Hipocrisia e Tráfico de Seres Humanos

Boa noite caro leitor! Como estão a correr essas férias (ou planos para ir)? Bem sei que não é o meu dia de cronicar, mas o dia em si assim o exige.

Se para uns hoje é o Dia da Amizade, para outros “celebra-se” o Dia Mundial contra o Tráfico de Seres Humanos. Como sempre, a Organização Internacional para Migrações (OIM) não se esqueceu da data e fez as contas: só em 2015, foram salvas 4250 pessoas privadas das suas vidas e utilizadas (não existe outro termo) em trabalhos forçados. Nos últimos 20 anos, a OIM fala em mais de 70 mil pessoas traficadas que foram assistidas e estima-se que esteja em jogo um “negócio” avaliado em mais de 150 biliões de dólares, com várias redes de crime organizado pelo meio. Tal como em todas as actividades ilegais, os números não são certos e há até quem fale em milhões (!). É a escravatura dos dias modernos à qual ninguém consegue deitar a mão.

Fonte: International Organization for Migration (IOM)
Fonte: International Organization for Migration (IOM)

 

O tráfico humano é real e um dos maiores problemas sociais e económicos que, tanto governos como autoridades, lutam diariamente. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), todos os anos, cerca de 2,4 milhões de pessoas são “apanhas” nestas redes. Uma em cada sete consegue abrigo em projectos e programas de protecção a cargo da OIM. Em Portugal, no ano de 2014, existiam 198 possíveis casos de tráfico de seres humanos. E é isto, caro leitor. Enquanto uns festejam o Dia da Amizade, outros lutam para se manter à tona da água para (sobre)viver.

De acordo com a definição utilizada pela ONU, o tráfico humano é “the recruitment, transportation, transfer, harbouring or receipt of persons, by means of threat, use of force or other means of coercion, of abduction, of fraud, of deception, of the abuse of power or of a position of vulnerability or of the receiving or giving of payment… to a person having control over another person, for the purpose of exploitation[1] (o protocolo completo pode ser consultado aqui). Entre os indivíduos mais sujeitos às pressões por parte do tráfico humano estão as crianças[2] (utilizadas maioritariamente no trabalho forçado infantil e como soldados em guerras que não lhes pertencem) e as mulheres (sujeitas a casamentos forçados e ao mundo da prostituição). Falando rápido e bem, uma pessoa que seja vítima desta grave violação de Direitos Humanos está sujeita aos maiores horrores e atentados à sua vida: violação, tortura, mutilação, escravidão, confinamento ilegal, ameaça à família/amigos, não esquecendo outras formas de violência física, sexual e psicológica.

E é aqui que, mais uma vez, a comunicação social falha de forma redundante, relembrando mais depressa o Dia dos Amigos do que o Dia Mundial contra o Tráfico de Seres Humanos. É a hipocrisia no seu estado natural. Verdade seja dita, é preferível fechar os olhos e deitar a cabeça na almofadinha porque não lhes bateu à porta. E eu questiono-me: se ninguém procurar uma solução para o crime organizado e tudo o que ele implica, um dia (e que o Diabo seja cego, surdo e mudo), ele vai bater-nos à porta. Não se trata de ver o mundo de uma forma pessimista. Trata-se de ter noção do quão complexo e perigoso é este “jogo”, mexendo com vidas que nada mais fizeram do que estar no sítio errado à hora errada. O melhor é espreitar o flyer da OIM aqui e ver por si os números respeitantes ao tráfico de seres humanos.

A chave d’ouro para “festejar” o dia 30 de Julho de 2015 veio por parte da OIM, em conjunto com a ONU, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), e outras organizações que se mantêm na luta, juntando declarações de várias personalidades sobre o tema para alertar a população mundial. O vídeo pode (E DEVE!) ser visto aqui. É preciso manter em mente que o mundo não está perdido e que ainda há pessoas que se interessam pelos direitos de todos.

Quanto a nós, eu volto dia 16 de Agosto (se nada me indignar até lá!) para mais uma crónica de Direitos Humanos. Enquanto isso, não se esqueça: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” (Art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos).

[1] Article 3 of the UN Protocol to Prevent, Suppress and Punish Trafficking in Persons, Especially Women and Children, Supplementing the UN Convention against Transnational Organized Crime.

[2] Em 2012, 168 milhões de crianças eram alvo de trabalhos forçados, 85 milhões das quais em trabalhos considerados perigosos. Desde a construção, passando pela agricultura (98 milhões) e terminando na prostituição, as crianças são um alvo fácil. A Ásia e o Pacífico continuam a ser o número um (quase 78 milhões), seguindo-se a África Subsariana (59 milhões), a América Latina e as Caraíbas (13 milhões) e, por último, o Médio Oriente e Norte de África (9,2 milhões).