Facebook e miscigenação

Nada melhor do que acirrar uma discussão para que os azedumes, os ódios recalcados, a raiva escondida e a ignorância venham à superfície. Muitos trabalhos de investigação se poderão fazer no Facebook, um espaço de liberdade e partilha de opiniões. Mas também de destilação de ofensas que se liquidificam à medida que os venenos vão sendo destilados e expelidos. Com base numa publicação em que surge uma imagem de um casal misto com um bebé – que dou aqui como reproduzida – e a miscigenação, as opiniões – maioritariamente de indivíduos africanos- angolanos desfilaram com expressões deste tipo: Miscigenação é a destruição de uma Raça.”; “Tu é daqueles pretos que acredita no amor de branco para com o preto? O branco nunca sentiram amor algum para com preto. Usam o termo “amor não tem cor” só para saquear o preto.”. [sic]

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Confrontados com um depoimento de uma branca casada com um  negro há 37 anos – ” Não mano. Não sejas tão intransigente. Eu sou a prova de que estás errado.Sou casada há 37 anos com o meu marido negro. Que para mim ele não tem cor. É um humano como eu.” – e com a minha própria intervenção, deu-se início ao confronto belicista em que a acidez estomacal expeliu o colonialismo, o racismo do branco, até a escravatura. “Esse é o projeto dos caucasianos, nos matar pela miscigenação…”. [sic], afirma-nos um deles.

A miscigenação começou há muitos séculos atrás quando europeus e africanos tiveram filhos juntos e a variedade de fenótipos incluiu os mulatos. E entre estes, logo surgiu também uma palete de variações cromáticas: os mais escuros, os mais claros, os médios, os assim-assim e os assim-assado. As conotações são essencialmente de natureza social e frequentemente são os próprios africanos que distinguem entre os negros e os mulatos. Alguns destes últimos, identificados como brancos, confessam sentir-se em terra de fronteira. 

O interessante nesta publicação – entre muitas outras que surgem no Facebook – é a forma como se acusam os brancos, indiscriminadamente, como culpados de tudo o que vai mal em África. E à medida que eu ia publicando os meus posts sobre a minha actividade em Angola como professora, a minha amizade com negros, fui sendo prevenida que esse era o discurso encapotado do racista que pretende mostrar não ser racista.

Quando finalmente saí da “conversa” e apaguei as minhas publicações que falavam de amor e igualdade entre pessoas, os intervenientes que me tinham quase crucificado, desapareceram também. Um deles afirmava até que eu devia ser uma má professora, com posturas “pseudo harmonizantes” entre os alunos. Sempre pautei por posturas de tolerância, equilíbrio e de divulgação artística do trabalho de muita qualidade feito por africanos: Kimi Skota, de escritoras com qualidade, de Malcolm X, de Mandela, de King…

Os homens africanos parecem sentir-se muito incomodados por haver europeus que gostam e casam com africanas. As mulheres africanas acham que os homens do seu continente são para elas….

Quanto a mim, uma vez mais confirmei que estas temáticas são muito “quentes” e despoletam muitos sentimentos subterrâneos que não foram ainda exorcizados. Tal como após a II Guerra Mundial, os alemãs de gerações posteriores que tiveram de suportar os fantasmas do nazismo, a falta de discernimento dos homens e a sua imaturidade emocional aliada à ignorância intelectual. Para estes, todo e qualquer alemão já era um assassino.

Presumo que a disciplina de História – quer a de África, quer a Mundial – deveria ser dada por profissionais competentes, esclarecidos e com sentido crítico. Conheci alguns, nomeadamente o meu querido Amigo que assina os seus excelentes livros como Arjago. (https://www.youtube.com/watch?v=RQu_kSbiISI)

Provavelmente alguns dos intervenientes do Facebook  dirão que mencionar marido negro, amigo negro, lápis negro e outros etecetras negros são uma forma de ser racista.

 Provavelmente, em vez de disparar a artilharia, o ideal seria sentar e ler seriamente, textos produzidos por Angolanos de muita qualidade – como pessoas e profissionais – e aprender alguma coisa da História com os seus próprios conterrâneos, eruditos, cultos, sábios e mestres.

Ainda sofrendo o risco de ser chamada de qualquer outro -ista, reitero aqui a minha postura de aceitação da miscigenação. Ela é irreversível. Começou com os primeiros encontros entre povos. E com a globalização só irá continuar inevitavelmente. (Actualmente em Angola viam-se já casais de chineses com africanas, o que deixava muitos angolanos perplexos). De facto, tal como afirmara Einstein, é mais fácil desinstalar um átomo do que um preconceito.

Eu – continuo a aprender. E a receber lições de ódio e raiva – para as quais forneço como antídoto, gratidão e amor ao próximo. Mesmo que não percebam porquê.