A imperdível Feira de Maio, a minha amada Azambuja e o castiço Ribatejo

Todos os seres humanos, por mais insensíveis que sejam, tendem a criar relações físicas, e emocionais, com as pessoas, os locais e os objectos que os rodeiam. Como por exemplo com aquele boneco que nos acompanhou desde a infância. Ou com a casa onde sempre vivemos. Ou com a vila (ou freguesia, ou concelho) onde nascemos e ainda hoje habitamos. Ou em último caso com o país que nos viu nascer e cuja nacionalidade transportamos no Cartão do Cidadão e, mais importante do que isso, na alma. E como devem imaginar eu não sou excepção. A minha alma é povoada por mais locais, objectos e pessoas do que possam imaginar. Todos me marcaram (a mim e ao meu percurso), uns de uma forma positiva, outros nem por isso. Mas a vida é assim mesmo, é feita de tantas ou mais derrotas do que vitórias. Esta semana falo-vos de algo pelo qual nutro uma paixão difícil de explicar: a Feira de Maio, a mais castiça do Ribatejo!

A terra que me viu nascer é aquela onde ainda hoje habito: Azambuja. Pertence ao distrito de Lisboa (embora boa parte dos lisboetas desconheça tal facto, o que é tão surpreendente quanto ridículo) e é a junção perfeita da cidade com o campo. Nas lezírias reside o coração do Ribatejo. Nos campinos a resistência e a perseverança dos nossos antepassados. Nos forcados a mistura perfeita entre loucura desmedida e coragem. No cavalo lusitano e no toiro bravo a força e a alma de todos os ribatejanos.

E tal como um alentejano não sente Lisboa como um lisboeta, nunca um cidadão oriundo de qualquer outra zona do país vai sentir o Ribatejo como nós, que aqui nascemos, aqui fomos criados e aqui desejamos permanecer para todo o sempre. Queremos conhecer o país e o mundo tanto quanto qualquer outro ser humano, mas aconteça o que acontecer nada se compara ao nosso Ribatejo.

E esta Azambuja (que é tanto minha quanto de qualquer outro azambujense) tem tantos encantos que escrever sobre eles levaria uma eternidade. É exactamente por isso que centrarei o meu discurso apenas na Feira de Maio. A Feira de Maio é a maior festividade do nosso concelho. Acontece sempre no último fim-de-semana de Maio e dura cinco dias (de quinta a segunda-feira). Durante estes dias as principais ruas da vila, sede de concelho, são fechadas, areia é colocada no chão e tronqueiras impedem que os touros ultrapassem os limites das largadas. A cada três habitações é certo que duas serão tertúlias repletas de aficionados que há semanas ultimam os preparativos, deixando o seu espaço impecável, pronto a receber aqueles que os visitam durante estes dias. Milhares de pessoas de todo o país, e inclusivamente do estrangeiro, vêm de propósito a Azambuja para presenciar a magia da Feira de Maio.

Desde que me conheço que vou à Feira de Maio. Estes são os dias do ano que qualquer azambujense mais deseja que cheguem. Aqui há de tudo. Toiros. Cavalos. Campinos. Toureiros de fim-de-semana que por vezes arriscam demasiado. Tertúlias onde acontecem reuniões de amigos, sempre acompanhadas do bom vinho da região e do fado vadio. A Praça das Freguesias onde é possível provar algumas das iguarias do concelho. Ou ainda os carrosséis e restantes barraquinhas para os mais pequenos.

Escrevo estas palavras no decorrer do terceiro dia da edição de 2014 da Feira de Maio, mas quando você, caro leitor, as estiver a ler já tudo terminou. Agora resta-nos esperar que passem os 365 dias que nos separam de mais uma Feira de Maio.

As eleições europeias obrigaram a que a Feira mais Castiça do Ribatejo se realizasse entre os dias 29 de Maio e 2 de Junho, ou seja, uma semana mais tarde do que manda a tradição. O Rock in Rio Lisboa meteu-se também pelo meio, tirando naturalmente parte do impacto que a Feira de Maio poderia ter. Mas ainda que com todas estas condicionantes a edição de 2014 da Feira de Maio foi um sucesso.

A parte negativa são os feridos. Tive até a informação de que houve um morto (contudo não tenho a confirmação do mesmo e como escrevo esta crónica antes do final do certame os números não são definitivos). Esse é o lado mais triste: o facto de ano após ano as pessoas continuarem a arriscar demais, mesmo sabendo que o perigo é real e que basta um pequeno descuido para que uma tragédia aconteça.

Para finalizar: gosto e apoio as touradas. Contudo, não apoio os maus tratos aos animais. Tanto quanto sei nunca um touro foi maltratado na Feira de Maio. O que já aconteceu foi alguns toiros ficarem feridos (penso que num ano até chegou a falecer um toiro), mas tal não sucedeu devido a maus tratos dos campinos ou dos populares. E digo isto tendo apenas em conta o que sei e o que vi, mas obviamente que admito a probabilidade de nem todos serem assim tão pacifistas.

Feitas as contas o que permanece é o orgulho em pertencer a esta freguesia e a este concelho, assim como a paixão pelas lezírias, pelo cavalo lusitano, pelos campinos e pelos forcados. No fundo por tudo o que representa o Ribatejo. Esta relação com a terra que nos viu nascer é tão profunda quanto difícil de explicar. Mas é verdadeira, talvez das mais verdadeiras que alguma vez vamos experienciar em toda a nossa vida. E isso é o que nos acompanhará para sempre.

Boa semana.
Boas leituras.