobretudo as pessoas que a eles estão associados, e o disco também é, em parte, as pessoas que nele trabalharam. O estúdio em Caminha (Hertzcontrol) foi um verdadeiro achado. Para quem procura uma sonoridade rock vintage, é o sítio certo. Quanto às misturas, tentamos fazer sobressair as potencialidades que estavam nas gravações, a naturalidade e espontaneidade que já estavam impressas nas gravações.

      Em relação à masterização, o nome de Brian Lucey veio à baila porque este disco tinha uma pulsação especial, uma “roughness”. Ainda demorou algum tempo até que ele percebesse o som que nós queríamos do disco, mas lá acabou por compreender e chegar lá.

      1. Depois de ouvir este disco fiquei, acima de tudo, com uma ideia: consistência. É incrível como todas as faixas casam bem entre si, dando origem a um álbum absolutamente irrepreensível. Podemos afirmar que neste disco, tal como na vida ela própria, passamos por todo o tipo de momentos e sentimentos (dos mais eufóricos aos mais melancólicos ou dos momentos em que queremos pensar, como em “Calling All Monkeys”, aqueles em que apenas queremos dançar desenfreadamente, como em “Unpack My Mind”)?

        Obrigado! Realmente as reacções de quem ouviu o disco têm sido unânimes, especialmente nesse ponto. Penso que consegui algo que à partida parecia ser impensável: fazer com que uma dezena de canções com características diferentes pertencessem a um lugar só. Cada música foi pensada para ser um momento único e irrepetível.
      2. Aliás, este trabalho é tão magistral que até tem uma referência a Vanilla Ice no final do tema “Ice II” (nem podia ser noutra faixa, claro). The Weatherman explica-nos lá, como é que um dos maiores guilty pleasures pop de sempre acaba por ser “homenageado” num disco teu?

        Ahah, Isso foi algo que surgiu espontaneamente. Creio que o fiz ao vivo uma vez, e ficou.
      3. Que a indústria da música em Portugal já conheceu melhores dias todos nós sabemos, mas que um álbum a roçar a perfeição como é este “Eyeglasses For The Masses” chegue ao grande público “apenas” numa edição de autor é que é uma surpresa! The Weatherman encontras explicação para o facto de algumas portas insistirem em fechar-se mesmo quando o talento está à vista de todos e já deu variadíssimas provas? 

        De facto há coisas inexplicáveis, mas não perco tempo a pensar nisso. Eu cumpro a minha parte, que é fazer a minha música o melhor possível. Uma coisa é certa, não me revejo em muita coisa do que se passa na “indústria musical”, e serei sempre fiel aos meus princípios! Se por ventura alguém não tiver capacidade para compreender a minha música, não é problema meu!

      4. Visualmente falando os teus discos são sempre extremamente ricos e surpreendentes. Fala-nos da componente visual de todos os teus álbuns (e dos respectivos autores) e, particularmente, dos olhos e cores que sobressaem neste “Eyeglasses For The Masses”.

        Comecemos pelo primeiro. A capa do Cruisin’ Alaska foi feita pela Inês Amaro, uma pintora. Ela foi convidada a pintar num quadro um sonho que eu tive, em que uma morsa chegava num balão de ar quente e oferecia leite de coco a um conjunto de pinguins. O resultado que aparece no disco (frente e verso) são fotografias tiradas aos quadros que ela pintou.

      A capa do segundo é da autoria do André Tentugal. Aqui o desafio foi fazer uma colagem na qual figura todo o imaginário presente nas canções do disco.

      No terceiro e neste último, apesar de serem dois trabalhos distintos, foram feitos pela mesma pessoa: José Cardoso (Tomba Lobos). Deixei ao critério dele fazer o que ele quisesse desta vez. A ideia era criar algo enigmático. O facto de não haver títulos na capa é para isso mesmo.

      1. A internacionalização do The Weatherman está a correr como esperavas ou estás a encontrar obstáculos para promover o teu trabalho fora de portas? De todos os concertos que deste no estrangeiro qual/quais tem/têm um cantinho especial no teu coração?

        Gostei sobretudo da sensação de descobrir algumas terras no interior da Holanda, conhecer pessoas novas e diferentes. O único obstáculo que encontrei foi a nível económico: todo o dinheiro que se ganha é sempre pouco para o que é preciso investir.
      2. Completa-se este ano dez anos do lançamento do teu primeiro disco e do início da carreira do The Weatherman! Estás a preparar algum evento para comemorar esta efeméride ou o lançamento deste “Eyeglasses For The Masses”, e a respectiva digressão, acaba por se tornar na celebração perfeita?

        O disco em si celebra a ocasião. Acho que só o facto de ter conseguido chegar até aqui e não ter ficado pelo caminho já é uma vitória!
      3. Quando terminas um disco começas logo a pensar no próximo ou precisas de um período sabático antes de te atirares de cabeça a um novo desafio? Ou seja, o que o Ideias e Opiniões quer realmente saber é: The Weatherman já tens algumas novas músicas escritas/compostas ou para já queres mesmo é apresentar este novo disco pelo mundo fora?

        Pela primeira vez, terminei um disco e não tenho músicas novas! Não sei se isso é bom ou mau sinal… só o tempo o dirá. Acho que vou precisar de um período de reflexão para perceber o que fazer a seguir.
      4. Esta pergunta é um verdadeiro clássico, mas é impossível escapar-lhe: consideras a possibilidade de, um dia, editar um disco em português? E, já agora, para quando mais amostras do teu exímio domínio da língua francesa?

        Eu já tenho algumas músicas em português, é algo que há tempos parecia ser impensável ouvir-se da minha boca, mas aconteceu! Conto dar-lhes seguimento um dia destes, quem sabe.
      The Weatherman
      The Weatherman
      1. A vida de músico é feita de contrastes: da solidão que envolve a criação e a escrita de músicas e letras em casa ou no estúdio, à apoteose e loucura que pode ser estar em palco em frente a centenas de pessoas, por exemplo. É-te fácil gerir os pensamentos, as emoções e as expectativas ou todos estes altos e baixos (e variações de adrenalina) tornam a tua profissão numa autêntica aventura? 

        Não é muito fácil, não… por muita estaleca que se adquira ao longo do tempo, se a nossa cabeça não estiver virada para uma coisa, de pouco adianta o “profissionalismo”. Eu normalmente não disfarço, mostro sempre o que sou. Mas percebo que a honestidade por vezes seja mal interpretada. Mas é viciante viver esses altos e baixos!

      2. The Weatherman imagina que encontras uma lâmpada mágica e que essa lâmpada te permite pedir um desejo muito particular e que te garante que nunca ninguém saberá que a usaste. Com um estalar de dedos o génio da música pode fazer com que três músicas (de qualquer cantor/músico do mundo, de qualquer era e de qualquer língua) passem a ser uma criação tua (com todo o prestígio, reconhecimento, lucros e fama que isso traria, claro). Que músicas escolhias e porquê?

        Curiosamente escolheria músicas que provavelmente não me trariam propriamente reconhecimento, nem lucro ou fama, mas sim prestígio. Kinks – Waterloo Sunset; The Beatles – Here, There and Everywhere; Beach Boys – Don’t Talk Put Your Head On My Shoulder.
      3. No Ideias e Opiniões somos curiosos por natureza e gostamos tanto de descobrir jovens projectos quanto de ouvir música por isso impõe-se colocar a seguinte questão: The Weatherman na tua opinião que jovens bandas, portuguesas ou estrangeiras, é obrigatório que oiçamos assim que terminar esta entrevista?

        Tobias Jesso Jr., Julia Holter, Benjamim Clementine, They’re Heading West, Marta Ren, Golden Slumbers.
      4. Que músicas, álbuns ou artistas mais têm rodado ultimamente no MP3/Computador/Carro do The Weatherman?

        Tirando os citados na resposta anterior, ultimamente tenho ouvido um disco dos Fleetwood Mac, o “Tusk”. Também tenho redescoberto Crosby, Stills and Nash (vi-os ao vivo em 2011, no Hyde Park, já agora). O último do Beck também ouvi bastante.
      5. Estamos a meio de 2016 por isso esta é a altura ideal para um balanço musical do ano. The Weatherman na tua opinião qual é, até agora, o melhor álbum nacional e o melhor álbum internacional do ano?

        Internacional…o “Blackstar”, do Bowie (pelos melhores, e piores, motivos é um dos discos deste ano). Nacional…Old Jerusalem, “A Rose Is A Rose Is A Rose”.
      6. Onde nos podemos manter actualizados sobre a tua carreira?

      Está tudo em www.weathermanmusic.com!

      Agradecimentos: The Weatherman, Raquel Laíns e Let’s Star a Fire.