A incapacidade de Sonhar

Tenho medo.

Tenho medo sempre que vejo o grande Deus-Sol baixar para lá do limite dos meus olhos, tornando-se pouco mais que a representação momentânea do que eu queria que fosse, mas apenas o haveria sido, por fugazes momentos.

É esta a altura em que a escuridão nos envolve e nos prepara para o natural ato de dormência. Da dormência do corpo. E da mente. É nestes momentos, quando as aves finalizam os seus cânticos, quando as raposas saem para se refastelarem nas suas presas, quando os grilos servem como únicas referências auditivas, que os meus poros segregam líquido ligeiramente salgado, comummente apelidado de “suor”, cuja sua temperatura é anormalmente baixa, causando-me arrepios pela espinha e tremores nas minhas mãos.

Este medo adormece, mas não no sentido de adormecer a minha pessoa para a nutrição do sono. Adormece-me para com tudo o que para lá fica do medo. Não quero dormir, não quero fraquejar, mas todas as noites, o meu destino está selado após o cansaço se abater sobre o meu corpo: as minhas pernas, como pedaços de granito carcomido pela humidade, caem, os meus braços cruzam-se, lembrando um Faraó de tempos idos, o meu peito expande e retrai ao ritmo das melhores baladas de Leonard Cohen, enquanto que pesos, presos às minhas pálpebras, as puxam no sentido descendente da mente e… Cedo.

Acordo. E mais uma noite havia passado. Mais uma noite obrigado a defrontar a escuridão. Era profunda. Mais profunda do que a Fossa das Marianas. Mais profunda, do que a negritude depressiva de qualquer medida política de austeridade.

A verdade é que o Medo, como em todas as emoções humanas, despertava uma série de heurísticas e processos de pensamentos que tais capazes de despertar a racionalidade na minha mente. Pelo menos… Até ao lusco fusco surgir por entre as grades do meu quarto e, uma vez mais, ser lembrado do meu desespero.

Sou incapaz de sonhar. Sou incapaz de ultrapassar o breu da minha mente, e olhar além. Sou incapaz de sonhar com as pessoas que me rodeiam, com as séries que vejo, com a minha imaginação, de voar, de nadar por tudo o que me envolve.

Não existe mais nada do que o preto que envolve o meu corpo. A imagem do meu eu flutuando num enorme deserto, muito maior do que o Universo desconhecido, uma peça fundamental de um Mundo sem necessidades.

É a revelação do que eu sou. A implicação de que sem o sonho… Sem essa capacidade de atingir a mente transcendente… A minha inconsciência tomou esta opção por mim.

Por isto, tenho medo de adormecer: pois todos os dias, antes de deslizar para o Mundo de Orpheu sou recordado de que alguém abdicou da minha liberdade.