Gratidão

Gratidão e etimologia

O Prof. António Nóvoa relembra-nos as palavras de São Tomás de Aquino sobre gratidão. Sobre os três níveis de gratidão e as palavras escolhidas para a expressar. 

  1. O primeiro consiste em reconhecer (ut recognoscat) o benefício recebido;
  2. O segundo, em louvar e dar graças (ut gratias agat);
  3. O terceiro, em retribuir (ut retribuat) de acordo com as suas possibilidades e segundo as circunstâncias mais oportunas de tempo e lugar.

Explica-nos ainda que que na língua inglesa e alemã, por exemplo, utiliza-se a fórmula mais superficial da gratidão. Esta é a remete para o reconhecimento intelectual, cognitivo, com os verbos to thank   e zu danken (ambos com o sentido de agradecer). Ambos têm do ponto de vista etimológico a raiz em to think e zu denken (ambos com o sentido de pensar). Assim, o reconhecimento intelectual a nível cognitivo justifica que está agradecido aquele que pensa no favor que recebeu. Só é agradecido quem pensa, pondera e considera a liberalidade do benfeitor, como afirmou L. Jean Lauand numa das suas Conferências sobre São Tomás de Aquino, em Barcelona, em 1998.

Por seu lado, a formulação latina de gratidão (gratias ago) que se projectou no italiano e castelhano como, respectivamente grazie e gracias e no francês merci, remete para obter uma graça, no favor, no amor de alguém que nos traz um benefício. Graça também indica um dom, gratuitamente ofertado; a retribuição, “fazer graças”. Igualmente o louvor, o bem recebido procede de outro, logo deve louvar.

A expressão árabe de agradecimento shukran (jazylan) situa-se também no segundo nível de gratidão, o do louvor do benfeitor e do benefício recebido.

A formulação portuguesa beneficia de alguma singularidade já que se expressa no terceiro nível da gratidão, o do vínculo (ob ligatus), da obrigação, do dever de retribuir. Nós dizemos obrigado/a e tal quer dizer isso mesmo: fico obrigado perante vós, fico vinculado perante vós, fico-vos comprometido a um diálogo.

Percebemos então que a etimologia pode ser subtilmente reveladora nas fórmulas de agradecimento em algumas línguas.

Percebemos também que a língua portuguesa utiliza o terceiro nível da gratidão para expressar o quanto ficamos obrigados, vinculados e comprometidos com os outros que nos fizeram um favor.

É nossa obrigação retribuir, mas ao fazê-lo é absolutamente imperativo que o façamos para além da obrigação, do vínculo ou do compromisso.

Que o façamos com consciência da dádiva recebida e com a compreensão do binómio dar/receber, sempre com o prazer daí inerente. Este prazer expressa-se pelo sorriso genuíno de quem sabe estar neste mundo numa cadeia de interligação com os outros. Numa rede em que todos interagimos. Em que o Uno se liga ao Todo e o Todo reflecte-se no Uno.

Com base nesta reflexão da etimologia nas fórmulas linguísticas de agradecimento, mas também daquilo que está para além do sentir-se obrigado, quero aqui deixar a minha palavra de gratidão a todos aqueles que sempre me ajudaram. E  àqueles que julgando não me ajudar, ajudaram também.

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