“França, Grécia, Portugal e o Zoete Ounce” – Nuno Araújo


1. França

Viva François Hollande, viva o Partido Socialista francês! A vitória de François Hollande era já esperada por muita gente, mesmo por aqueles que não a queriam encarar de frente…Boas férias Nicolas Sarkozy, esperemos que não tenha pressa em voltar!

Voltemos à política. François Hollande, “homem perigoso” para a revista The Economist, também é o novo presidente da República Francesa, e terá de lidar com alguns problemas bem delicados: relacionar-se com Angela Merkel (ou não), como lidar com a União Europeia (UE), reduzir a taxa de desemprego bastante próxima dos 10 por cento (mais de 4 milhões de desempregados) e lidar com partidos vários que apoiaram Hollande e os socialistas franceses.

a) Angela Merkel: que relação estabelecer? É difícil ter uma resposta na ponta da língua. Merkel é líder do país mais rico e mais poderoso da UE, em termos económicos e não só, e França é o segundo mais próspero. Na opinião do agora presidente francês, “Merkel dirigiu a Europa com Sarkozy e vimos os resultados”, logo esta opinião parece não ter nada a ver com a vontade de estabelecer negociações com Merkel, que num primeiro momento respondeu a Hollande com um “o tratado (orçamental europeu) é inegociável”, para depois mudar a opinião acerca das políticas de crescimento da UE. Hollande riu por último, e ainda disse: “Merkel mudará ainda mais”. É difícil pensar num pacto de amizade, entre Merkel e Hollande, ou a direita cristã alemã coligada versus esquerda moderada e radical francesa. Porém, as eleições alemãs serão já no próximo ano de 2013, lá para Setembro ou Outubro, e Sigmar Gabriel (líder do SPD, centro-esquerda) já se prepara para governar.

b) Como lidar com a União Europeia? A França é a 2ª economia europeia em termos de PIB, logo será de estranhar que se apresente aos demais países europeus como “país em igualdade de circunstâncias”. Todos os países da UE sabem que a França aspira a uma liderança mais ou menos natural, porém com uma substancial maioria de países com governos de “direita ideológica”, Hollande terá de esboçar primeiro contactos formais e cordiais, para preparar uma liderança democrática, ou seja, uma liderança que propõe e que nada impõe, ao contrário deste último eixo franco-alemão “Merkozy”.

c) Reduzir taxa de desemprego de 10 % ! Este é um enorme desafio, quiçá o maior desafio que se põe perante a presidência de François Hollande. Estando a França com ratings de AA (que já foram de AAA) e desemprego a crescer consecutivamente, os socialistas franceses sabem bem que a resolução deste problema passa pela alteração do rumo das políticas para o crescimento europeu. Talvez um primeiro passo certeiro de Hollande seja o de impedir que a taxa de desemprego cresça. Depois, lembremo-nos de que algumas empresas multinacionais francesas(Renault, por exemplo) há algum tempo que já decidiram expandir negócio e produção mas à custa de fábricas na China, logo Hollande tem de “reconquistar” os seus compatriotas e convencê-los a criar postos de trabalho no “héxagono”. As reformas estruturais no sector do estado francês, a par da redução da dívida pública, poderão inviabilizar uma estratégia de grandes dimensões. Aliás, nesse sentido, justamente será de equacionar por parte dos socialistas franceses um plano de fomento às indústrias várias que significaria, por exemplo, um plano de criação de emprego a grande escala, até porque a UE vive muito do consumo interno que advém de produção em massa,não esquecendo os benefícios do ritmo forte com que exportava mercadoria para todo o mundo.

d) Lidar com partidos vários que apoiam PS francês? Hollande disse já que quem o apoiou irá integrar solução governativa. Mas creio que Hollande, que não queria mas vai ter de formar um governo com algum pendor ideológico, terá um grande problema inicial: estabelecer um acordo político com a Frente de Esquerda de Jean-Luc Mélenchon, que obteve 11,1% dos votos da 1ª volta das eleições presidenciais de França, e outro acordo com o centrista François Bayrou, com 9,13% de votos. Bayrou terá usado “estratégia de charme” quando declarou, publicamente, o seu apoio a François Hollande para a 2ª volta das eleições, tentando dessa forma ganhar espaço e visibilidade pública para integrar pasta de destaque no próximo governo francês. Bayrou sabe que Mélenchon garantiu mais votos, e por isso, o centrista dificilmente conseguirá fugir ao espectro do “terceiro excluído”. O “abraço do urso” de Hollande e dos socialistas franceses será uma questão de tempo até aparecer, pois os pequenos parceiros de coligação e/ou apoiantes ou cessarão o apoio a Hollande ou se cingirão ao seu papel na estrutura política ainda a ser desenhada; o futuro, esse, é uma incógnita, minhas senhoras e meus senhores.

2. Grécia

A Grécia está mesmo em apuros. País que passou mais de trinta anos com dívida pública só sustentada devido aos ventos favoráveis dos mercados mundiais (primeiro passou pela “guerra fria”, depois assistiu à queda do muro de Berlim, depois apareceu a fase do “crédito fácil” , até chegar à fase da industrialização massiva da China). Bancos norte-americanos, pelo que se vai dizendo de vez em quando pela imprensa mundial, esconderam os défices sucessivos dos orçamentos de estado gregos, logo permitindo o acesso da Grécia a crédito.

Crédito grego mal-parado: um aparelho de Estado enorme, desfasado da realidade, com uma quase 10 por cento da população a ser funcionária pública (loucura!), num país com centenas de funções repetidas em outros tantos cargos dirigentes, atribuição de subsídios “fantasma” (será que sabem da história de um polícia que se despediu do seu emprego, com 54 anos, e que inventou que tinha 19 filhos só para ter subsídios; ou daquela história dos 700 falsos invisuais numa ilha grega?).

Mas a Grécia não é um país do “faz-de-conta”. É um país onde ainda muita gente trabalha a sério. Panagiotis Karkatsoulis foi eleito, por peritos americanos na matéria, como melhor funcionário público do mundo, após ter perdido dois terços do seu salário, vencendo agora pouco mais de mil euros. Patriotismo? Não sei, mas creio que se trata de gente com valor.

Das eleições gregas, e tenho pena de dizer isto, mas pouco interessam os resultados. Basta que a Troika ponha uma outra música a tocar na “Jukebox” e a Grécia e os partidos Nova Democracia e PASOK “dançarão a música que a Troika puser a tocar”. Com coligações ou sem coligações, a Grécia afunda-se em dívida, em austeridade, em desemprego, em miséria, em desumanização. Afunda-se. O berço da civilização europeia é, hoje, o berço da “dividocracia” europeia.

3. Portugal

Dedico a parte final da minha crónica ao nosso país, Portugal. Apesar de milhares e milhares de portugueses andarem loucos com as promoções de um supermercado holandês (Zoete Ounce, em português Pingo Doce), que até se tornou em matéria de projectos de resolução de assembleia da República e em objecto de trabalho por parte de todos os humoristas do país.

Mas para mim o facto mais importante da vida portuguesa da semana passada não foi sequer o título de campeão do FC Porto: foi antes o leilão de dívida pública ocorrido no dia 2, Quarta-feira. Esse leilão de dívida pública correu tão bem que os juros a 2 anos estão já nuns 8,090 por cento, o valor mais baixo antes de Portugal pedir ajuda externa. Isto significa que nunca, como agora, foi tão provável que Portugal consiga obter de novo acesso aos mercados já no ano que vem, 2013. E, de igual modo, que Portugal consiga livrar-se do “chicote” da Troika, que continua a devastar Portugal. Mas Portugal erguer-se-à de novo, porque as suas mulheres e os seus homens não desistem e não viram a cara à luta.

(Nota: Como escrevo este texto no Sábado, espero não me ter enganado nos “cavalos” em que apostei…senão tudo o que acabou de ler é pura ficção! Parabenizo o FC Porto e o Real Madrid pelos seus títulos de campeão, e o Zoete Ounce pela coima ridícula que irá pagar por ter feito “dumping”. )

Crónica de Nuno Araújo
Da Ocidental Praia Lusitana