Gestores preparados para a crise e austeridade?

Já tinha abordado este assunto antes: em momentos difíceis, de crise, é que se revelam os bons gestores. E este período de austeridade veio provar que muitos deles não sabem gerir em situações de aperto.

São vários os casos conhecidos de empresas que encerraram durante este período não porque a crise lhes tirou lucro substancial, mas porque as dificuldades colocaram a nu a má gestão que há muito tinham. E quando se começa a levantar uma pedra para conseguir entender o que aconteceu, começa-se a encontrar evidências dessa má gestão: contas que nunca bateram certo, despesas injustificadas, investimentos realizados sem risco calculado, gestores a usarem valores e meios das empresas em proveito próprio, etc.

Nas mais pequenas empresas talvez não se note tanto, a não se para quem lá trabalha (e nem sempre). Quando estas pequenas empresas fecham, o português comum resigna-se ao triste fado: “é a crise”. Provavelmente se não se resignasse, descobriria que a empresa já estava mal antes da crise chegar.
Mas nas empresas grandes, devido à sua exposição mediática, é mais evidente. Como primeiro exemplo, podemos falar da Moviflor. A empresa não resistiu à concorrência de outras marcas (nomeadamente o IKEA) e acabou por fechar, sem que os gestores tenham sido capazes de reverter os investimentos feitos, por exemplo, na abertura de novas lojas (fala-se que pretendiam expandir até para Angola). Isto sem falar, obviamente, da falta de qualidade de muitos dos produtos comercializados por esta marca. Outro exemplo, o do BES, em que os gestores fizeram tudo para encobrir a dívida (chegaram inclusive a criticar os outros, que recorriam ao Estado para colmatar os seus defaults), que levou à extinção da instituição, enquanto instituição bancária e à criação do Novo Banco, com os activos daquele. Mais recentemente, a PT Portugal, filial da Oi em Portugal e a PT SGPS (ambas, à altura, com Henrique Granadeiro enquanto presidente do conselho de administração e Luís Melo como administrador financeiro) fazem um investimento avultado (e ruinoso) numa empresa cujos boatos já indicavam não estar bem, confiando cegamente num só accionista, o BES. A empresa em qual investiram cerca de 900 milhões de euros faliu 1 ou 2 meses depois.

Mas nem tudo é mau. A Sonae, por exemplo, tomou a decisão certa nas telecomunicações, fundindo a sua empresa nessa área, a Optimus, com a ZON (que resultou na NOS), afastando o ideal de Belmiro de Azevedo de ter sempre pelo menos 51% dos negócios em que investe (a Sonae tem, em conjunto com Isabel dos Santos, 50,1% da NOS, pelo que divide o controlo com a empresária angolana). No retalho, soube resistir com várias promoções (que são sempre bem recebidas em tempo de crise pelos clientes), exemplo seguido também por outro grande operador desta área de negócio, a Jerónimo Martins, proprietária do Pingo Doce e Recheio, entre outros. Voltando às telecomunicações, a Vodafone arrasou nas promoções nos novos serviços de fibra, com preços mais baixos do que toda a concorrência.
Obviamente falei de grandes empresas, com algum fundo de maneio que as pequenas e médias empresas, por muito bons que sejam os gestores, não têm. Mas têm a possibilidade de ajustar, dentro do possível, os custos da empresa, de forma a manter o negócio a render.

Em suma, a crise não é – não pode ser – desculpa para tudo. Há muito mau gestor que já tinha as empresas com a tesouraria em mau estado e a crise foi só a gota que fez transbordar o copo. Por outro lado, certos administradores/gerentes revelaram-se grandes gestores ao adaptar o seu negócio ao momento difícil, sobreviver e, nalguns casos, até aumentar o lucro dos mesmos.

 

Crónica de João Cerveira