Há 70 anos a ver a banda passar

Por ocasião da passagem do seu 70º aniversário, trago hoje a tema de capa das minhas crónicas, um autor nascido no Brasil que permanece um ilustre desconhecido para um grande número de cidadãos portugueses.

Dir-me-ão os leitores que estou enganado ou a enganá-los, porque decerto reconheceram na foto de contracapa que junto à crónica, a figura de feições rústicas que uma carreira de sucesso fez subir ao palco, de um conhecido compositor da chamada música popular brasileira, que é ao mesmo tempo um tão virtuoso intérprete de violão que não destoaria vê-lo acompanhar qualquer peça de música erudita tocada por uma orquestra sinfónica que no seu grupo de instrumentos de corda integrasse aquele seu inseparável companheiro.

Trata-se de Chico Buarque, não enquanto cantor mas escritor e personagem de um romance autobiográfico que supera em realismo a sua própria existência, a pessoa de quem venho hoje aqui falar, não com idêntico conhecimento de causa ao de quando se fala de um amigo chegado com quem privamos diariamente, mas antes de um familiar distante de quem se vai recebendo notícias através daquilo que nos escreve e que na circunstância são as páginas publicadas dos seus livros.

Nesta recentíssima comemoração, infelizmente não puderam por imperativos diversos, estar presentes todos os amigos que colecionou ao longo dos anos, mas ao vê-lo rodeado de tantas pessoas famosas vêm-nos à memória algumas da suas canções mais conhecidas e quase apetece pedir-lhe para nos musicar todos os poemas em Língua portuguesa que não são da sua autoria.

Continuador de um estilo de compor que busca inspiração no quotidiano, ao fim de tantos anos a ouvi-lo cantar, quis o destino que viesse a pôr em livro todas as palavras que lhe sobraram das canções, transformando em prosa os sonetos, e dividindo em parágrafos as estrofes, que a não ser de amor nunca de outra coisa nos falaram nas entrelinhas, mesmo àqueles que à primeira não entendiam o seu significado.

Na sua prosa feito poesia, o escritor conduz-nos pela mão percorrendo caminhos que nos levam enquanto leitores a experimentar novas sensações, dos quais saímos com a impressão de nunca, até esse momento, termos vivido.

Fruto de ser um exímio poeta e admirável contador de histórias, a escrita de Chico Buarque está repleta de acasos felizes entre aquilo que nos pretende dizer e a escolha apropriada das palavras usadas para fazê-lo. Com quatro livros publicados nos anos mais recente: Estorvo (1991); Benjamim (1995); Budapeste (2003); e Leite Derramado (2009), a obra literária deste carioca de gema nascido a 19 de Junho sob os auspícios do sol é como um daqueles capítulos de um romance que ainda vai a meio, mas no qual estamos tão interessados que mal termina já estamos desejosos de ler o que vem a seguir.

Nota final:

O link de um trecho do mais recente livro lido pelo autor:

http://www.youtube.com/watch?v=_tkaXxXXKVI