FN: Crónica de uma derrota com sabor a vitória

A Frente Nacional, na segunda volta, perdeu em todas as regiões, nas eleições regionais francesas. A desistência dos candidatos do PSF de Hollande em favor dos candidatos dos Republicanos de Sarkozy em melhor posição para vencer o escrutínio aos candidatos da Frente Nacional (FN), assim como um aumento da participação dos eleitores em França, permitiu derrotar todos os candidatos do partido liderado por Marine Le Pen. Porém, o partido neofascista cresceu e atingiu valor de votos a nível nacional semelhante ao do Partido Socialista Francês (PSF).

A soma desses votos da FN permitem afirmar que o bipartidarismo em França terminou. De resto, esse fenómeno verifica-se um pouco por toda a Europa (Espanha com Podemos e Ciudadanos, Reino Unido com o UKIP), e nos países onde tal não ocorreu, terá havido sempre um pequeno partido a subir a pique nas votações (Syriza na Grécia, BE em Portugal).

Foi bom ver que as forças ligadas à Liberdade, Igualdade e Fraternidade (lema da República Francesa) se uniram em torno da vontade de derrotar a FN. Porém, muito provavelmente, terá sido bem melhor para a FN não ter ganho qualquer das regiões onde concorreu, pois assim está de “mãos limpas” para continuar a capitalizar votos de descontentamento de cidadãos por ventura mal esclarecidos e descrentes nos partidos de Sarkozy e de Hollande. Seria um bom exercício para os franceses votantes na FN verificarem os resultados do choque criado pela governação dessa extrema-direita confrontada com a realidade do dia-a-dia das pessoas, e que evidentemente faria de França um país isolado, tendencialmente securitário e com reduzida dinâmica turística e cultural. Enfim, França ficaria bastante próxima daquilo que é a Hungria de hoje em dia.

Sabendo disto, o meu entendimento é de que a sociedade francesa mudou, e muito, de há uns anos para cá. Agora há uma parte da juventude, significativamente importante, que tem votado maioritariamente à direita, isto se somarmos os votos nos Republicanos e FN. Se é uma evidência o crescimento da direita francesa, onde se inclui a parte mais extrema encabeçada pela FN, também será verdade que esse fenómeno reduziu a esquerda a valores residuais, isto se retirarmos o PSF de Hollande desta análise.

Registo com preocupação o autêntico descalabro da esquerda francesa, onde se inclui o PSF. Os partidos ligados aos sindicatos, como o Parti de Gauche, e mesmo os EELV (“Verdes”) atingiram valores residuais nestas eleições. A verdade é que a esquerda falhou redondamente os seus objectivos, nos últimos anos em França, um pouco como no resto da Europa. O facto de o governo de Hollande não ter conseguigo criar emprego nem ter oferecido condições para uma vida digna de milhões de jovens em França criou um “virar de costas” do eleitorado à esquerda. Por exemplo, em Nord-Pas-de-Calais-Picardie, a FN obteve mais de 40 por cento dos votos (com Marine Le Pen), e a esquerda, que durante tantos anos viu o Partido Comunista liderar a região, saiu imensamente derrotada, numa zona a braços com uma taxa de desemprego superior a 20 por cento. Hollande não resolveu o que Sarkozy deixou acontecer – a desmantelação da indústria transformadora na região de Nord-Pas-de-Calais, e Marine Le Pen já soube colher uma parte significativa de votos de protesto.

Que esquerda temos em França? Uma esquerda fraturada e fraca em expressão do número de votos. Pois há que apanhar os destroços, após esta queda vertiginosa, e repensar o próprio contrato social. Há que questionar se fará sentido para a esquerda dita mais moderada continuar a fazer política económica à direita, e não antes agir por forma a diferenciar-se da direita. Não bastará, concerteza, a Manuel Valls, primeiro-ministro francês, anunciar medidas para o emprego em Janeiro. Isso já não chega, porque agora os franceses querem tudo: segurança, emprego, direitos. A esquerda moderada deveria ser isso mesmo, ser de esquerda mas com moderação nas políticas defendidas.

Ora, o que se tem visto de Hollande é uma reprodução das ideias económicas e financeiras do último mandato de Sarkozy como Presidente, e isso está completamente errado. A via de Hollande deveria ser um reforço do papel do Estado Francês enquanto promotor de criação de emprego, nomeadamente junto das grandes empresas automóveis, tecnológicas e industriais, actuando em consonância com as escolas e universidades formadoras dos trabalhadores do amanhã. Só assim é que a esquerda, de uma forma mais moderada ou mais reivindicativa, irá reconquistar a confiança do eleitorado francês.

Uma palavra para a esquerda à esquerda do PSF. Enquanto a esquerda continuar em França a “fechar-se numa concha”, não poderá crescer. Os partidos à esquerda têm de se renovar e sair da sua zona de conforto, que são os sindicatos. Esses partidos têm de se modernizar, adaptar os seus discursos às pessoas mais jovens e encontrar formas de expressão e canais de comunicação diferentes, como as redes sociais, por forma a que consigam transmitir as suas mensagens. Fazer política hoje em dia tem muito mais a ver com a forma certa de comunicar as ideias. Talvez os jovens não queiram grandes “floreados” na hora de se lhes explicar o que um partido defende para o país e para a própria juventude, talvez os jovens queiram usar o seu tempo com outras coisas. Numa sociedade francesa muito alterada face aos atentados ocorridos neste ano em Janeiro e Novembro, a esquerda deve dizer de forma simples e directa aquilo que defende; para o PSF será necessário fazer um distanciamento face às políticas económicas da direita, e só isso será tão árduo e trabalhoso como também será meio-caminho andado para uma recuperação real de eleitorado e de esperança, numa França onde neste Domingo que passou…na verdade, ninguém venceu.