A família que a criança merece ter

Não percebo grande coisa de política. Sei mais ou menos os “lados” em que alguns partidos) os mais conhecidos) estão e sei que é por causa dos seus ideais (a maioria deles também desconheço) e pouco mais. Voto de acordo com a minha consciência, em quem penso ser o melhor para o país, não penso em cores e lados. E depois das eleições lá vão eles todos contentes – governo e deputados – para a Assembleia da República ter os seus debates em que muitas das vezes é só para picar o outro do lado e parece que se esquecem que devem defender o melhor interesse das pessoas deste cantinho à beira mar plantado. E isto leva à questão que esta semana esteve em destaque – a adopção.
Mais uma vez a proposta para que casais do mesmo sexo possam adoptar uma criança foi reprovada. E a mim só me apetece perguntar: mas porquê? Que pessoas são aquelas que votam contra? Estarão a pensar nos interesses de quem?
Quando se discute uma questão destas, envolvendo crianças, é necessário pensar em qual das hipóteses/soluções será mais benéfico para elas. Mas a maioria dos que têm como dever discutir esta questão parece apenas estar preocupado com o facto de as crianças terem dois pais ou duas mães e não uma mãe e um pai como uma “família normal”. Pois bem meus caros, lamento ter de ser eu a dar a (má) notícia só que as ditas “famílias normais” estão em vias de extinção. Estão a ver, aquelas famílias com um pai e uma mãe e os seus filhos… Cada vez mais na família existe o pai, a mãe, o filho acompanhados pela madrasta e padrasto, mais os filhos do padrasto e o irmão mais novo (filho do pai e da madrasta), e os avós paternos e maternos mais os pais da madrasta e padrasto que o filho trata também por avós. Ou então já que a crise assim o obriga algumas vezes, temos um dos pais longe da família (estrangeiro ou não), a mãe fica com o filho na terra ajudada pelos avós. Ou ainda os pais (mãe e pai) vão à procura de uma vida melhor lá fora e os filhos ficam com os avós ou os tios, passando a ser estes uns pais para os filhos. E são apenas alguns dos exemplos de famílias que temos hoje em dia. Não serão famílias anormais ao contrário da “família normal”, são simplesmente famílias.
E quantos destes filhos criados e educados de maneiras nem sempre convencionais dizem que tiveram duas mães (a mãe, a avó ou a tia, seja quem for) ou que o pai foi o avô que os educaram. Será que temos de os internar em algum lado porque estão baralhados das ideias? Será que estes tinham de ser institucionalizados porque não tiveram uma “família normal”? Se receberam amor, educação, cuidados básicos, tudo o que uma criança deve receber para se formar enquanto pessoa, qual é a diferença se tiver crescido apenas com os avós ou com o pai longe ou com uma madrasta e padrasto e irmãos que não são irmãos? Não têm a sua família?

Vejo a adopção como um acto de amor, um acto em que é dado a alguém a oportunidade de crescer com todo o amor, educação e respeito que quem o trouxe ao mundo não quer dar ou não pode dar. Se já alguém disposto (e tem condições) para dar amor e educação, sejam homem ou mulher, dois homens, duas mulheres, um homem sozinho ou uma mulher sozinha, qual é o problema? Em adoptar?
Quantas crianças em instituições não devem querer alguém que cuide delas de forma permanente? Será que gostam de viver como vivem? Ou preferiam ter uma casa, um quarto, alguém a quem possam dizer “é meu”? Talvez se fosse fazer a pergunta: “gostas de viver na instituição?” algumas delas diriam que sim, seja porque nunca conheceram outra realidade, seja porque sabiam a realidade em que poderia viver ou viveram se não estivessem ali. No entanto penso que todas gostavam de ser adoptadas.

Se já chegamos à conclusão que casais do mesmo sexo não precisam de se esconder. Que podem unir-se legalmente (para mim é um casamento, mas tudo bem). E porque ainda deve existir quem acredito nisto, é um dado mais que provado (santa paciência para ignorantes), homossexualidade não é doença, não se transmite seja de que maneira for. Portanto qual é a diferença entre eles e um casal heterossexual?
Vivemos num mundo evoluído para umas coisas e tão retrógrado para outras. A criança tem o direito a ser feliz. A ter uma família.
Se pensarmos bem, todas as crianças que estão para adopção foram geradas por um pai e uma mãe, contudo estão na mesma numa instituição. Quantos homens e mulheres são pais e não o deveriam ser? E quantos homens e mulheres o querem e deviam ser e por burocracias não o são?

Se eu enquanto mulher sozinha posso adoptar uma criança (mesmo que apenas aos 30 e qualquer coisa de idade), essa criança não terá pai certo? No entanto é permitido por lei. E nada me proíbe, depois de adoptar, de ter uma relação seja com um homem ou uma mulher. Fazendo com que, caso tenha uma relação com uma mulher, a criança tenha duas mães. Ou será que alguém me vai dizer que pelo bem-estar da criança só me devo relacionar com homens (para que não haja a confusão de ter duas mães porque não é a dita “família normal”), de preferência da minha idade (para que a criança não sofra com a diferença de idades – podem dizer que é avô dela ou então irmão mais velho), com alguns bens já agora (assim a criança não será chamada de pobre e tem tudo o que precisa materialmente) e se possível com uma figura digamos apresentável (para não ouvir chamar de feio ou nomes piores ao “pai”). Se calhar até me dão uma lista de homens – tipo catálogo – e é só escolher de lá o futuro relacionamento. (o que admito era algo que facilitava a questão dos relacionamentos, mesmo antes da adopção mas esta é outra conversa)
Juro que pensava que Portugal tinha evoluído, mas vendo esta “problemática” persistir parece que não. As instituições fazem o seu melhor (espero pelo menos que assim seja) mas educar, ajudar a formar e sustentar (quer queiramos quer não é um grande factor hoje em dia) 20, 30 crianças em simultâneo não é fácil e nem sei se será totalmente possível. Temos o exemplo em que um professor muitas vezes não consegue ensinar (e controlar) uma turma de 30 alunos durante umas duas horas, agora é multiplicar isso 24 horas, 7 dias por semana.

Se o “medo” para que esta lei seja aprovada é a pressão a que a criança poderá estar sujeita, devo dar outra noticia quase em primeira mão: qualquer criança estará sempre sujeita às “bocas” dos colegas, seja porque é pequena, grande, magra, forte, usa óculos, tenha um pai, dois pais, uma mãe, viva com os avós, é filho de pais separados, etc, etc, etc. Essa criança irá lidar com isso conforme a educação e a estrutura familiar que tiver. Seja essa estrutura constituída por quem for. Não interessa quem, interessa como.

Espero sinceramente que da próxima vez que esta lei for à Assembleia da República seja FINALMENTE aprovada. E já vai tarde!! Basta desta pequeninez.

Porque essencialmente toda a criança merece uma família!