O Fenómeno dos Mondegreens

Bem vindo/a de novo caro/a leitor/a. Neste mês de Junho em que se celebra o dia de Portugal e se celebra igualmente o dia Mundial da Criança, o dia dos Melhores Amigos, o dia Mundial do Ambiente, o dia Olímpico, o dia da Multimédia e os Santos Populares, trago-lhe um assunto que não é muito discutido, mas que está presente em, praticamente, qualquer música que ouça. E interroga-se o/a caro/a leitor/a, “o que será isso?”. Ora, eu respondo-lhe, as letras! Mas não é qualquer letra, trata-se daquelas em que uma determinada palavra ou frase pode parecer outra. Confuso/a? Eu trato de o/a esclarecer durante a minha crónica de Junho. Vamos a isto.

Mondegreen-Logo

Sabe o que é um Mondegreen? Sim? Não? Pois para os que não conhecem eu explico, um Mondegreen é o que acontece quando se ouve uma determinada expressão, que não se encontra na letra dessa canção. Por exemplo, lembra-se da canção Patchouly da banda Grupo de Baile? A letra começa “Ai que bem cheiras/ que bem cheiras/ dos sovacos”, se reparar na música parece que o vocalista, Carlos Manuel Tavares, canta “Ai que peixeiras/que peixeiras/dos sovacos”. E o/a caro/a leitor deve estar agora a dizer “oh, que disparate, parece lá agora!”. Desafio-o/a então a ouvir.

Mas, antes de eu começar a mostrar-lhe mais casos de músicas em que este fenómeno acontece, deixe-me explicar-lhe um pouco mais sobre o que é isto dos Mondegreen. Ora bem, um mondegreen é uma interpretação errada da letra de uma música. O que acontece é que substituímos uma ou mais palavras que vêm nas canções, por outras semelhantes, com o mesmo som, dando um novo significado às músicas e criando novas letras. Este fenómeno dá-se, sobretudo, quando se ouve uma música ou um poema. Quem ouve, não entende bem a letra e, tem tendência a trocar uma palavra por outra, que seja semelhante e que faça sentido.

Listening

Foi uma escritora norte-americana que “descobriu” este fenómeno e lhe deu este nome, aliás o nome tem uma história bastante engraçada. Sylvia Wright inventou este termo num artigo publicado em Novembro de 1954 na Revista Harper, a que deu o nome de “The Death of the Lady Mondegreen”. O termo surgiu através de uma interpretação errada de uma balada escocesa denominada “The Bonnie Earl o Moray”. E surge devido ao último verso da quadra que aqui apresento:

Ye Hielan’s and ye Lowlan’s
O where hae ye been?
They have slain the Earl of Moray
An’ laid him on the green.

Em vez de “and laid him on the green”, Sylvia percebeu “and Lady Mondegreen”, uma interpretação original deste poema. O termo Mondegreen já foi inclusivamente introduzido em alguns dicionários norte-americanos, como o Merriam-Webster’s Collegiate Dictionary e no Random House Webster’s College Dictionary. Mas este fenómeno não acontecem só nos Estados Unidos. No Brasil, por exemplo, chama-se Virundum. E porquê este nome tão característico, pergunta o/a caro/a leitor/a? Este termo é derivado de uma interpretação errada do hino brasileiro. Em vez de “Ouviram o grito do Ipiranga às margens plácidas”, percebia-se “o virundum grito do Ipiranga às margens plácidas”.

Mas voltando ao artigo, Sylvia Wright defendia uma teoria, no mínimo, arrojada. Sylvia considerava que os mondegreens são superiores ao original, na sua estética. Como tal impõem-se sempre à versão original. E de certa forma a senhora tinha razão, a partir do momento em que ouvimos a versão mondegreen, dificilmente, conseguimos voltar a ouvir a versão original. A mim acontece-me com várias canções, nem todas são assim tão óbvias e não se conseguem sobrepor a versão original.

Mas vamos ao que interessa. Passo agora a dar alguns exemplos de mondegreens que acontecem tanto em músicas cantadas em português, como em músicas cantadas em inglês. Comecemos pelas cantadas em português. Já referi, anteriormente, o caso da música “Patchouly”, dos Grupo de Baile, mas há outras. Conhece a música (Para Ti) Maria, dos Xutos & Pontapés?

Na parte em que é cantada “Para ir mais amiúde”, às vezes e para um ouvido mais desatento pode soar a “Para ir mais a miúda”. Mas não é caso único nesta música. Onde se ouve “Dei comigo agarrado, ao ponteiro mais pequeno”, soa em algumas versões a “dei comigo agarrado ao porteiro mais pequeno”. Claro que neste caso, estar agarrado ao porteiro é muito mais engraçado, do que estar agarrado ao ponteiro. Continuando nos Xutos & Pontapés, a canção Homem do Leme, tem igualmente este fenómeno. Onde se ouve “E uma vontade de ir nasce no fundo do ser”, pode soar a “nasce no fundo do céu”. Mas também onde se ouve “No fundo do mar/ jazem os outros/ os que lá ficaram”, eu sempre ouvi “já sem os outros”.

Xutos & Pontapés
Xutos & Pontapés

Mas há outras músicas portuguesas em que existem mondegreens. É o caso dos Anjos e da música Quero Voltar. “Eu quero voltar/ao ponto de partida/quando éramos um só”, oiça bem se não parece “quando éramos um sol”. E não nos podemos esquecer que nas várias músicas de Quim Barreiros, aparece sempre este fenómeno.

E há músicas brasileiras que não escapam aos mondegreens, ou como lá se diz, aos virundum. Conhece a música Emoções, de Roberto Carlos? Se sim, talvez já tenha reparado que quando ele diz “são tantas já vividas/ são momentos que eu não me esqueci” pode soar a “são tantas avenidas/ são momentos que eu não me esqueci”. E Elis Regina? Pois é, Elis em Como Nossos Pais, canta “E você que ama o passado e que não vê”, há quem diga que ouve “E você que é mal passado e que não vê”, é no mínimo, uma versão muito original. E há quem diga que na música de Alexandre Pires, Depois do Prazer, em vez de “tou fazendo amor/com outra pessoa” ouve “tou fazendo amor/com oito pessoas”, mas seria muita gente junta.

Passemos às músicas em inglês, onde acontecem com muita frequência casos de mondegreen. Um dos casos mais referidos de mondegreen é na música, Livin’ on Prayer, dos Bon Jovi. Na versão original é “It doesn’t make a difference if we make it or not”, mas pode soar a “if we’re naked or not”. Outro caso que até é alvo de muitas brincadeiras na internet é a música dos Foo Fighters, The Pretender, dada a possível confusão entre “what if I say I’m not like the others” e “what if I say I’m not like the otters”.  Mas em músicas mais recentes continua a haver este fenómeno. A música de Meghan Trainor, All About that Bass é exemplo disso, dado que muita gente canta “I’m all about that bass no trouble” em vez de “no treble”, como é realmente. E também a Thinking Out Loud, de Ed Sheeran tem um mondegreen, embora este seja muito óbvio dada a confusão entre “I’ll be loving you until we’re seventy” e “we’re seventeen”. Afinal, entre amar até aos 70, ou até aos 17, vai uma grande diferença.

mondegreens, de todos os tipos, tamanhos e feitios, mas aqueles que nos fazem rir são no fundo os nossos favoritos. Na música Radioactive, dos Imagine Dragons, cantam “this is it the apocalypse”, mas pode soar a “the alpaca lips”. E o que dizer da Love in an Elevator, dos Aerosmith? Afinal, na parte em que Steven Tyler canta “Love in an elevator”, pode soar a “loving an alligator”. E diz-se que em Paradise, dos Coldplay, quando cantam “Pa-ra, Pa-ra, Para-dise” se pode ouvir “pair of thights”. Bob Marley pode também ter contribuído para a longa lista de mondegreens, com a música Jammin, em que se pode ouvir “We’re german” em vez de “We’re jammin’”. Esta foi uma sugestão de um vídeo do Tonight Show de Jimmy Fallon.

Tweet de Taylor Swif
Tweet de Taylor Swift

Para finalizar, a música que me levou a fazer esta crónica, a Blank Space de Taylor Swift, onde se pode ouvir “Gotta love the Starbucks lovers” em vez de “Got a list of ex-lovers”, como é realmente. Foi a versão mondegreen que muita gente cantou, incluindo a própria mãe da cantora.

E o/a caro/a leitor/a? Conhece outras músicas que possam ter mondegreens?

Sugestão do Mês:

Jimmy Hendrix
Jimmy Hendrix

No mês em que abordo os Mondegreen, fazia sentido eu sugerir uma música dentro do mesmo tema. Como tal sugiro a música Purple Haze de Jimmy Hendrix. “E onde está esse fenómeno nesta música?”, pergunta o/a caro/a leitor/a. Ora bem, onde Hendrix canta “Excuse me while I kiss the sky” ouve-se “Excuse me while I kiss this guy”. Aliás, o próprio Jimmy Hendrix reconheceu que soava assim e chegou a cantar essa versão ao vivo. Fica então aqui Purple Haze de Hendrix para ouvir e disfrutar este mês, juntamente com todas as outras músicas referidas nesta crónica.

Até para o mês que vem!
E já sabe, até lá, cante, e dance, ao som das suas músicas preferidas.