”Fim do governo PSD-CDS: contagem decrescente” – Nuno Araújo

A manifestação

A manifestação do passado Sábado, 15 de Setembro, marca indelevelmente o fim do governo PSD-CDS, encabeçado por Passos Coelho, Paulo Portas e Vítor Gaspar. Os dias do governo da coligação de direita chegaram ao fim.

A manifestação gigantesca que contou com muita gente de norte a sul do país, tendo mais de 100 mil pessoas (confirmadas pela PSP) no Porto, 20 mil em Coimbra. Em Lisboa, cerca de 500 mil pessoas mostraram que o governo e a Troika estão já no “fim da linha”, naquela que foi a maior manifestação de sempre em Lisboa, só suplantada pelo 1º de Maio de 1974, onde se reuniram um milhão de pessoas no Terreiro do Paço.

A oposição e alternativa ao PSD-CDS tem um nome: PS

O PS fez muito bem o seu papel de líder da oposição: anunciou voto contra no orçamento para 2013, e ainda disse que caso o governo PSD-CDS não recuasse na medida afecta à TSU (Taxa Social Única), o PS ver-se-ia obrigado a apresentar uma moção de censura ao governo. Assim, se quebram os laços que o PS tinha estabelecido com o governo; assim, o governo e o Presidente da República estão cada vez mais sozinhos a dançar com a Troika, ao som da sinfonia da recessão.

Refira-se que, de acordo com a Eurosondagem, o PS lidera as intenções de voto, numa sondagem feita para o Expresso, pela primeira vez desde as eleições de 5 de Junho de 2011.

Já ninguém acredita neste governo PSD-CDS (não esqueçamos as siglas partidárias que compõem o governo), que mexe na TSU para dispôr de 4 mil milhões de euros de folga orçamental (para quê, importa-se de explicar Sr. Gaspar?) e que apresenta um défice de mais de 6% das contas públicas, apesar de toda esta austeridade…para quê tanta austeridade, para quê?

Assim que as notícias vindas a público, no final de Agosto, de que a execução orçamental era deficitária, o Governo não conseguiu mais esconder a sua incompetência. A austeridade foi uma questão de duas semanas e, quando o seu anúncio se fez, uma enorme onda de contestação se levantou. Até a direita de Manuela Ferreira Leite, Pacheco Pereira e, quiçá mais importante, o CDS (por Paulo Portas, nomeadamente) se mostraram descontentes perante mais medidas de austeridade e sobrecarga de impostos, em que os trabalhadores são penalizados duplamente, primeiro por descontarem mais dinheiro para a Segurança Social, segundo porque para além de pagarem o diferencial que é reduzido na percentagem de contribuições para o patronato, ainda dão 2% de “bónus” ao governo. Medidas vergonhosas como estas não poderão ser explicadas por Vítor Gaspar, chamado a um conselho de estado em que Cavaco Silva só quererá, eventualmente, mostrar ao país a sua falsa pretensão de “apertar os calos” ao governo.

E mais: não, senhores desses laboratórios de ideias reaccionárias e neoliberais, não tentem enganar as pessoas. Primeiro porque as pessoas não são responsáveis pela dívida do estado português. Segundo, porque as pessoas não têm de se virar umas contra as outras. As pessoas não têm de consumir menos, nem de abandonar hábitos errados. É sabido que a esmagadora maioria dos portugueses já não passam férias fora de suas casas, e já não têm hábitos saudáveis para o espírito como ir ao cinema, ou ao teatro, ou tomar refeições fora de casa como outrora. A Troika roubou isso tudo aos portugueses, e agora é necessário que as pessoas retomem as suas vidas, que lhes foram tiradas em pouco mais de um ano de governo PSD-CDS.

PSD e CDS encabeçam um governo incompetente, e são os responsáveis por esta crise, porque a crise internacional até está a estabilizar, e Portugal já está em nono lugar no clube da bancarrota, de acordo com a tabela elaborada diariamente pela CMA Datavision (Portugal tem pouco mais de 30 pontos percentuais, face aos 50% que tinha em 1 de Agosto, numa tabela onde é bom ter cada vez menos percentagem e o melhor é nem constar dessa tabela).

A entrevista de Passos Coelho à RTP

A entrevista de Passos Coelho à RTP, a estação de TV que Passos pretende alienar, foi um deplorável espectáculo de televisão. Milhares de euros gastos, sem nada de novo para ouvir, numa entrevista em que o primeiro-ministro aproveitou para afirmar, por cinco vezes, que não recua na medida da Taxa Social Única. Mexer na TSU e fazer as empresas como o Continente descerem preços? Mas será que está tudo louco? Só se o Continente perceber que os portugueses já não têm mesmo dinheiro é que os preços descem! Mas, afinal, quem é que acredita ainda naquilo que este senhor, que infelizmente é nosso primeiro-ministro, diz?

Passos Coelho queixou-se da agressividade do PS. Como se houvessem motivos para o PS ser simpático para com as políticas deste governo…

Algo inacreditável é também o cansaço de Passos Coelho. Apareceu cansado na entrevista. Talvez cabisbaixo e sem energia, até. Talvez porque saiba daquilo que o espera. Certamente que só restará a Passos Coelho terminar o seu mandato com alguma dignidade, se é que tem essa capacidade.

António José Seguro, secretário-geral do PS, anunciou, uma hora antes da entrevista de Passos Coelho, um voto contra o orçamento de estado para 2013 e moção de censura. Paulo Portas não esconde desconforto no seio da coligação governamental com o PSD, e Passos Coelho assim tem muitos motivos não para estar cansado, mas sim preocupado e inseguro. Já nem os seus colegas de partido parecem acreditar nele…

Outras notas

Fruto de alguma pressão, até exercida por Durão Barroso, a votação do parlamento europeu referente à mudança do processo de secagem de bacalhau só vai ter lugar em Outubro, sensivelmente. A pressão ia no sentido de se evitar a mudança do tradicional processo português de secagem do bacalhau, por um escandinavo que consiste na utilização de fosfatos. No entanto, este adiamento da votação pode trazer boas notícias para os apreciadores de bacalhau. Veremos…

Durão Barroso, de resto, esteve muito activo nesta semana que passou. Esteve no parlamento europeu a debater o estado da UE com os deputados. “Não há que ter medo da palavra”, disse ele, ”temos de avançar para uma federação de Estados-nação”. Será que os senhores leitores leram a minha crónica de 11 de Junho deste ano “A crise unifica a UE” ? Nessa crónica, afirmo isso mesmo que Durão Barroso disse aos deputados na semana passada, e defendeu ainda a existência do modelo social europeu, que tem sido tão posto em causa ultimamente por agiotas neoliberais da alta finança mundial.

O Tribunal Constitucional alemão também decidiu favoravelmente ao Mecanismo de Estabilidade Europeu (MEE), e isso surgiu a par da descida em flecha dos títulos de dívida pública dos chamados países periféricos. Duas semanas depois de se ter visto o óptimo “efeito Draghi” (relativo à decisão de Mario Draghi, do BCE, em comprar dívida pública de alguns países europeus) na zona euro, Ted Bernanke do FED dos EUA anunciou um mega estímulo à economia americana. Bernanke lança mais um ambicioso programa de estímulo económico, que consiste em comprar 40 biliões de dólares em dívida pública americana, por mês, até que as perspectivas de emprego no país melhorem satisfatoriamente. Essas aquisições de títulos de dívida pública, e começaram na passada sexta-feira, juntando-se à já existente Operação Twist, em que o Fed vende títulos de curto prazo para comprar dívida do Tesouro de prazo mais longo, aumentando assim o prazo de maturação da dívida, como que restruturando a dívida existente.

Estas medidas, em clima pré-eleitoral nos EUA, só beneficia Obama, que em 2008 venceu as presidenciais norte-americanas, num clima de derrocada de importante parte do sistema financeiro americano, e que ainda tenta estabilizar e minimizar perdas.

A China só crescerá 7,8% neste ano de 2012, contra os 9,2% de 2011, 10,3% em 2010 e 8,7% em 2009. A verdade é que a trajectória chinesa é descendente, e essa curva explica-se pela retoma europeia, que dista mais ou menos seis meses.


Crónica de Nuno Araújo
Da Ocidental Praia Lusitana