The Hobbit: The Desolation of Smaug & Lawrence of Arabia

Este é o primeiro Magazine Mais Opinião de 2014, no entanto, falta ainda colmatar duas ocorrências no ano de 2013 no mundo do cinema. Em primeiro lugar, apresentarei a minha review de O Hobbit: A Desolação de Smaug. Em segundo lugar, apresentarei uma sincera homenagem a Peter O’Toole, actor falecido em Dezembro, com uma review de um dos grandes pilares da Sétima Arte, Lawrence da Arabia.

O Hobbit: A Desolação de Smaug

 A aventura continua numa sequela que nos deixa deslumbrados do princípio ao fim, mas que de certeza não impressionaria J.R.R. Tolkien…

MV5BMzU0NDY0NDEzNV5BMl5BanBnXkFtZTgwOTIxNDU1MDE@._V1_SX640_SY720_Titulo Original: The Hobbit: The Desolation of Smaug

Ano: 2013

Realizador: Peter Jackson

Produção: Peter Jackson, Carolynne Cunningham, Fran Walsh, Zane Weiner

Argumento: Fran Walsh, Philippa Boyens, Guillermo del Toro, J.R.R. Tolkien (livro)

Actores: Ian McKellen, Martin Freeman, Richard Armitage, Benedict Cumberbatch, Orlando Bloom, Evangeline Lilly

Musica: Howard Shore

Genero: Aventura, Fantasia

 

Ficha técnica completa em:  http://www.imdb.com/title/tt1170358/

É certo que as grandes adaptações de obras literárias muitas vezes ficam aquém das expectativas dos leitores. Peter Jackson conseguiu no entanto com o passar das décadas um respeito mais ou menos consensual nos fãs de Tolkien pela seriedade com que abordou a grande obra-prima da literatura fantástica, O Senhor dos Anéis, obra esta considerada na categoria de “impossível de filmar” até ao primeiro filme da trilogia estrear em 2001.

Uma década depois, Peter Jackson não só decide trazer a vida a prequela do Senhor dos Anéis como decide adaptar um livro que não chega a 300 páginas para uma trilogia. Esta decisão pode ser justificada por uma serie de razões, o interesse monetário é sem dúvida um deles, sendo ele a prioridade ou não, mas existem outros. The Hobbit é um livro muito simples, considerado um livro infantil, lendo as suas páginas pode conspirar-se que Tolkien não sabia bem que rumo dar a tudo, possivelmente a própria complexidade da Terra-Média estava ainda no seu estado embrionário e o anel de Gollum era apenas um berloque engraçado no meio da trama. A história é uma típica narrativa de sucessão de acontecimentos, contada com grande mestria mas sem descrições de paisagens que ocupam duas ou três páginas, o habitual nas suas sequelas. O próprio Tolkien queria reescrever o livro mas acabou por nunca o fazer, deixando apenas uns vislumbres de algo mais complexo nos apêndices do Regresso do Rei e no seu livro póstumo The Silmarillion. Nesta trilogia não só Jackson recorreu ao livros, como também também a esses apêndices, e a alguma criatividade sua e dos seus argumentistas.

O primeiro filme, O Hobbit: Uma Viagem Inesperada, foi um início de aventura razoavelmente bom mas faltou-lhe qualquer coisa, o que juntando às expectativas elevadas derivadas da trilogia de O Senhor dos Anéis, se tornou numa peça desapontante para muitos fãs. É preciso perceber uma coisa, de forma alguma há comparação com a trilogia do Anel, não por ser melhor ou pior, mas por ser diferente.

O Hobbit: A Desolação de Smaug é em primeiro lugar uma melhoria face ao filme anterior. Sofre na mesma para o bem e para o mal da margem para criatividade que o livro deixa em aberto, embora ganhe com isso na maior parte das vezes. O argumento parece mais coerente e mais bem trabalhado, é também menos episódico, mas para isso deve presentear-se o escritor do livro e não propriamente a direcção de Peter Jackson tendo em conta que é a própria historia original que se desenrola desse modo. Não sofre também de uma parte introdutória de 45 minutos como o seu antecessor partindo imediatamente para a acção e para o perigo.

A companhia dos anões e de Bilbo parecem estar presos num mundo maior do que eles, onde vários poderes se digladiam enquanto outro mal se ergue sem suspeita. É ainda mais evidente o choque de culturas, não tanto para as personagens, mas mais para nós, a audiência. O filme começa com climas verdejantes e tenebrosos, com o reino do rei elfo Thranduil cheio de alusões à Natureza e à opulência do monarca. De seguida muda completamente com a Cidade do Lago, algo saído de uma Europa do século XVII com toque de requinte britânico de Stephen Fry, que faz de governador corrupto e oportunista. Por fim surge a grandiosidade do reino de Smaug também ele magnifico e deslumbrante completamente diferente daquilo que vimos anteriormente mas com um toque de anão a cada esquina com alguns motivos que já tínhamos encontrado nas Minas de Mória na Irmandade do Anel.

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Embora ausente do livro, as partes referentes a Gandalf são importantes pois contribuem para cruzar as duas trilogias de Jackson, e nunca deixa de ser gratificante ter mais uns minutos para ver Ian MacKellen a interpretar o seu papel na perfeição. Também as “novas” personagens adicionam algo de novo. A inclusão de Legolas, que não marca presença no livro, podia considerar-se uma tentativa de trazer algo de O Senhor dos Anéis para a trama, mas no fundo torna-se numa personagem interessante de ter por perto tornando-se num elo de ligação entre trilogias. Já Tauriel vem colmatar a falta de relevância das personagens femininas na Terra-Média, algo que Jackson já tinha feito com Arwen e Éowyn. No entanto, a história de amor que se desenrola está longe de ser necessária para o bom rumo do filme, embora não chegue ao ridículo de parecer descabida.

Os grandes destaques deste segundo filme vão para as cenas de acção sendo uma das melhores, e não fazendo spoilers, uma que envolve barris e muita água. Uma sequência de grande mestria técnica e que entretém sem dúvida, contribuindo ocasionalmente para algumas gargalhadas no cinema.

Toda a escolha de estilo e cultura, ao qual Jackson já nos tem habituado, rejubila ainda mais com avanço da tecnologia. É um filme que embora demasiado colorido em pós-produção faz com que essa cor destaque a ambiência necessária para cada situação, e isso não é nada mau. É certo que o filme pode provocar uma overdose de efeitos especiais ao mais conservador dos públicos mas existem melhorias em relação ao anterior como a maior inclusão de maquilhagem prostética, embora sempre embelezada com pormenores adicionados digitalmente.

Por ultimo, Smaug, o dragão é talvez, uma das peças de CGI mais espectacular do filme. Parece real, é assustador sem sombra de dúvida, e voz de Benedict Cumberbatch dá o toque no produto final. Para os fãs que pensaram que o trailer tinha revelado demasiado sobre o dragão, não podiam estar mais enganados, não viram absolutamente nada!

Um dos grandes problemas do filme é fazer a audiência desejar por mais, pois tem um final repentino, e a espera pelo último filme é de um ano. Mas é com certeza uma espera merecida.

Sobre os actores, este filme apresenta o mesmo problema que o anterior, quase 3 horas não são suficientes para dar o tempo de antena a treze anões e por isso o filme perde muito. Pouca gente terá reparado desde o início da trilogia que por exemplo Bifur tem um bocado de um machado cravado a cabeça que o impossibilita de comunicar em inglês… muitas pessoas não viram o machado e ainda menos sabem quem Bifur é no meio de treze anões. A personalização dos anões foi um pormenor bem adicionado mas prova-se no fim que não foi ainda o suficiente, quatro ou cinco destacam-se no grupo e o resto torna-se secundário.

Martin Freeman continua a ser um Bilbo soberbo, Ian McKellen continua a mesmo Gandalf e Orlando Bloom, embora notavelmente mais velho mesmo que tratado com algum CGI (o que será difícil de explicar quando as trilogias forem vistas pela ordem cronológica correcta). Evangeline Lilly, que eu não via desde Lost, superou completamente as expectativas, sendo sem duvida uma personagem que embora não exista no universo de Tolkien ficará presente para alguns fãs.

Em relação à música a minha opinião é mais reservada. A banda sonora passou ao lado, excepto nos momentos nostálgicos que apresenta. Tirando isso, poucas das peças sonoras ficaram no ouvido. A música oficial de Ed Sheeran é possivelmente a mais fraca de todas as musicas oficiais de ambas as trilogias.

Em suma, O Hobbit: A Desolação de Smaug é uma melhoria face ao filme anterior. A história encontra-se bem articulada embora por vezes perca o rumo a algumas personagens. Esta não é uma trilogia que agrade ao fã mais conservador de Tolkien pois segue a história do livro adicionando pormenores que para muitos podem não ser necessários. O que é certo é que o que Peter Jackson faz, faz bem como nenhum outro e nenhuma adaptação de um livro alguma vez se livrou de alguma controvérsia.

Desolation of Smaug 8,0

 

 Lawrence da Arábia

A sincera e derradeira homenagem a Peter O’Toole (2 de Agosto de 1932 – 14 Dezembro de 2013), o eterno Lawrence….

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Titulo Original: Lawrence of Arabia

Ano: 1962

Realizador: David Lean

Produção: David Lean, Sam Spiegelvid Lean

Argumento: T.E. Lawrence (livro), Robert Bolt, Michael Wilson

Actores: Peter O’Toole, Alec Guinness, Anthony Quinn, Omar Sharif

Musica: Maurice Jarre

Género: Aventura, Biografia, Drama

Ficha técnica completa em:  http://www.imdb.com/title/tt0056172/

Muitos filmes antigos ficam na memória por serem clássicos adquiridos de era de ouro do cinema à muito perdida. Tal como os filmes também os actores ficam de alguma forma imortalizados quando o papel que fazem se destaca de forma derradeira. Lawrence of Arabia e Peter O’Toole são nomes que ficaram de certo modo ligados à história do cinema. 7 Óscares arrecadou o filme de David Lean, e com razão os recebeu, mas nenhum foi de melhor actor para O’Toole, que aliás não ganhou nenhum na sua grande carreira a não ser um título honorário em forma de estatueta de oscar.

Lawrence of Arabia despertou outras mentes do cinema como Steven Spielberg ou George Lucas. A escala desta aventura surpreende até para o padrões de hoje, podemos até arriscar que já não se fazem filmes assim, sem efeitos especiais e com equipas de figurantes de um número completamente descabido para simular batalhas e momentos mais ou menos históricos.

Para o bem e para o mal, T. E. Lawrence foi um militar altamente romantizado e este filme é prova disso. O seu papel na luta dos britânicos e das tribos árabes contra o império otomano pode não ter adquirido um carácter tão messiânico na sua figura mas nem por isso a historia deixa de vender. O filme é uma obra de aventura biográfica que não só toca o épico como vai para além dele, continuando uma obra viva 52 anos depois da sua estreia.

Em tantos anos muito mudou no cinema, e muitos poderão ficar assustados se não perceberem que os primeiros minutos de filme são a ecrã completamente preto apenas com a banda sonora a tocar em background. Pensar que compraram um DVD ou blu-ray avariado é uma sensação normal mas o que é facto é que o cinema mundial teria ganho com isso se todos os épicos começassem com três minutos na total obscuridade. Seria uma óptima maneira de perceber a mestria que existe nas grandes orquestras que durante os filmes não são muito audíveis.

Outra das coisas que destaca este filme é a sua duração. São quase quatro horas de filme que podem ser divididas em dois, até porque a meio há novamente uma manifestação do tal ecrã preto com fanfarra durante outros tantos minutos. Mas são quatro horas do melhor que o cinema tem para dar. A paisagem do deserto pode ser altamente desumana em muitos aspectos mas assume neste filme um toque de beleza selvagem que nos faz sonhar ser Lawrence, pelo menos até certo ponto.

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Os actores e a construção dos personagens são em muito auxiliada pelo argumento e pela proximidade histórica dos eventos. Provavelmente seria impossível fazer um filme como este em 2012, seria impossível fazer um remake com tanto pormenor. Peter O’Toole entra definitivamente para o Hall of Fame do cinema com a interpretação brilhante de Lawrence, uma personagem com todos os seus defeitos e virtudes e uma paixão pelo deserto e pelos beduínos. Outro grande actor e que ainda temos o privilégio de ter neste mundo é Omar Sharif, que nos presenteou com grandes interpretações em filmes dos anos 60, sendo outro dos seus maiores sucessos o Dr. Jivago de 1965. Destaco também Alec Guiness, que os suficientemente geeks chamarão a partir de 1977 de Obi-Wan Kenobi (ficará então marcado para a vida), aqui Príncipe Feisal também num papel genial e digno de nota.

Destaque para a falta de personagens femininas neste filme. Podemos justificar esse facto com o conceito de guerra e mundo árabe no entanto, pode ser uma lufada de ar fresco no sentido em que uma personagem feminina num filme onde dificilmente teria um papel plausível serviria apenas para cultivar os sonhos masculinos de ter algo mais para observar, mas claro, este é um filme dos anos 60 e esse sexismo de adicionar mulheres para encher um filme do ponto de vista observacional não funciona porque os tempos são claramente outros, e por um lado ainda bem, não pelo facto de não existir personagens feminina mas sim porque não cai no erro do cinema moderno do adicionar o que é bonito para vender um filme.

De resto, o filme presenteia-nos com o melhor que há da era de ouro do cinema. Acção, Historia e sobretudo um bom argumento que dá ao filme as melhores peças de diálogo da Sétima Arte, juntando filosofia, religião poder e guerra.

Destaque ainda para um pormenor riquíssimo. Este é um filme anterior ao 11 de Setembro. Esse facto torna este filme numa peça única. O povo árabe é tratado com o respeito que merece, quase de uma forma romântica e muito digna. Um ocidental verá o filme com tanta paixão quanto um árabe sem nunca notar o mínimo escárnio pela sua cultura. É um filme que apresenta um choque de culturas sem nunca condicionar a interpretação de uma em relação à outra.

Por fim falta deixar a ultima nota. Peter O’Toole deixa-nos um património cinematográfico riquíssimo e imaterial. É na representação e na maneira fabulosa como o fez através dos anos que o imortalizou. Fica eternamente ligado a Lawrence of Arabia como muitos outros actores ficam associados aos seus papéis. Esta é uma nota de homenagem final num mundo que parece ter notado tão pouco pela falta de um dos mestres em comparação a outro ídolos juvenis com mortes trágicas, ou não, que também morreram em 2013.

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Até ao próximo mês com mais cinema…

Luís Antunes