Frozen & 12 Years a Slave

Este mês continuamos com os pés presos em 2013. Janeiro não é um mês forte em termos cinematográficos, está tudo mais preocupado com os Globos de Ouro e com a futura cerimónia de Óscares… e alguns filmes de 2013 só estão agora a chegar ás salas portuguesas. Hoje escolho dois filmes bastante díspares mas bastante relevantes. Deixe-se congelar com Frozen e leia ainda a review de 12 Years a Slave.

 

Frozen – O Reino do Gelo

Uma irmã com poderes estranhos, uma rapariga que se apaixona facilmente, um príncipe desencantado,  um tipo que não é drogado mas que fala com um alce e um boneco de neve com tendências suicidas… podia ser um filme qualquer mas é da Disney, e por isso transforma-se em magia à frente dos nossos olhos.

MV5BMTQ1MjQwMTE5OF5BMl5BanBnXkFtZTgwNjk3MTcyMDE@._V1_SX640_SY720_Titulo Original: Frozen

Ano: 2013

Realizadores: Chris Buck, Jennifer Lee

Produção: Peter Del Vecho, John Lasseter, Aimee Scribner

Argumento: Jennifer Lee, Chris Buck, Shane Morris, Hans Christian Andersen (livro)

Actores: Kristen Bell, Josh Gad, Idina Menzel

Musica: Christophe Beck

Genero: Animação, Aventura, Comédia

 

Ficha técnica completa em:

http://www.imdb.com/title/tt2294629/

Todos nós temos a nossa ideia de “Era de Ouro” da Disney, normalmente associamos esta mesma era à nossa infância onde crescemos com muitos dos clássicos. Alguns dizem que esta era nunca acaba e que se estende desde o momento em que temos a primeira experiência. Sinto-me desligado do panorama actual da Disney, a minha era já há muito que passou. Cresci a ver Rei Leão e O Corcunda de Notre Dame, que considero os pilares do cinema de animação. Cresci também com Toy Story e Uma Vida de Insecto da Pixar e tenho acompanhado o desenvolvimento do primeiro com bastante alegria com a conclusão da trilogia.

O meu desligar com a animação da Disney ocorreu talvez depois de Treasure Island (que também considero um grande marco da animação), a partir daí a minha visualização de filmes da Disney tornou-se intermitente, talvez a concorrência com outra empresas tenha tirado um pouco da magia, a necessidade de fazer um filme de pinguins porque as outras companhias também o fizeram, ou outros exemplos lá pela selva africana independentemente de quem imitou quem. É claro que os filme das Disney são para toda a família e para todas as idades, no entanto, para mim existiu um desligar, o que não quer dizer que não tenha desfrutado de UP – Altamente!, especialmente dos primeiros 5 minutos, ou de Entrelaçados.

Ver Frozen foi o regressar à magia da Disney. E acredito que a própria Disney também tenha regressado à sua qualidade como o faz todos os anos. É um filme que se debruça sobre variados temas, mas destaca-se por ser um dos primeiros a questionar o ponto essencial em muitos dos filmes que a Disney já produziu, o amor à primeira vista. Pormenor que ao longo da história do cinema tem adquirido a escala da quase bizarria… basta pensar no primeiro filme da Disney, A Branca de Neve, quantas pessoas beijariam um cadáver de uma rapariga que não conhecem dentro de um caixão de vidro numa floresta? Possivelmente nenhuma… é um filme que parece auto-criticar sucessos anteriores com esta ideia de que o amor constrói-se, por mais certo ou errado que possa parecer para alguns.

É uma história também ela fortemente vincada pelo sentimento de família e que esta se pode manifestar de diversas formas nem sempre, e como é habitual na fantasia, só entre humanos. A história gira muito à volta destes conceitos e como sempre faz parte da natureza da Disney embelezar o resultado final. A trama como sempre é uma versão mais animada de um conto clássico de Hans Christian Andersen, The Snow Queen. A Disney é perita em transformar histórias clássicas para adaptações mais próxima do que será saudável para crianças deste século. Como sempre sabemos que o final será feliz mas são as pequenas liberdades artísticas que fazem a diferença e o grande plot twist (que obviamente não vou revelar) e que demarca um pouco o sentimento do filme.

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É preciso destacar que uma das personagens mais interessantes é de facto o pequeno boneco de neve, Olaf. Protagoniza as cenas mais cómicas e como sempre é aquele modelo de mascote estranha que está em quase todos os filmes de animação para aliviar a componente mais escura do filme e ocasionalmente fazer pensar sobre questões morais das personagens. É uma das personagens mais interessantes em muitos anos de animação devido à ignorância face à sua condição que o impossibilita de ver que sendo um boneco de neve não se pode aproximar de fogo ou apreciar o sol. Uma perspectiva diferente do que esperaríamos de um boneco de neve noutro filme. Todas as personagens de maneira ou de outra propiciam um certo grau de familiaridade dependendo das motivações de quem vê.

A animação lembra Entrelaçados em muitos aspectos, mas isso não é algo a apresentar de negativo, talvez ainda exista outra teoria de John Negroni sobre o universo Disney que nos possa explicar esta semelhança. É claro que existe uma melhoria na animação embora no estado actual seja tão boa que poderá ser quase imperceptível.

Denote-se que vi este filme na sua versão original, impossibilitando assim que possa criticar, o que sem dúvida seria de forma positiva, o trabalho da equipa de dobragem em português. Embora ache que ninguém ainda tenha vencido a dobragem de Rei Leão, que curiosamente foi a primeira dobragem portuguesa (de Portugal) de um filme da Disney e considerada a 2ª melhor a nível mundial (um bom começo pois nunca mais pararam). A dobragem original está como seria de esperar muito boa com um elenco variado com Kristen Bell e Idina Menzel na vanguarda com os papeis principais.

Sobre a musica muito há a dizer, sem duvida que mantém o tom clássico da Disney mas os próprios temas estão modernizados quer em termos de letra como pela adição de alguns pormenores contemporâneos às musicas. É um conceito difícil de explicar mas nota-se uma certa diferença musical embora a magia da Disney permaneça.

Frozen é um produto final que ultrapassa algumas barreiras Disney em termos de argumento, pela originalidade dos seus personagens e a capacidade de moldar uma história tão rica e descortina-la em pouco mais de hora e meia. É na música e na animação que o filme poderá eventualmente consagrar-se em pleno estando nomeado para os Óscares na categoria de melhor filme de animação e canção original com “Let It Go”. Esperamos para ver o resultado embora possa arriscar que a concorrência pode não ser forte o suficiente…

Desolation of Smaug8,0

 

12 Anos Escravo

Um filme sobre a condição humana que nos faz pensar se não estamos com um pé em 1841…

 

MV5BMjExMTEzODkyN15BMl5BanBnXkFtZTcwNTU4NTc4OQ@@._V1_SX640_SY720_Titulo Original: 12 Years a Slave

Ano: 2013

Realizador: Steve McQueen

Produção: Dede Gardner, Anthony Katagas, Jeremy Kleiner, Steve McQueen, Arnon Milchan, Brad Pitt, Bill Pohlad

Argumento: John Ridley, Solomon Northup (livro)

Actores: Chiwetel Ejiofor, Michael K. Williams, Michael Fassbender, Benedict Cumberbatch, Paul Giamatti, Brad Pitt

Musica: Hans Zimmer

Género: Biografia, Drama, História

 

Ficha técnica completa em:

http://www.imdb.com/title/tt2024544/

Em primeira instância estamos de facto na presença de um candidato aos Óscares. Claro que podemos argumentar que preenche os típicos requisitos, é um filme parado com diálogos ricos, representações marcantes e temas actuais. Muitos dizem que este filme é a resposta a Django Unchained, outros dizem que o complementa. É claro que as direcções de ambos os filmes são diferentes e embora toquem o mesmo tema não são nada um ao outro.

12 Years a Slave é um filme que fala sobre grandes temas, o tráfico humano e a escravatura, e fá-lo de forma exímia. Um testemunho impressionante sobre a condição humana num período da História que não pode ser esquecido, a eminente guerra civil entre o Norte e o Sul dos EUA. Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), o protagonista do filme, é um negro que de alguma forma ascendeu na sociedade americana pelo meio do seu talento com o violino. É então atraído para uma cilada e acaba a trabalhar como escravo nas plantações de altos proprietários. O filme acaba por desenvolver-se a partir desse ponto, mas o que nos primeiros minutos parecia ter um maior grau de acção acaba por se tornar num filme de óscares que não é para todos. É um filme bastante merecedor de nomeações, com grandes peças de diálogo numa realidade crua e altamente credível sem que exista no entanto demonstração de violência altamente gráfica, no entanto, é na sua maioria parado com algumas alterações de ritmo bastante agudas mas que contribuem para a sua construção.

É um filme que se centra muito na sua personagem principal, o que é bastante óbvio uma vez que é um relato biográfico, no entanto, os outro intervenientes passam na sua maioria demasiado rápido para ter uma verdadeira noção da sua personalidade. É claro que muitas das pessoas que passam na nossa vida desaparecem com a mesma facilidade mas numa obra da Sétima Arte muitos destes indivíduos parecem ter sido menosprezados em prol da perspectiva biográfica que se impõe à audiência. Provavelmente muitas destas personagens tinham mais para dar, mas talvez este problema não seja do filme mas sim da obra onde é baseado.

É desde logo evidente que este não é um filme que simplesmente agrupa as personagens nos seus respectivos papéis. Não é apenas um testemunho de duas frentes, a frente racista e a que luta pela liberdade. Existem vários graus desse mesmo racismo e cada personagem que luta pela sua permanência ao longo das duas horas e pouco de filme não se define apenas com rótulos de “racista” ou “não racista”. É um filme que vai mais longe, analisando cada individuo nos seus termos, o “branco” não é aqui o mau da fita, é sim o humano possuidor de diversas caras sem olhar a raça nem a generalizações. Mas é claro que todo o filme tem um vilão e a personagem interpretada por Michael Fassbender preenche perfeitamente os requisitos não só pelo seu pensamento racista como pela sua natureza alcoólica e imprevisível bem representada pelo actor. Os papeis de Benedict Cumberbatch e Brad Pitt pecam por falta de screen time embora sejam importantes de uma forma geral para evitar a generalização que o filme podia causar em relação ao “homem branco”.

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No entanto, a figura do filme é sem dúvida Chiwetel Ejiofor, o actor que dá vida ao próprio Solomon Northup. A representação é soberba, realista e de levar às lágrimas num papel que não é nada fácil de construir e de transparecer. O actor britânico (que embora de nome não pareça) habilita-se a receber a tão afamada estatueta dourada juntamente com o realizador, que confirmando-se a suspeita de muitos dos analistas dos óscares será o primeiro realizador negro a receber tal prémio.

Quanto a música não há muito para dizer a não ser louvar Hans Zimmer pela sua performance que sem dúvida se destaca de outras produções onde participou como a trilogia de Batman de Christopher Nolan. Estamos sem dúvida já habituados ao trabalho notável e em constante mutação do compositor.

12 Anos Escravo é um filme para a lista dos óscares que sem duvida trás o que de melhor se pode pedir com a sua abordagem a temas, que embora presos ao século XIX pelas barreiras da historia, acaba por apresentar um panorama com o qual nos podemos familiarizar e de certo transpor para a actualidade porque nem o tráfico humano nem escravatura cessaram de existir e enquanto a memória for fresca mais possibilidades há de não os deixar passar ao lado…

 

Catching fire8,5

Mais cinema para o próximo mês já com os vencedores dos óscares…

Artigo de Luís Antunes