História #1 – Telma Henriques

A mulher não tinha idade. As mãos eram jovens. Os olhos antigos.

Cabelos com mais raízes que pontas.  Mal amanhados num rabo-de-cavalo curto.

Roupa cinzenta de melhores dias.

Ali estava. Alheada. Rezando a um Santo qualquer.

Quando o rapaz chegou vinha algemado.

Ela saltou. Um brilho de alegria percorreu-a inteira.

O polícia cumprimentou-a acenando a mão. Como se faz a um velho amigo que se vê ao longe.

O filho.

O rapaz baixou a cabeça num meio sorriso. Envergonhado (já) das lágrimas.

Antes de entrar na Sala Solene, estendeu as mãos. Lá dentro era um Homem Livre.

Ela entrou e sentou-se atrás. No banco duro. Sem respirar, ouvia. Calada.

Tinha criado o filho sozinha. Sem pai. Nem avós. Nem amigos.

Um peso no peito.

Quando tudo acabou pediu ao polícia para dar um beijo.

Um só.

Agora era o polícia/homem quem tinha os olhos brilhantes.

“Vá lá” – concedeu numa voz pequenina. Segurava algemas.

Abraçou o menino com muita força.  Mimos caminharam-lhe por entre os dedos. Cheiro de prisão a colar-se-lhe às narinas.

Sufocada.


O menino que era o filho. A ferida aberta que era o filho. A dor de mãe que era o filho.

Chovia nesse dia. Uma chuva raivosa que inundava tudo.

Alguém disse que tinham de ir.

O menino da sua mãe estendeu as mãos. O polícia cumpriu o seu dever.

Antes de saírem pela porta lateral, ela disse:

” Deus vos abençoe”.

Polícias e ladrões irmanados numa única voz.

A Mãe que rezava a um Santo qualquer.

Crónica de Telma Henriques
1001 teorias para ler antes de morrer