A história dos três pastorinhos – a mentira que rende milhões

Era uma vez…

Três chavalos, a Lúcia, o Francisco e a Jacinta, com idades entre os sete e os dez anos, viviam numa terra de parolos, no sitio onde Judas perdeu as botas. Os miúdos estavam de castigo porque só faziam asneiras, então os três resolveram fugir dos pais para o monte, onde estiveram entretidos a brincar aos doutores o dia todo. Nesse fatídico dia, 13 de Maio de 1917, Lúcia tinha comido umas ervas à socapa do quintal do vizinho e estava bastante atordoada (sim, as tais ervas era cannabis, nessa altura o povo já cultivava droga, é só olhar para as fotografias dessa época e chegamos rapidamente a essa conclusão), por sua vez, o Francisco, tinha bebido dois copitos de vinho tinto, que o pai lhe ofereceu ao pequeno-almoço (não se assustem leitores, era muito usual darem álcool às crianças naquele tempo), e estava bem alegre mas não via um burro à frente dele, já a Jacinta estava de diarreia, porque comeu batatas cruas e sentia-se ligeiramente enjoada, nesse dia, enquanto brincavam, combinaram inventar uma história toda marada: a Nossa Senhora de Fátima tinha aparecido diante deles, descendo do céu numa luz cintilante e angelical, disse-lhes que perdoava as merdas das asneiras que tinham feito ultimamente, e para dizerem aos pais para estes também os perdoarem, por fim, para rezarem todos os dias o terço. Como sabem, as crianças são peritas em simular histórias, os pais acreditaram, o povo acreditou e o resto da história já todos conhecemos…

Ah, desculpem leitores, ficaram zangados comigo, a cronista ateia? Acharam uma crónica de mau gosto este inicio, pois, lamento, então o melhor é não lerem o resto, se não estão preparados para lerem aquilo que eu considero a verdade.

Eu sou católica, uma católica cada vez mais ateia. Como já disse varias vezes em cronicas minhas, eu andei na catequese que detestei, os meus filhos não frequentam nem vão frequentar a catequese nem a Igreja Católica, a menos que o queiram fazer, mas tenho a minha fé, uma fé que não entra em concordância com ir de joelhos a rastejar até ao Santuário em nome de uma promessa, nem de velas em forma de caras e pés a queimarem no meio de tantas outras, nem Igrejas imponentemente bem construídas com custos de vários milhares de euros. Tenho a minha fé e tenho o meu Deus e isso basta-me.

Porque é que a aparição foi de Nossa Senhora de Fátima? Porque é que não apareceu Deus ou um santo qualquer? E como podem garantir que a Nossa Senhora é como vemos nas estátuas? Se realmente apareceu, porque é que ela falou só com os três pastorinhos? Se realmente é verdade a aparição, porque é que só a Lúcia conseguiu falar com ela, apesar de estarem centenas de pessoas no local? Porque é que a Nossa Senhora falou que temos de fazer sacrifícios em nome de Jesus? Que Deus se sente muito ofendido? Que pode curar alguns doentes, mas não todos? Que existe um inferno e que temos de rezar muito? Porque é que Nossa Senhora apareceu na Cova da Iria e não numa rua qualquer no centro da cidade do Porto? Isto não vos parece conversa de miúdos e beatas infelizes? Pois a mim soa-me a isso mesmo.

Realmente aconteceu um fenómeno no dia 13 de Outubro, mas não foi um acontecimento religioso nem místico. O facto de estarem no local quase cem mil pessoas, a maior parte crente a Deus e à Igreja, que tinham sido avisadas que nossa Senhora ia descer dos céus, fez com que se dissipasse uma histeria colectiva. Imaginem que em cem mil pessoas, uma diz que está a ver algo nos céus, as outras acabam também por achar que estão a ver alguma coisa. Já experimentaram olhar para o sol durante algum tempo? Quando observamos directamente e prolongadamente o sol ocorrem efeitos ópticos, que dão a sensação que o Sol está a dançar e que altera a cor e tamanho, é a chamada estimulação excessiva das células fotossensível da retina. Foi isso que aconteceu no dia 13 de Outubro de 1917.

E de uma possível aparição traduz-se milhares de euros num negocio de fé…velas que logo após serem queimadas entram num circuito interno e são novamente produzidas para o mesmo efeito, negócios locais a faturarem centenas de euros, um Santuário que custou cerca de 80 milhões de euros, pagos integralmente pelas ofertas dos peregrinos, um Santuário com obras de arte de grande valor, apesar de haver centenas de portugueses a viver na miséria, padres e cardeais a viverem francamente bem para quem vive da fé…e agora eu pergunto: Foi para isto que a Nossa Senhora de Fátima apareceu aos três pastorinhos? Para se montar um circo à volta desta história e ganharem milhões ? Não me parece.

Quando era miúda fui muitas vezes a Fátima, dizem que se sente uma enorme  paz e serenidade quando lá estamos, mas isso é um embuste. Se formos até ao cimo de uma montanha sentimos exactamente o mesmo, se estivermos a meditar em casa, vamos sentir exactamente o mesmo, se estivermos completamente sozinhos numa praia ao final da tarde, vamos sentir exactamente o mesmo. Não é Deus, não é a Nossa Senhora de Fátima, não é apenas o local, somos nós, as pessoas.

” O mundo seria muito mais pacifico se todos fossemos ateus.”

José Saramago