Há quem ganhe a vida, numa casa-de-banho pública… – Ricardo Espada

Primeiro que tudo – e como mandam as regras da boa educação – quero desejar um feliz 2014 a todos os leitores desta crónica. Mas, atenção, é só mesmo para os leitores que perdem 1 ou 2 minutos a ler os textos semanais da crónica “Graças a Dois”. Aos restantes “curiosos” que passam pela crónica apenas para ler o título e regressam à sua vidinha normal, podem tirar o cavalinho da chuva   que daqui não levam nada. Nem sequer um rebuçado acabado de cair em cima de uma bosta de pombo – posteriormente lavado com um pouco de resina, que é para ficar bem coladinho no céu da boca…

O ano de 2013 já lá vai, mas não podia acabar sem a existência de mais uma situação macabra. Afinal de contas, parece que estou a adquirir uma certa afinidade com situações macabras…

Eram sensivelmente 16 horas de uma Sexta-feira laboral desgastante. Vinha a conduzir a viatura da empresa, e encontrava-me na capital. Só tinha um pensamento a saltitar na minha mente: “Atravessar rapidamente a Ponte Vasco da Gama, para regressar a casa…” E se assim o pensei, assim o executei – entrei na Ponte Vasco da Gama, com um objectivo carregado de ansiedade, de quem está quase de fim-de-semana. Mas algo tinha de correr mal. Algo tinha de surgir, para impedir o meu normal regresso a casa: uma súbita e inesperada vontade de verter líquidos. Mas, não se tratou de uma vontade normal, mas sim, de uma vontade abismal e surpreendente de tão urgente que era. Ora, em cima do tabuleiro da Ponte Vasco da Gama, era-me impossível parar para tratar desse assunto, o que originou um ligeiro aumento de ansiedade que, por sua vez, ajudou a minha mente a criar cenários negativos para a minha saúde. Ora, é de conhecimento público, que não se deve contrariar durante demasiado tempo essa vontade do nosso organismo em expulsar o que está a mais – e, com base nessa lógica, o pensamento de que estaria a deteriorar a minha próstata, rapidamente se tornou num pesadelo para mim. Mas existia uma salvação a 10 quilómetros: um posto de combustível… Pé no acelerador, e lá fui eu direito ao posto de combustível, numa altura em que já sentia um pequeno ardor na bexiga, provavelmente derivado da força que ia fazendo ao tentar bloquear a saída eminente do líquido em questão.

Finalmente avisto a bomba, e em desespero nem estacionei bem a viatura. Ficou algures entre a estrada, e a casa-de-banho pública. Quis correr para a casa-de-banho mas, de repente, parecia que a minha bexiga pesava 50 quilos – e correr desenfreadamente com 50 quilos no lugar da bexiga, não é tarefa fácil. Se o realizador da série Walking Dead estivesse naquele posto de combustível, naquele preciso momento, de certeza que me iria convidar para figurante da série – eu parecia um verdadeiro zombie, a arrastar-me para a casa-de-banho.

Cheguei à casa-de-banho, e a sensação de alívio começa a corroer-me o cérebro. “Está quase, está quase, Ricardo!”, era o pensamento que me assombrava naquele momento. Entrei, dirigi-me para a zona dos urinóis e, qual não foi o meu espanto, quando apercebi-me de que existiam 3 urinóis, 2 estavam fora de serviço, e um estava ocupado. “Ok, tudo bem… Não há problema, Ricardo… Ainda tens as divisórias dos sanitários… Vai tudo correr bem…” tentava, de alguma forma, enganar-me a mim próprio, numa tentativa de evitar uma pequena catástrofe “húmida”… Dirijo-me então para a zona das divisórias, e novamente o espanto: estavam todas ocupadas! Tentei abri-las, com a esperança de que uma estivesse realmente desocupada, mas a porta encostada. Nada! Tudo bem fechado… Triste, desolado e com a bexiga a arder, deixei de pensar e comecei a dirigir-me para a rua. Mas, tal e qual um pequeno milagre, eis que a porta de umas das divisórias se abre, e sai de lá um homem. Pensei: “Ah, Deus ouviu as minhas preces, e deu-me uma mãozinha (Salvo seja, hem! Vamos lá a ver… Com o SENHOR, não se brinca… Olhem o respeitinho…) neste difícil momento!” A porta encostou-se – certamente, com o balanço – e eu abro-a num movimento repentino, confiante e com a perfeita noção de que daí a 3 segundos uma imensa onda de alívio me iria percorrer o corpo… e ZÁS!, dou de caras com um outro homem, de costas para mim, a apertar a braguilha… Ele – assustado, possivelmente pensando que se tratava de um novo cliente – olha-me de relance, com um olhar bastante expressivo de quem fala com os olhos e que estava mortinho para uma nova aventura…

A minha reacção àquela situação foi estranhamente estúpida e, ao mesmo tempo, natural. Soltei um pequeno, mas suficientemente perceptível “Oopss!” e voltei a fechar a porta. O homem que tinha saído da divisória, encontrava-se estático no lavatório, sem saber se continuava a lavar as mãos, ou se saía da casa-de-banho a correr  de vergonha. Eu facilitei-lhe a vida, e saí primeiro que ele… Esperei na rua que alguém saísse da casa-de-banho, pois isso significaria que existiria um urinol livre, ou uma divisória livre. E, para meu azar, apenas o “casalinho” saiu da casa-de-banho, ambos de cabeças baixas, como quem procura por moedas ou beatas no chão. Voltei a entrar na casa-de-banho dirigindo-me à divisória livre e, surpreendentemente, a vontade de fazer a necessidade fisiológica número 1 desapareceu… Estranhamente, a pessoa que ocupava o único urinol disponível, ainda continuava no mesmo sitio, na mesma posição, parecendo-me um boneco de cera…

Das duas uma, ou aquela casa-de-banho era um antro de promiscuidade, ou então todas as pessoas intervenientes naquela situação estavam MESMO à rasquinha… De tal forma, que até partilharam a mesma divisória…

Até para a semana, malta catita!


RicardoEspadaLogoCrónica de Ricardo Espada
Graças a Dois
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