Finesse e Vadiagem – Carla Vieira

Eu não sou muito de viajar. Viajar como quem diz sair de casa. Gosto muito de estar em casa a ver televisão ou no computador a escrever. Acho que é uma das melhores sensações do mundo poder estar sozinha, sem me preocupar com quase nada a não ser hábitos alimentares e a programação do AXN. No entanto, quando sou convidada a participar em eventos sociais, claro que não recuso a não ser que esteja quase a ter um fanico de doença.

Como ainda não tenho carta (sim, eu sei, “que vergonha” blá blá blá, poupem o vosso latim), a minha maneira de passear é usando transportes públicos. Ora quem anda de carro não sabe, mas há muito que se lhe diga acerca destas centopeias rodoviárias, como por exemplo a própria etiqueta a ter-se, a cuidadosa matemática dos lugares, ocupações aceitáveis e pessoas a evitar. Ah, e não esquecer que depende do transporte usado!

Para mim, a melhor coisinha a fazer é andar de Metro. Como utilizadora de vários transportes públicos, cheguei à conclusão que quem anda de Metro é de outra raça. As pessoas são geralmente bem-educadas, não existem filas (bem sabem que nós como bons Portugueses que somos detestamos filas), há sempre um Metro que vai para qualquer lado e não se tem de esperar mais de cinco minutos quando se chega atrasado à estação. As únicas excepções são a estação da Trindade e a Linha F nas horas de ponta. Aí cuidado que ainda ficam sem um braço ou uma perna. Mas claro, a perfeição não existe, e podem sempre apanhar outro Metro a outra hora.

Em contrapartida, os autocarros são as piores coisas à face da terra para se utilizar em conjunto com outros seres humanos. Eu sei que na altura dos meus pais as viagens de autocarros eram completamente diferentes, mas quando me vi obrigada a percorrer meia cidade enfiada naquele tubo feita sardinha enlatada, foi ai que percebi que não, as coisas já não se processam como antigamente.

Primeiro existe o problema dos velhos. Não me levem a mal, mas há velhos que deviam ser banidos dos transportes públicos. Ou são os que cheiram mal e porcamente e ai jesus, ou são aqueles que insistem em culpar “esta geração” por tudo e por nada. Desculpem-me lá mas não me apetece a mim nem a ninguém ouvir as vossas teorias da conspiração durante meia hora; vão mas é jogar xadrez para o parque.

No Verão também ninguém me apanha a andar no autocarro. Prezo a minha vida por demais e admiro quem tem a coragem e o desplante de apanhar o 207, mas eu não. Não basta ir esborrachada contra não-sei-quantas pessoas e levar com apalpadelas no rabo, ainda apanho com eau de sovaco nas narinas durante a viagem toda. Ah sim, as apalpadelas! Não sei não mas cá para mim não há rapariga por aí que tenha andado de autocarro e não tenha sido apalpada. Ou é “sem querer”, ou porque o autocarro vai muito cheio, mas a verdade é que os homens sabem bem onde põem as mãos e há sempre ali um honk honk despropositado.

Não obstante, há também o facto de quando o autocarro vai cheio e a rebentar pelas costuras, ou as pessoas querem entrar porque “há sempre espaço” até para os gordos, ou se empurram umas às outras porque claro, quando querem entrar é porque querem entrar, mas quando chega a hora de sair é que se lembram que não se conseguem mexer e aí se for preciso arrebentam com tudo e empurram toda a gente à lá perseguição de filme. Isto sem contar com as inúmeras ocasiões em que me ameaçaram a mim sem razão nenhuma, ou ameaçaram outras pessoas, também por dá cá aquela palha.

As diferenças são estas: andar de autocarro está para ir ao Via Catarina como andar de Metro está para ir ao Plaza. O Via Catarina pode ter imensas lojas e sítios para comer, mas nunca se irá comparar à calmaria do Plaza, com os seus banquinhos e o cafezinho de esplanada indoors.

Crónica de Carla Vieira
Foco de Lente