O flagelo da Violência Doméstica

Violência Doméstica. Derradeira prova de desespero, ódio e cobardia. Mesmo que o caro leitor esteja desatento em relação à actualidade noticiosa, certamente percebeu que a violência doméstica atingiu níveis absolutamente impensáveis para um país que se diz de civilizado, e de primeiro mundo. A responsabilidade de a combater é de todos nós: a sociedade não se pode ausentar de culpas! Se alguns casos eram impossíveis de prever outros há que têm tanto de óbvio que torna-se difícil de perceber como ninguém os denunciou antes. Vamos continuar a permitir que mulheres, homens e crianças faleçam nas mãos de seres cobardes e grotescos? O “Desnecessariamente Complicado” desta semana possui estatísticas assustadoras e uma grande dose de revolta interior para com este verdadeiro flagelo do século XXI!

Estão preparados para dados chocantes? Então cá vamos nós: segundo o maior inquérito europeu realizado até à data sobre violência contra mulheres (divulgado em Março de 2014) Portugal é o país onde é mais generalizada a percepção de que a violência contra mulheres é comum. Felizmente a taxa de incidência apurada na população portuguesa para violência perpetuada por parceiros (actuais ou passados) não foi a mais elevada no espaço europeu. Valha-nos isso.

Ainda assim, segundo o estudo, quase duas em cada dez mulheres portuguesas (19%) sofreram algum tipo de violência por parte dos respectivos companheiros. O questionário, que inquiriu 42 mil mulheres permitiu estimar que nos doze meses anteriores 13 milhões de mulheres em toda a Europa foram agredidas fisicamente e 3,7 milhões sexualmente. Uma em cada vinte mulheres disse ter sido obrigada pelo menos uma vez desde os 15 anos de idade a ter relações sexuais à força. Estes dados são assustadores, mas também permitem perceber que (infelizmente) este fenómeno não é apenas nacional.

Mas sabem o que é ainda mais grave? Se não sabem eu digo-vos: o mais grave é que parece que a tendência é para que estes dados piorem ainda mais! Calma, não estou a ser pessimista! Estou apenas a basear-me nos dados recentes que demonstram que uma percentagem muito significativa de rapazes e raparigas admitem já ter sido vítimas (22,5%) ou agressores (25%) nas suas relações de namoro. Ou seja, estamos a falar de adolescentes ou, no máximo, de jovens adultos. E isto preocupa-me ainda mais. Como é possível que jovens nascidos e criados em pleno século XXI (ou não muito antes) não tenham mais respeito e consideração por quem têm a seu lado?

E se em jovens já demonstram aptidão para a violência certamente que em adultos não serão diferentes. Um adolescente que maltrata (verbalmente, fisicamente ou psicologicamente) a sua namorada será um adulto sem qualquer respeito pela sua futura mulher/companheira. E uma adolescente que aceita que alguém a agrida verbalmente, que a empurre de umas escadas ou que a force a ter relações sexuais será certamente mais uma vítima de violência doméstica a engrossar as assustadoras estatísticas. E até que ponto é que uma criança, que passa a sua curta existência a assistir a cenas de violência, não possui mais probabilidade de no futuro ser, ela própria, também agressora?

Mas e quando, finalmente, as vítimas ganham coragem e denunciam a pessoa com quem partilham a intimidade há diversos anos o que acontece? Em muitos dos casos nada. Parece ridículo, mas é verdade. Infelizmente Portugal tem uma lei que é ineficaz e que não pune exemplarmente os agressores.

São demasiados os casos em que as vitimas acabaram gravemente agredidas, ou mesmo assassinadas, porque a justiça foi demasiado lenta. Foram demasiadas as mulheres (e homens, porque também os há) perseguidos pelos (as) ex-companheiros (as) apenas porque perceberam que aquilo que tinham estava longe de ser uma relação saudável. Foram demasiadas as crianças a assistir de perto a violência que nem na televisão deveriam assistir, ficando por esse motivo para sempre traumatizadas.

Mas também existem casos de “sucesso” (sim, com aspas, porque estando nós a falar de violência, não existe verdadeiro sucesso como podem imaginar). Casos em que a justiça funcionou. Casos em que a ajuda chegou a tempo. Casos em que uma denúncia anónima de um amigo (ou vizinho) pode ter sido crucial para salvar aquelas vidas. Pena que sejam tão poucos tendo em conta os números globais que acima mencionei.

violência doméstica

Voltemos às estatísticas. Por exemplo, o caro leitor sabia que mais de 300 agressores usam hoje a pulseira electrónica devido a casos de violência doméstica? Mas digo-lhe mais: quando se completam quatro anos de recurso à pulseira no âmbito da violência doméstica, são 319 os arguidos que se encontram sob vigilância electrónica. E não pense que os dados são animadores uma vez que são mais 23 do que os registados a 31 de Dezembro do ano passado. A Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) assinalou que, de 2009 a 2014, a taxa de sucesso da aplicação da vigilância electrónica (para impedir o contacto com a vítima de violência doméstica) é de 96,64 por cento.

Ou seja, esta pode ser uma possível solução para este autêntico flagelo. E isso é como que uma luz ao fundo do túnel para as mulheres, para os homens e para as crianças que lutam para sobreviver dia após dia. Contudo, já todos nós ouvimos relatos e notícias de casos em que a pulseira electrónica foi ineficaz e não cumpriu aquilo para que foi concebida. Qual é, portanto, a conclusão? Embora as estatísticas neste caso específico sejam positivas, a verdade é que esta não é uma solução 100% eficaz.

Felizmente existem diversas associações e fundações que dão diariamente o melhor de si para ajudar quem tanto sofre sem nada dizer, sendo por ventura a mais conhecida de todas (sem ofensa para as restantes, valorizo e aplaudo em igual dose o trabalho de todas) a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). Todos os elogios, e apoios, são poucos para quem encontra tantos entraves para fazer o bem e espalhar a sua mensagem de paz e bem-estar.

É urgente abrir mentalidades e demonstrar que a violência doméstica tanto acontece num lar onde o salário raramente chega ao fim do mês como num lar onde se perdem de vista os zeros na conta bancária. É urgente contrariar a crença popular de que ter a quarta classe é meio caminho andado para se ser um agressor e que um canudo na estante da sala é sinónimo de boa educação e respeito por aqueles que o rodeiam. É urgente fazer ver os políticos deste país que a actual lei não é eficaz pois não serve os interesses das vítimas e não pune tanto quanto deveria os agressores. É urgente mostrar o quanto sofrem as crianças que crescem num lar onde a violência está sempre presente. É urgente encontrar uma alternativa para que quem ganha coragem e denuncia o seu agressor não tenha de voltar para essa mesma residência e continuar a ser alvo de ataques constantes. É urgente.

Se há assunto que devia de ser prioritário é este. Nada é mais urgente que combater a violência doméstica. Uma lei eficaz, juntamente com uma consciencialização das crianças, adolescentes e jovens adultos podem ser os passos necessários para reduzirmos as assustadoras estatísticas e salvarmos milhares de vidas de forma directa e indirecta! Será um percurso duro e cheio de contrariedades? Claro que sim. Mas penso que todos concordamos que algo mais tem de ser feito!

Violência Doméstica

Tenho a sorte de não ter qualquer caso de violência doméstica na minha família nem no meu círculo de amigos (pelo menos que eu saiba, evidentemente). Mas muitos não podem dizer o mesmo. Para esses (e essas) vai a minha força (na única forma que consigo: a crónica). Tenham coragem, não desistam de lutar e nunca compactuem com violência seja ela de que tipo for. Para os que têm conhecimento (ou suspeitam) de casos de violência doméstica: façam algo. Tentem ajudar, seja de que forma for. Por vezes ajudar não se limita a denunciar o caso às autoridades. Tente perceber qual a melhor forma de actuar dado que um passo em falso pode ser ainda pior para todos os envolvidos.

Termino com uma referência aquele que considero ser o mais brilhante vídeo sobre violência doméstica em Portugal. Tem como título “Quem te ama não te agride” é da responsabilidade Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, foi lançado no passado mês de Fevereiro (precisamente no Dia dos Namorados) e conta com variadíssimas caras conhecidas da nossa praça que aceitaram defender esta causa. Vejam e partilhem, pois se há causa que vale a pena é esta: https://www.youtube.com/watch?v=CxeTVQFURxA

Boa semana.
Boas leituras.
E nunca se esqueçam que: “quem te ama não te agride!”