A mulher não tinha idade. As mãos eram jovens. Os olhos antigos.
Cabelos com mais raízes que pontas. Mal amanhados num rabo-de-cavalo curto.
Roupa cinzenta de melhores dias.
Ali estava. Alheada. Rezando a um Santo qualquer.
Quando o rapaz chegou vinha algemado.
Ela saltou. Um brilho de alegria percorreu-a inteira.
O polícia cumprimentou-a acenando a mão. Como se faz a um velho amigo que se vê ao longe.
O filho.
O rapaz baixou a cabeça num meio sorriso. Envergonhado (já) das lágrimas.
Antes de entrar na Sala Solene, estendeu as mãos. Lá dentro era um Homem Livre.
Ela entrou e sentou-se atrás. No banco duro. Sem respirar, ouvia. Calada.
Tinha criado o filho sozinha. Sem pai. Nem avós. Nem amigos.
Um peso no peito.
Quando tudo acabou pediu ao polícia para dar um beijo.
Um só.
Agora era o polícia/homem quem tinha os olhos brilhantes.
“Vá lá” – concedeu numa voz pequenina. Segurava algemas.
Abraçou o menino com muita força. Mimos caminharam-lhe por entre os dedos. Cheiro de prisão a colar-se-lhe às narinas.
Sufocada.
O menino que era o filho. A ferida aberta que era o filho. A dor de mãe que era o filho.
Chovia nesse dia. Uma chuva raivosa que inundava tudo.
Alguém disse que tinham de ir.
O menino da sua mãe estendeu as mãos. O polícia cumpriu o seu dever.
Antes de saírem pela porta lateral, ela disse:
” Deus vos abençoe”.
Polícias e ladrões irmanados numa única voz.
A Mãe que rezava a um Santo qualquer.
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