A Inacreditável História de Damon C. Scott

Lisboa está cheia: de luz, de praças, de ruas, de becos, de museus, de calçada, de azulejos, de fado, de turistas e, infelizmente, de um número cada vez maior de músicos de rua. E digo infelizmente porque na maioria dos casos estas pessoas vivem nas ruas e estão no limiar da pobreza, dependendo totalmente do dinheiro que vão conseguindo arranjar nas ruas (ou no metro, consoante os casos). O “Desnecessariamente Complicado” desta semana relata a inacreditável história de Damon C. Scott. Para milhões de pessoas ele é “apenas” mais um músico a tocar no metro de Nova Iorque, contudo a sua verdadeira história é bem mais complexa do que isso. Como pode um músico de metro ser o detentor da voz de um sucesso das pistas de dança a nível mundial? É que isso que vamos descobrir na crónica desta semana!

Mas antes de chegarmos ao “topo da carreira” (e mais tarde vai perceber estas aspas) de Damon é necessário percebermos como chegou ao metro de Nova Iorque. Para começar é necessário referir quem foi a sua progenitora. A sua mãe era, nada mais nada menos, do que Sherry Scott. E perguntam vocês: “é suposto esse nome dizer-me alguma coisa?”. Por acaso é dado que a senhora em causa foi a vocalista dos Earth, Wind & Fire, mítica banda do final dos anos 60 e anos 70, 80 e 90. Este é um facto que ajuda a perceber desde logo a origem da belíssima voz de Damon, mas se pensa que a sua história foi fácil desengane-se.

Depois de ter consumido drogas durante vários anos, de ter estado preso durante outros sete anos e de ter vivido na rua, conseguiu endireitar-se. Nessa fase da sua vida estava mais confiante do que nunca no seu talento e queria muito mostrá-lo ao maior número possível de pessoas. Foi assim que começou a tocar, e cantar, à hora de almoço perto do Art Institute of Chicago. Até que um dia um desconhecido lhe sugeriu actuar no metro dado que aí “estaria certamente em contacto com um número muito maior de pessoas”. E ele assim fez, tendo acabado por se fixar definitivamente no metro de Nova Iorque.

Segundo o próprio “o maior segredo para actuar no metro é a localização: um bom local pode render-te mesmo muito dinheiro”. E depois de muita procura encontrou a East 86th Street. E ainda hoje é nesse preciso local que o podem encontrar. A partir daqui a história podia muito bem fazer parte de um daqueles filmes que passam nas televisões ao Sábado à tarde (e que acabam por nos levar às lágrimas).

A verdade, nua e crua é a seguinte: Damon tem muito talento. Nunca teve muita sorte na vida, talvez por ter tomado as decisões erradas na hora errada, mas sem dúvida que tem talento. Basta ouvir a sua voz para perceber isso. E muitas das pessoas que foram passando por ele no metro aperceberam-se do seu talento. A maioria não o ouvia verdadeiramente (quantos de nós não ignorámos um músico de rua ao passar por ele?) mas os que ouviam não ficavam indiferentes. Alguns davam-lhe moedas. Outros gravavam as suas actuações. Damon acabou por se tornar viral. A partir daí passou não só a ter mais pessoas a assistir aos seus “concertos” como a receber mais moedas.

Até que um dia foi abordado por um produtor chamado David Levy. A intenção era contratá-lo para alguns trabalhos de estúdio. O papel de Damon seria simples: chegar e cantar o que lhe fosse pedido. E por esse trabalho receberia algumas centenas de dólares. Damon aceitou, afinal de contas era uma oportunidade para fazer dinheiro. Mas isto foi apenas o início.

Através de Levy conheceu Morgan Geist. E surgiu a oportunidade de fazer o mesmo tipo de trabalho para Morgan. Afinal de contas um DJ precisa de uma (ou várias) voz(es) para dar vida aos seus temas. E Damon C. Scott era a resposta às preces de Geist. Por 50/60 dólares por sessão Damon gravou uma meia dúzia de músicas para o DJ.

Damon C. Scott

Inicialmente as músicas passaram ao lado de tudo e todos. Até que três anos depois (em 2013) Mark Kinchen (conhecido apenas por MK) fez um remix de um dos temas de Geist (que passou a assinar como “Storm Queen”). Esse remix escalou todos os tops, vendeu milhares de cópias e foi um sucesso gigantesco na Europa. A música em questão tinha como título “Look Right Through” e voz era…de Damon C Scott (pode ouvir a música, e ver o videoclip, aqui: https://www.youtube.com/watch?v=2HGA5NblaUA ). E aqui, pensa o leitor, acontece a viragem desta história. Se este fosse um guião de um qualquer sucesso de bilheteira Damon tornar-se-ia rico e nunca mais pararia de gravar sucessos mundiais. Mas, para desgosto de Damon, a realidade foi…bem diferente.

Ora Storm Queen tomou a liberdade de deixar Damon de fora dos créditos da música. Ou seja, embora lhe tenha dado voz, para efeitos legais o mérito e o dinheiro pertencia todo a Storm Queen (ou melhor dizendo, a Morgan Geist). E, inicialmente, Damon nem sequer se apercebeu do sucesso da música por si interpretada. Só quando começou a ser contactado pela imprensa inglesa para dar entrevistas é que soube da verdade. Agora imagem o espanto que não terá sido perceber o quão longe tinha chegado aquela simples, e modesta, gravação da sua autoria!

A partir daqui a história complica-se ainda mais. Morgan Geist nunca falou do caso publicamente e a Damon apenas disse “havemos de arranjar algo para ti”. Damon diz ter a profunda convicção de que a culpa não foi do DJ mas sim do seu agente e da respectiva equipa afirmando mesmo “não acredito que Morgan seja má pessoa, mas que me deixou numa péssima situação isso deixou…”. Sim, porque ainda não vos revelei o pior.

É que se, por um lado, Damon tinha gravado um sucesso, por outro não iria nunca receber um único dólar por ele. E a tudo isto junta-se o facto de legalmente não poder utilizar o nome Storm Queen e de ninguém conhecer o nome “Damon C. Scott”, ou seja, dar concertos revelou-se muito difícil.

Graças ao grande sucesso que a faixa em questão teve na Europa Scott conseguiu dar alguns concertos (nomeadamente em bares e discotecas inglesas). Mas nada que lhe permitisse mudar radicalmente de vida e deixar, de vez, o metro de Nova Iorque.

Paralelamente a tudo isto aconteceu outra coisa que complicou, ainda mais, a vida de Damon. Depois do sucesso de “Look Right Through” a editora Nervous Records demonstrou-se muito interessada em assinar um contracto com Damon (o que acaba por ser curioso dado que antes quando foi Scott a procurar essa mesma editora não se demonstraram disponíveis sequer para o ouvir…). Até aqui tudo bem…não fosse esta experiência correr, também ela, muito mal. Nunca tiveram verdadeiro respeito por ele, nunca lhe agendaram concertos ou entrevistas com a imprensa. Nunca houve um esforço para o catapultar para o local que tanto fez por merecer.

Portanto do sucesso mundial que interpretou acabou por não receber qualquer retorno e do contracto discográfico que assinou recebeu exactamente o mesmo: zero.

Actualmente o contracto discográfico ainda está em vigor e Damon está a ter muitas dificuldades para o rescindir. E de Storm Queen nunca chegou a receber um único dólar. Ou seja? Ainda continua a tocar, e cantar, no metro. Recentemente colaborou com o projecto The Dealer e com os britânicos Mob Culture em diversas faixas (mas já se precaveu quanto aos direitos de autor, obviamente). Entre estas músicas encontra-se “Carry On” que pode ouvir aqui: https://www.youtube.com/watch?v=nwSDpVSb04E

Se encontrasse no metro um cantor e o mesmo lhe dissesse “Sabe que eu já tive uma música no Nº1 de vários tops europeus?” como reagia? Ia acreditar? Claro que não! Ia pensar que ele estava a mentir ou estava louco! Principalmente se nunca tivesse ouvido o nome dele. Esta é a situação em que se encontra Damon C. Scott.

Poucas posições são mais ingratas do que aquelas onde o nosso mérito por algo não é reconhecido. O maior contributo que pode dar é ouvindo as versões de Scott no metro disponíveis no Youtube ou alguns dos seus originais. Não tenho a menor dúvida de que a partir de agora o destino só pode sorrir a Damon. Afinal de contas uma voz daquelas não pode criar apenas um grande êxito, não é verdade?

P.S: Querem um detalhe bastante curioso? Pesquisem a letra da música “Look Right Through” e vejam o quão autobiográfica é para Damon C. Scott….

Boa semana.
Boas leituras.