Giorgio Moroder – O Mestre Que Renasceu das Cinzas

Goste, ou não, dos Daft Punk a verdade é que devemos muito ao duo francês. Se nos centrarmos no passado recente facilmente percebemos que a eles se deve o renascimento de dois dos maiores mestres da música: Giorgio Moroder e Nile Rodgers. Ambos colaboraram com os Daft Punk no disco “Random Access Memories”, de 2010, renascendo das cinzas e voltando aos tops de vendas e às novas faixas/discos e concertos um pouco por todo o mundo (incluindo Portugal, no caso de Rodgers). Os mais jovens, como eu, talvez nunca tenham ouvido falar dele, mas a verdade é que o seu trabalho e inovação nos anos 70 foram absolutamente essenciais para o crescimento e evolução da música electrónica. Esta é uma crónica dedicada, exclusivamente, a um dos bigodes italianos mais conhecidos do mundo. Senhoras e senhores, esta é a vida e obra de Giorgio Moroder!

O produtor Giovanni Giorgio Moroder nasceu a 26 de Abril de 1940, na aldeia multicultural de Ortisei, Itália. Aprendeu a tocar guitarra antes de se dedicar a sério ao baixo e tocou com bandas de toda a Europa antes de entrar na cena musical alemã (tendo-se fixando em Munique, no início dos anos 70). Começou a aperfeiçoar a sua arte como compositor e produtor colaborando com Chicory Tip na música “Son of My Father” (que atingiu o Nº1 do top britânico).

Moroder acabou por uniu-se ao britânico Pete Bellotte e à artista Donna Summer, com quem gravou uma demo. O trio desenvolveu uma grande química e, dessa boa relação, viria a nascer o álbum de estreia de Donna: “Lady of The Night” (1974). No ano seguinte os três continuaram a trabalhar em conjunto acabando por criar o gigantesco êxito, e autêntica ode à sensualidade, (e à sexualidade, porque não?) “Love to Love You Baby”.

A equipa Summer/Bellote/Moroder criou até ao final dos anos 70 vários álbuns que definem, por si só, a disco music tornando Donna num ícone do seu tempo. Lançaram álbuns conceituais, com instrumentação exuberante, como “Four Seasons of Love” (1976) ou “Once Upon a Time…”(1977), uma versão contemporânea do conto de fadas da Cinderela.

Capa do single "Let The Music Play" de 1977, de Giorgio Moroder
Capa do single “Let The Music Play” de 1977, de Giorgio Moroder

Para o álbum “I Remember Yesterday” (1977), que contou com música de várias épocas diferentes, Moroder quis criar um som para o futuro. Quis, no fundo, garantir que se tornaria eterno. E conseguiu-o ao utilizar um sintetizador. Hoje é algo normal (foi até, diria eu, demasiado banalizado, conseguindo mesmo saltar as barreiras da música electrónica), mas na época foi percursor daquilo que se viria a tornar, anos depois, a grande tendência no mundo da música. Um dos maiores êxitos desta sua aposta, nomeadamente nas pistas de dança, foi “I Feel Love”.

Tendo o seu bigode como marca registada, Moroder trabalhou de seguida nos seus álbuns em nome próprio: “Knights in White Satin” (1976), “From Here to Eternity” (1977) e “E = MC²” (1980), tendo os últimos dois sido realizados apenas com sintetizadores. Mas a parceria com Donna Summer continuou, tendo editado em conjunto “Bad Girls” (1979), que atingiu a dupla Platina e que continha os êxitos “Hot Stuff”, “Dim All The Lights” e a faixa-título “Bad Girls”. A última colaboração deste autêntico trio maravilha foi em 1980 com o álbum “The Wanderer”. Apesar de terem seguido caminhos diferentes é de realçar o facto de a boa relação, e a amizade, se ter mantido (a separação não foi motivada por nenhuma zanga ou discussão, algo raro no meio musical).

Por esta altura Moroder já tinha começado a trabalhar na indústria no cinema, mais concretamente nas bandas sonoras, com resultados francamente positivos. Ganhou um Oscar pela banda sonora do filme “Midnight Express” (1978) e ainda um segundo Oscar por ter co-escrito o tema “What a Feeling” (as outras mentes criativas foram Irene Cara e Keith Forsey tendo o filme em causa sido o famosíssimo “Flashdance”, de 1983). Mas os prémios não ficaram por aqui dado que venceu ainda dois Grammys: um pelo seu trabalho para “Flashdance” referido anteriormente, e outro pela música “Take My Breath Away” pertencente à banda sonora do muito bem-sucedido “Top Gun” (1986).

O versátil Moroder não se ficou por aqui tendo mostrado a sua costela de adepto do rock puro e duro em “Call Me” (faixa referente à banda sonora do filme “American Gigolo” de 1980). É ainda possível ouvir o seu trabalho nos filmes “Cat People” (1982), “Scarface” (1983), “Superman III” (1983), “The Neverending Story” (1984), “Beverly Hills Cops II” (1987) e “Rambo III” (1988). Giorgio colaborou ainda com alguns dos maiores nomes da indústria musical: de David Bowie a Chaka Khan, de Pat Benatar ao imortal Freddie Mercury.

Mas a criatividade de Moroder também entrou no mundo do desporto: é da sua autoria a música “Reach Out”, para os Jogos Olímpicos de 1984 (que se realizaram em Los Angeles, Estados Unidos da América); “Hand In Hand”, para os Jogos Olímpicos de 1988 (em Seul, Coreia do Sul); o sucesso mundial “Un Estate Italiana”, para o Campeonato do Mundo de Futebol de 1990 de Itália e “Forever Friends” para os Jogos Olímpicos de Verão de 2008, na China. É impossível não referir também o seu terceiro Grammy. Foi ganho em 1998 aquando o reencontro com Donna Summer na faixa “Carry On”.

Mas se os anos 70 e 80 foram de muitos, e bons, sucessos, o mesmo não se pode dizer daí em diante. A sua saúde não se ressentiu, e a sua paixão pela música não diminuiu, calma! “Então o que mudou?”. Bom, a resposta é simples: a música. O mundo da música mudou, as sonoridades que passaram a estar na moda eram muito diferentes das “praias” por onde se movia Moroder, e mesmo o sentimento e atitude dos músicos/cantores modificou-se. O hip hop era tudo menos a sua área, como tal Giorgio decidiu afastar-se da música. Não queria, nem conseguia (segundo o próprio) “aproveitar a onda”. Chegou mesmo a dizer que “preferia afastar-me da música para sempre a enveredar pelo hip hop”. E aquilo que podia parecer um estranho desaparecimento torna-se, assim, absolutamente lógico.

moroder

E o seu afastamento durou até…2010, ano em que foi lançado o já referido “Random Access Memories” do duo Guy-Manuel de Homem-Christo e pelo francês Thomas Bangalter, mais conhecido como Daft Punk. E se ouvirmos todo o álbum (e a faixa dedicada ao experiente italiano em particular) facilmente percebemos a razão pela qual Giorgio aceitou o convite. Os Daft Punk movem-se exactamente nas mesmas sonoridades que Moroder, tendo semelhante paixão e brio pelo seu trabalho. A verdade é que sem o trabalho de Giorgio na música electrónica (nomeadamente no sintetizador) não teria sido possível surgirem os Daft Punk.

Este regresso permitiu-lhe renascer das cinzas. Por um lado mostrou-se ao público mais jovem (que não o tinha acompanhado no início de carreira e desconhecia as suas participações em bandas sonoras de filmes), por outro relembrou aos mais velhos que ainda aqui estava e que ainda tinha muito para dar. Para além dos expectáveis concertos e colaborações com outros artistas/bandas surgiu também um novo disco: “Déjà Vu” surgiu nas bancas no início de Junho, quase duas décadas depois do seu último álbum a solo.

Contudo as críticas não foram muito agradáveis. Apesar da lista de colaborações ser extensa (incluindo nomes como Sia, Mikky Ekko, Foxes, Matthew Koma, Charli XCX, Kylie Minogue  ou Britney Spears) a verdade é que nenhum tema se destaca verdadeiramente. Se ficam no ouvido? Ficam. Se nos fazem querer dançar? Fazem. E o ouvinte mais desatento, e desconhecedor dos grandes sucessos que escreveu e interpretou, não vai achar nada de estranho. Agora o ouvinte que acompanhou a sua carreira (ou que, mais tarde, a foi investigar) vai reconhecer muitos dos “acordes” e melodias antigas. Ou seja, este disco é uma tentativa de reavivar diversos sucessos que apesar de serem intemporais acabaram por ser, naturalmente, ultrapassados. Certamente que tocará em pistas de dança por todo o mundo. É até capaz de vender bem em alguns mercados específicos. Mas, feitas as contas, não faz justiça à sua carreira e ao quão inovador foi nos anos 70 e 80.

Giorgio-Moroder-Déjà-Vu-iTunes
Capa do seu mais recente disco “Déjà Vu”.

Dito isto fica o convite para que se entregue ao Youtube, ou ao Spotify, e que pesquise sobre todas estas músicas referidas acima. Ouvir Giorgio Moroder não só é uma viagem dos anos 70 até à actualidade como é o melhor elogio que pode fazer à paixão, dedicação e empenho que o italiano sempre teve ao longo de todos estes anos.

Infelizmente Giorgio nunca passou por Portugal, no entanto nunca se sabe este seu novo disco não terá direito a uma digressão pela Europa. Existindo uma digressão aumentam consideravelmente as probabilidades de vermos Moroder ao vivo em Portugal.

Agora vá ouvir este autêntico Pai (ou avô, depende da sua idade) da música electrónica! Vá sem olhar para trás e entregue-se de corpo e alma à genialidade do homem que o mundo conhece como Giorgio Moroder!